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A mudança de vida que o grogue originou: Jérôme Cretegny e a vida no Mindelo

Um homem sentado em uma varanda com um copo na mão
O suíço do estrangeiro Jérôme Cretegny entrou no negócio de comercialização do grogue em Cabo Verde. swissinfo.ch

Jérôme Cretegny nasceu em Antuérpia, Bélgica, filho de pais suíços. Após alguns meses a família mudou-se para a Argentina e aos sete anos conhecia pela primeira vez as suas origens. Na Suíça permaneceu até aos 25 anos, tendo passado pelos Estados Unidos, Londres e mais tarde viveu oito anos em Dakar, Senegal.

Nesse período conheceu Cabo-Verde e apaixonou-se pelo país insular. Há cerca de dois anos mudaram-se para a cidade do Mindelo e lançaram a sua empresa de venda de grogue Mestres das RibeirasLink externo. A swissinfo.ch encontrou-se com Jérôme Cretegny numa da praça junto ao mar azul cabo-verdiano. 

A influência que recebeu do estilo de vida dos seus pais fez com que tivesse vontade de viajar e viver fora da Suíça. Quando aos sete anos regressou à Suíça a adaptação não foi fácil. Na sua maioria, os seus amigos eram suíços que tinham vivido no estrangeiro e estrangeiros, “eu estive sempre interessado em pessoas com diferentes enquadramentos socais e familiares, talvez porque também o meu era diferente”. O seu percurso escolar foi feito entre Lausanne e Genebra, onde se acabou por formar em direito. Contudo, nunca trabalhou como advogado, esteve sempre ligado à área financeira.

Aos 25 anos mudava-se para Nova York para fazer um estágio na área financeira. Somente 10 dias depois de lá estar conheceu a sua companheira, e acabou por viver durante três anos no país. A sua mudança para Londres, surge pela sua vontade de fazer um MBA em finanças e permaneceu 10 anos na City. Devido à sua longa experiência na área financeira, conseguiu uma posição no International Finance Corporation, uma empresa sob a alçada do Banco Mundial, e foi viver para Dakar, Senegal, durante oito anos. “Essa experiência foi entusiasmante”, partilha conosco. 

Nos escritórios estava uma equipa formada por oito pessoas e tinham a seu cargo projetos de investimento em privadas ou estatais, em vários países da Costa Ocidental Africana: Senegal, Gâmbia, Mali, Mauritânia, Guiné-Bissau e Cabo-Verde. Esses investimentos eram variados: desde o microcrédito para pequenos comércios, ao agronegócio e grandes infraestruturas, tais como centrais elétricas e estradas. Para além dos investimentos, davam aconselhamento na gestão de negócio e de mercado. 

Numa das suas viagens profissionais entre os diversos países, conheceu Cabo-Verde e apaixonou-se imediatamente pelo Mindelo, “a mentalidade das pessoas, a atmosfera da cidade, o carnaval”, sorri ainda encantado pela cidade. Jérôme recorda-se da primeira vez que visitou um local de produção de grogue em Santo Antão, “ver os bois andarem à volta do trapiche* e ver as pessoas a produzirem grogue da forma tradicional, foi fascinante. Eu nunca tinha visto aquilo em lado nenhum”. O nosso entrevistado e a sua companheira ainda demoraram cerca de dois anos a tomarem a decisão de irem viver para Cabo-Verde, mas a vontade de embarcarem numa nova viagem falou mais alto.

Conhecer o terreno e estabelecer a empresa

Jérôme e a sua companheira estabeleceram-se no Mindelo por terem gostado da atmosfera vibrante da cidade, mas também porque é aí que se apanha o barco para a ilha de Santo Antão, principal centro de produção de cana-de-açúcar, matéria-prima essencial para a produção de água ardente. Segundo nos conta, há cerca de 70 produtores de grogue em Santo Antão e isso obrigou-o a percorrer a ilha para conhecê-los e experimentar o grogue que produziam para atestar a sua qualidade. Quando tomaram a decisão de criar este negócio de venda e produção de grogue, fizeram visitas a destilarias de rum no Caribe e de água ardente de cana no Brasil, “é mesmo importante construir algum conhecimento relativamente a isto, não se pode fingir”, diz-nos a sorrir.

Há cerca de seis meses oficializaram a empresa e o processo foi uma agradável surpresa: “O processo foi bastante célere e eu acredito que Cabo-Verde é um dos melhores países de África para investir porque os níveis de corrupção são residuais. Por outro lado, a necessidade de papéis para qualquer coisa é um pouco chato”, sorri, talvez um hábito deixado pelos portugueses, diríamos. Jérôme diz-nos que alguém que faça investimentos no país pode ter direito à residência, no entanto, o processo não é tão rápido como para legalizar uma empresa.

Mestres das Ribeiras: o início da aventura

Pela primeira vez, Jérôme Cretegny deixou a vida de corporação empresarial. Contudo, assume que ter tomado a decisão de abrir uma empresa em Cabo-Verde juntamente com a sua companheira tornou tudo mais fácil: “Nós temos diferentes capacidades por isso somos uma boa equipa”. Neste momento, o negócio ainda é baseado na seleção do grogue feito por produtores na ilha de Santo Antão, “nós não vamos lá para tentar mudar nada, apenas fazemos a seleção daquele que nos parece o melhor grogue”, depois fazem uma redestilação para alcançarem um sabor mais suave. Este produto que vendem é um grogue enobrecido que não está disponível no mercado. 

Homem ao lado de um moedor de cana
Jérôme Cretegny ao lado de um “trapiche”, um pequeno engenho de açúcar movido por bois. swissinfo.ch

Ao longo da colheita da cana-de-açúcar e fabrico do grogue, Jérôme desloca-se para Santo Antão, “é o melhor transporte público do mundo, cerca de uma hora de viagem entre Mindelo e Santo Antão”. Nessa época compram o grogue. No resto do ano, tratam da rotulagem, enchimento de garrafas, marketing e comunicação. A sua companheira foi quem concebeu o design do logótipo da marca Mestres das Ribeiras. 

Durante o carnaval no Mindelo, fizeram a festa de lançamento e a reação dos habitantes surpreendeu-os porque receberam diversos elogios à qualidade do produto. O segundo grande evento em que participaram foi o Kriol Jazz Festival, na Cidade da Praia. Para eles, é importante que em primeiro lugar os cabo-verdianos gostem do produto e depois darão os próximos passos. Jérôme partilha que vão procurar inovar em termos de produto, disponibilizando um grogue envelhecido e, talvez, um spciy grogue. Para além disso, nos eventos iniciaram a venda de caipigrogue, que está a ser um sucesso. Na sua maioria, em Cabo-Verde bebe-se o grogue puro ou ponche, que é grogue misturado com melaço. 

Este ano disponibilizaram no mercado mil garrafas mas espera conseguir alcançar a meta das cinco mil em breve, para mais tarde se fixaram entre as cinco mil e as 10 mil por ano. Ainda só estão a vender no mercado local, em lojas no Mindelo, Santo Antão e Cidade da Praia, em hotéis nas ilhas turísticas do Sal e Boavista e nos aeroportos internacionais, porque o “mercado local abraça também o turismo”. O próximo passo será tentarem a exportação porque Jérôme acredita que há espaço para o grogue nas prateleiras dos bares europeus e assume que gostaria que a Suíça fosse o primeiro mercado externo do Mestres das Ribeiras. Contudo, devido à dependência externa de Cabo-Verde, as redes estão facilitadas para a importação em detrimento da exportação, mas não é isso que demove Jérôme.

Mindelo será a nova casa: A Suíça o sítio de regresso

Apesar de terem optado por viver em Cabo-Verde, Jérôme mantem forte laços com a sua Suíça natal. A sua família mora no país e os seus amigos de longa data também. Por esse motivo, volta sempre à Suíça para visitá-los e fazer esqui, um desporto que gosta de fazer. 

Jérôme Cretegny tem sido um dinamizador das relações entre os dois países, porque os seus amigos suíços visitam-no e estão mais atentos a notícias sobre Cabo-Verde. O último grupo que o visitou no carnaval ficou encantado porque a cidade fica vibrante, “é um mini Rio de Janeiro”, sorri. Na sua opinião, o turismo pode servir para estreitar relações, tal como já tem acontecido nos últimos anos, particularmente no turismo de natureza, com as caminhadas e desportos radicais. 

Quando conseguir a autorização de residência no país, Jérôme Cretegny pretende comprar um terreno para construir uma casa. Dessa forma poderão concretizar o projeto de permanecerem no país, porque “queremos ficar aqui a viver”. 

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