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Fincando raízes na Suíça há mais de duas décadas

Crianças brincando com jogos pedagógicos
Aula de português para crianças: a língua de herança é um passaporte a mais para o futuro num mundo globalizado. Filipe Carvalho

Há 22 anos que a associação brasileira Raízes dissemina o português para crianças, jovens e adultos. Os seus cursos não se limitam ao ensino da língua, mas também sobre cultura e história brasileiras, uma vez que a maioria dos alunos são crianças, filhos de migrantes brasileiros. Dessa forma, os alunos podem manter laços afetivos e linguísticos com o país de herança. 

Ana Riccioppo, professora e coordenadora na associação RaízesLink externo desde 2011, partilhou com a swissinfo.ch o contexto particular da associação e o papel que tem desempenhado para difundir a língua portuguesa e a cultura brasileira em Genebra e na Suíça Romande (francófona).

A lusofonia helvética 

Já faz algumas décadas que os portugueses se encontram entre as comunidades migrantes mais numerosas, contando cerca de 268 mil oficialmente a residir permanentemente no país helvético, segundo dados oficiais, e cerca de 20 mil com passaporte suíço.

O incremento significativo de migrantes brasileiros acentuou-se a partir dos anos 2000. Presentemente contabiliza-se cerca de 20 mil, mas estima-se que sejam perto dos 100 mil, que, por contraírem matrimônio com cidadãos suíços, adquirem a nacionalidade helvética com maior facilidade e deixam de constar como população estrangeira. Se a este número forem acrescentados os cidadãos oriundo dos países africanos de língua portuguesa o número total ainda se torna mais destacado. 

Segundo um artigo do jornal genebrino Tribune de Genève, só no cantão de Genebra, as primeiras línguas de herança faladas pelos alunos do ensino primário no ano letivo 2014-2015, eram o francês, com 18757 falantes, o português, com 3783 falantes, e o espanhol, com 2030.

No ano letivo de 2015-2016, ainda no cantão de Genebra, 1175 alunos do ensino primário e 621 do ensino secundário, frequentavam aulas de Ensino de Português no Estrangeiro (EPE), administrado pelo Coordenação de Ensino Português na Suíça. Ainda no mesmo ano letivo, a associação Raízes lecionava aulas de português para 74 alunos do ensino primário, contando com o apoio do departamento para a integração cantonal. 

No presente ano letivo, segundo dados apurados, as aulas de Ensino de Português no Estrangeiro contam com aproximadamente 10 mil estudantes nos diversos graus de ensino, em 24 dos 26 cantões da Confederação Helvética. As aulas são lecionadas por 79 professores portugueses.

Segundo a professora Ana Riccioppo, da associação Raízes, no ano letivo 2018-2019 contam com “aproximadamente 70 alunos inscritos, entre os 4 e os 14 anos, divididos por faixa etária de acordo com a série escolar suíça”. 

Recentemente, deram início a aulas em Nyon e Lausanne, no cantão de Vaud. Nesses centros de ensino, assistem em torno de 30 alunos. No total, a Raízes é constituída por 11 professores que asseguram as aulas a todos os níveis de ensino e a adultos que procuram aprender a língua portuguesa.

Criando raízes em solo suíço

No presente ano a associação comemora 22 anos de existência e trabalho contínuo em prol da língua portuguesa e, na sua maioria, da comunidade brasileira. Os objetivos da associação vão mais além das aulas de língua portuguesa para crianças, adolescentes e adultos, mas também pretendem ser um ponto de encontro dos brasileiros residentes em Genebra e arredores, assim como auxiliar na integração suíça dos brasileiros recém-chegados. 

A professora Ana diz que a estrutura curricular do curso de português não segue a do ensino brasileiro, pois os alunos estão inseridos num contexto diferente que não se coaduna com os alunos no Brasil. Por isso “os nossos programas foram pensados sem perder de vista a aquisição dos conhecimentos básicos exigidos nas diretrizes educacionais brasileiras em relação à Língua Portuguesa, à História e à Geografia do Brasil, de acordo com a faixa etária”. 

aula de Ana Riccioppo
Ana Riccioppo em ação: mais que a língua, os cursos transmitem a cultura e a história dos países de origem das crianças. Filipe Carvalho

No ensino de Português Língua Estrangeira, direcionado a adultos, cumprem o Quadro Europeu Comum de Referência para línguas, e são procurados, na grande maioria, por “profissionais estrangeiros de diversas áreas e por pessoas com algum outro tipo de motivação como viagens, parceiros e/ou parentes lusófonos e o interesse pela cultura brasileira”.

Passaporte para o passado e o futuro

Mariana Mendes é mãe de dois rapazes que frequentam as aulas de língua e cultura portuguesas, administradas pelo Instituto Camões, sob vigilância da Coordenação de Ensino Português na Suíça,Link externo desde que iniciaram o percurso escolar. Quando lhe perguntamos acerca da importância dessas aulas, ela foi categórica, “é importante que se permita que os filhos dos emigrantes tenham acesso ao estudo da língua portuguesa. Para mim era imperativo que [os meus filhos] estivessem a aprender português e acho que para o futuro deles é importante”. 

Ana Riccioppo, associação Raízes, aconselha os pais a “não terem medo de usar o português em casa, mesmo que a criança tenha criado certa resistência e mesmo que ela esteja em processo de aquisição do francês na escola. Persistam sempre pois, por tudo que já vi nesses anos de Raízes, sempre vale a pena e não há contras, apenas prós”.  

Tal como a Coordenação de Ensino de Português na Suíça destaca, relativamente ao plurilinguismo, “a aprendizagem de mais de uma língua desenvolve e estimula a flexibilidade cognitiva. A competência certificada em várias línguas é uma vantagem profissional no mundo globalizado”. No mesmo sentido, Mariana sempre incentivou os filhos a aprenderem português, e outras línguas, “porque as oportunidades podem surgir em qualquer lado do mundo. E o português é uma das línguas mais importantes do mundo”.

Cooperação entre Brasil e Portugal

Segundo Ana Riccioppi, a cooperação entre os dois países lusófonos na Suíça acontece, na sua maioria, no que concerne a eventos direcionados a professores, nomeadamente, jornadas e simpósios. 

No que diz respeito à frequência dos cursos, há uma separação clara entre brasileiros e portugueses. Na opinião de Ana, isso talvez aconteça devido, “ao fato de que os pais não levam em conta apenas a língua mas também a cultura de um ou outro país na hora de tomar a decisão”. No entanto, a professora acrescenta que se poderia pensar em formas de cooperação mais práticas e eficazes, “seja compartilhando experiências, divulgando nossos cursos, ou organizando eventos culturais em conjunto, por exemplo”.

A continuidade da associação

A associação Raízes foi reconhecida pelo Departement d’Instruction Publique e pelo Bureau de l’Intégration des Étrangers, o que lhe permitiu receber algum apoio do Estado de Genebra. O Consulado-Geral do Brasil em Genebra também se encontra entre os parceiros da associação. Esse reconhecimento oficial tem grande importância para o crescimento e prosperidade da associação.  

No entanto, apesar das taxas que os estudantes têm de pagar e das doações que têm conseguido, a instabilidade financeira continua a ser a maior dificuldade. “A cada ano precisamos buscar maneiras de conseguir fundos para viabilizar a manutenção da associação. Contamos sempre com doações de pessoas físicas e de empresas brasileiras mas, infelizmente, essas doações são instáveis”. 

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