Discussão sobre amianto ganha novo impulso no Brasil
A condenação no início da semana pela Justiça italiana dos ex-proprietários da Eternit S.p.A. Genova também repercutiu em outros países. No Brasil, um dos maiores produtores do mundo de amianto, a discussão sobre o banimento da substância está mais viva do que nunca.
A Justiça brasileira ainda não decidiu. Enquanto isso, setores favoráveis e contrários partem para a ofensiva.
O Brasil é um dos maiores produtores de amianto do mundo. Por isso, como era de se esperar, a recente decisão da Justiça italiana de condenar a 16 anos de prisão os dois ex-proprietários da Eternit S.p.A. Genova (Itália) – acusados pela responsabilidade na morte de 2,1 mil pessoas que adoeceram após ter manuseado o amianto nas fábricas da empresa – fez voltar à tona o embate político e jurídico em torno do banimento da substância no país.
O poder sobre a proibição do amianto no Brasil está com o Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2001, quando foram protocoladas na instância máxima da Justiça brasileira as primeiras Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINs) contra decisões tomadas pelos estados de São Paulo, do Rio de Janeiro e do Mato Grosso do Sul de vetar a comercialização de produtos que contivessem a substância. Em 2004, o mesmo aconteceu em relação a Pernambuco e ao Rio Grande do Sul.
Desde então, de acordo com o documento “Dossiê Amianto Brasil”, produzido pela Câmara dos Deputados em 2010, “cada vez que uma Unidade da Federação sanciona lei banindo ou apenas criando restrições ao uso do amianto, imediatamente ocorre uma reação da indústria do amianto e a lei é questionada quanto à sua constitucionalidade”.
Tradicionalmente favorável as ADINs, o STF começou a sinalizar uma mudança de posição em 2008, quando decidiu pela constitucionalidade da Lei 12.684/07, que proibia o amianto no Estado de São Paulo. A partir daí, a questão entrou em uma indefinição jurídica, já que outras ADINs, relativas a outros estados, ainda não foram julgadas pelo STF. Em nível federal, ainda prevalece a Lei 9.055/95, que permite a fabricação e venda do amianto branco (também conhecido como crisotila) e proíbe o amianto azul e o amianto marrom (conhecidos como anfibólios).
Enquanto a Justiça não dá a palavra final, os setores favoráveis e contrários ao amianto no Brasil partem para nova ofensiva após o julgamento na Itália. O Instituto Brasileiro de Crisotila (IBC) interpelou na Justiça o médico sanitarista Hermano Castro de Albuquerque, que trabalha na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e acompanha doentes pela exposição ao amianto desde 1979. Em sua ação, o IBC exige que o médico comprove como chegou ao número de 2,4 mil mortos por mesotelioma (câncer causado principalmente pelo amianto) no Brasil, dado que apresenta em artigos publicados nos últimos três anos.
A Fiocruz criticou oficialmente a interpelação judicial contra Albuquerque e afirmou que o IBC “busca a judicialização de um debate que deve se basear em evidências técnicas e científicas”. O Instituto Nacional do Câncer (Inca) também protestou: “A Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, subordinada à Organização Mundial da Saúde (OMS), classifica todas as formas de amianto como agente cancerígeno”, diz a nota divulgada pelo instituto.
Ações
Segundo o presidente da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), Eliezer João de Souza, as últimas sinalizações da Justiça devem fazer aumentar as ações de ex-empregados contra a indústria do amianto no Brasil: “Nós trabalhamos para isso. Nos últimos anos, somente nossa entidade já deu entrada em mais de 300 ações no município de Osasco (SP), a maior parte delas conta a Eternit do Brasil”, diz.
“Sei que existem ações semelhantes, movidas nos estados do Rio de Janeiro, do Paraná e da Bahia. É possível que as ações movidas por ex-empregados atualmente já passem de mil”, avalia Eliezer. Ele diz apostar agora em uma nova onda de ações: “O julgamento da Eternit na Itália e a decisão do STF sobre São Paulo mexeram com o movimento dos expostos ao amianto.”
Eternit
No dia seguinte à decisão da Justiça italiana, a Eternit do Brasil divulgou uma “nota ao mercado” na qual esclarece que a empresa tem atualmente capital 100% nacional e não guarda qualquer ligação com as empresas do mesmo nome que operaram ou operam em outros países, como Itália ou Suíça. Segundo a empresa, “com o aprimoramento das técnicas de produção e o aperfeiçoamento dos mecanismos de proteção ao trabalho, nenhum caso de doença relacionado ao uso do amianto crisotila foi registrado entre os colaboradores admitidos no Grupo a partir dos anos 80” no país.
A nota afirma que a empresa “segue a lei federal 9.055/95, que disciplina a extração, industrialização, utilização, comercialização e transporte do amianto crisotila e dos produtos que o contenham em todo o território nacional”. O documento diz ainda que “os procedimentos de segurança implantados pelo Grupo Eternit em suas empresas superam as exigências legais, eliminando ou reduzindo possíveis riscos e garantindo a segurança aos colaboradores e consumidores”.
A Eternit iniciou suas atividades no Brasil – ainda ligada às matrizes na Suíça e na Bélgica – em 1940. Seu crescimento se deu a partir dos anos 70, quando passou a ser dona da maior mina produtora de amianto crisotila do país. Em 2010, alcançou um lucro líquido recorde de R$ 102 milhões, que representou um aumento de 40% sobre o ano anterior. A Eternit do Brasil vendeu naquele ano 306,3 mil toneladas de produtos à base de amianto. A receita bruta da companhia em 2011, ainda não divulgada oficialmente, deve ter ultrapassado a marca de R$ 1 bilhão, segundo projeções do mercado.
Além da decisão da Justiça na Itália, outra razão têm aumentado a esperança de vitória dos setores que atuam pelo banimento do amianto no Brasil.
O próximo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) será o ministro Carlos Ayres Britto, que em 2008 foi um dos sete que votou a favor da manutenção da lei que proibia a substância em São Paulo.
Ayres Britto é também relator da próxima Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) que será julgada sobre esse tema, o que aumenta a expectativa de que o STF decida em breve pela proibição definitiva do amianto no país.
O auge da produção do amianto foi atingido em meados dos anos 70, com mais de 5 milhões de toneladas. As importações da Suíça atingiram o auge em finais dos anos 70 (22700 toneladas).
Apesar de sua nocividade, o amianto continua sendo usado em muitos países. Em 2007, foram consumidos mais de 2 milhões de toneladas, segundo dados da “United States Geological Survey”.
China é o maior consumidor (30%), seguido por Índia (15%), Rússia (13%), Cazaquistão e Brasil (5%).
A Organização Internacional do Trabalho estima que entre 100 mil a 140 mil pessoas, por ano, morrem por causa do amianto, no mundo.
De acordo com um estudo da União Europeia, até 2030, o minério terá causado a morte de meio milhão de pessoas na Europa.
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