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As viagens de Marisa Magalhães: na profissão e na vida

Uma jovem professora portuguesa: Marisa Magalhães, em Lausanne. swissinfo.ch

Durante cerca de quatro anos, Marisa foi professora de substituição em diversas escolas de norte a sul de Portugal. Cansada dessa precariedade, ruma para a Suíça em busca de uma vida diferente. Passado esse esforço inicial, Marisa Magalhães encontrou o seu lugar como professora primária no ensino especial, numa escola pública de Lausanne.

Em outubro de 2013 chegou à Confederação Helvética e por lá tem permanecido estes anos a trabalhar como professora, após um ano de integração no país e na profissão. A conversa com a swissinfo.ch acerca da sua experiência desenrolou-se de forma livre e espontânea.

Desde a infância que Marisa queria contribuir para uma mudança no mundo. Por esse motivo, formou-se como professora do ensino básico no Instituto Politécnico de Leiria. Como forma de investir na formação e assim aumentar as possibilidades de se empregar como professora, decidiu tirar uma pós-graduação em informática no ISLA, em Santarém. Não sendo ainda suficiente, Marisa fez as malas e foi para Coimbra a fim de frequentar o mestrado em Ensino Especial, na Escola Superior de Educação de Coimbra.

Em Portugal os professores com contrato de substituição, habitualmente, nos meses de julho e agosto, encontram-se na incerteza de encontrar colocação para o ano letivo seguinte. Marisa, em pleno verão, deu por si a pensar, “ou eu mudo de vida ou estarei a viver em casa dos pais até aos 40 anos”. Quando decidiu mudar-se para a Suíça, conversou com os familiares que já viviam na zona de Lausanne e eles acolheram-na durante os primeiros meses.

Os estágios, a burocracia e a língua

Quando chegou à Suíça, começou imediatamente a enviar o seu CV por e-mail e a “bater à porta das escolas” para que a pudessem receber a fim de realizar alguns estágios de observação de aulas. Inicialmente, as escolas mostraram alguma reticência em conceder-lhe esses estágios porque, mesmo sendo professora, Marisa falava apenas algumas palavras de francês e utilizava a língua inglesa para comunicar. Contudo, essa dificuldade inicial contribuiu para compreender o que tinha de fazer para ser professora na Suíça.

No dia em que uma criança se referiu a ela como “grande baleia”, que Marisa não compreendeu de imediato por não dominar a língua francesa, percebeu que era urgente dominar o francês. Esse momento despertou nela uma grande vontade em aprender a língua e, em apenas um ano, conseguiu obter o grau mais elevado: o C2, necessário para exercer a sua profissão. Para além de ser necessário esse diploma, teve de passar por um processo burocrático de reconhecimento de todos os seus diplomas obtidos em Portugal. Por esse motivo alerta: “professores em Portugal que queiram vir para a Suíça, saibam que há muito trabalho antes de começarem a exercer, mas nós conseguimos!”, sorri.

Ainda durante o processo de reconhecimento dos diplomas, Marisa começou a trabalhar numa fundação que seguia a pedagogia Waldorf. Quando foi contratada, apresentaram-lhe um contrato de oito anos, o que significava maior estabilidade profissional. Na opinião de Marisa Magalhães, o diálogo hierárquico no meio escolar é melhor comparativamente à sua experiência em Portugal. Na Suíça, os problemas que as escolas ou fundações têm são apresentados com clareza aos professores, existindo, normalmente, uma política de abertura. A possibilidade que encontrou, em ambas as experiências que teve, de trabalhar com equipas multidisciplinares merece destaque, “trabalhar com fisioterapeutas, terapeutas da fala, pessoas de outras áreas e também evoluir na nossa. Isso foi uma oportunidade que tive logo de repente”.

Professora do ensino especial na escola pública

Neste ano letivo 2016/2017, Marisa conseguiu uma colocação na escola pública. Contrariamente à experiência anterior, na escola pública os contratos são anuais e passam a termo indeterminado ao fim de poucos anos, numa tentativa de assegurar a formação e a qualidade do docente após esse período de experiência. Para melhorar a adaptação às rotinas contribuiu, “poder ir a pé para o trabalho, dá-me uma qualidade de vida muito grande”. A pior fase do ano é o inverno porque o “país passa muito tempo no escuro e nos primeiros anos, parece que nos faz adoecer”.

Habitualmente as aulas começam às 8h40 e terminam às 15h40. No entanto, os seus horários são um pouco mais alargados. Marisa está na escola das 7h50 até às 17h00. De momento, trabalha com uma turma reduzida de oito alunos com necessidades cognitivas especiais. De manhã, costuma dar aulas de francês e matemática, adaptadas a cada um dos alunos, aulas de educação física e até aulas de artes circenses. No período da tarde, trabalha individualmente questões relacionadas com o desenvolvimento da linguagem. Marisa sublinha que o facto de não terem de “pedinchar por material” contribui para que “o professor se sinta realizado no seu trabalho”.

Na Suíça, ser professor ainda é um trabalho reconhecido e respeitado socialmente: “talvez por estarmos no ensino especial e as crianças terem necessidades cognitivas especiais e os pais precisarem de ajuda, faça com que ainda seja reconhecido (este trabalho) “.

A imagem que os suíços (ainda) têm dos portugueses

No anterior local de trabalho, Marisa teve uma experiência multicultural maior porque eram apenas “dois ou três suíços num grupo de 100 pessoas”, ao contrário da escola onde trabalha atualmente onde os colegas de profissão são na maioria, suíços. No entanto, conta-nos que no primeiro dia de trabalho, ainda escutou um comentário depreciativo, “a portuguesinha que não vem para mulher das limpezas. Acho que devo ter sido a primeira professora ali”, recorda. Contudo, reconhece que cada vez os suíços estão a tomar consciência de que esta nova geração imigrante tem outro tipo de habilitações académicas e empregam-se em diversas áreas que exigem elevada formação. Diz, em tom de brincadeira, que a Suíça pode agradecer a Portugal porque, “Portugal gastou dinheiro na nossa formação e chegamos aqui prontinhos para trabalhar e pagar os impostos suíços”.

Durante a semana “não se passa nada”

Marisa assume que sentiu alguma dificuldade em se adaptar às rotinas quotidianas: “as lojas fecham cedo e as pessoas vão a correr para casa no final do dia para irem dormir”, dando a ideia de que após o horário de trabalho “a vida acaba”. Este fator foi algo que lhe causou estranheza pois esperava uma realidade mais cosmopolita. No entanto, acabou por se acostumar a esta forma de estar helvética, e até arranjar solução para esta diferença cultural. Marisa procura encontrar-se com amigos depois do trabalho para jantar ou para partilhar uma conversa. Ao fim de semana, tem de arranjar horas para encaixar todas as atividades sociais e culturais que surgem nos seus planos.

Marisa Magalhães admirando o castelo de Wuflens, no cantão de Vaud. swissinfo.ch

As viagens e o amanhã

Marisa Magalhães procura ter experiências diferentes, por isso arranjou um lema, “não ficar um domingo em casa sem ver nada de novo”. Gosta de viajar e ter novas experiências. Durante a sua estadia no país, tem aproveitado para conhecer as várias regiões e elege o Cantão de Ticino como a que mais gosta “pela Natureza, pelas pessoas que são mais calorosas”, diz sorridente, sem esquecer a gastronomia que faz as delícias de quem visita esta região.

A oportunidade de viajar que encontrou na Suíça é um fator que Marisa destaca. Por isso, procura organizar-se de forma a fazê-lo frequentemente. Não se sente muito presa aos sabores de Portugal mas assume que “às vezes tremoços e gelatina” têm de fazer parte do recheio à mesa. Contudo, procura experimentar sabores e saberes novos.

Neste momento, não sabe qual será o próximo destino mas, provavelmente, não será Portugal. Apesar de não querer criar raízes na Suíça, a experiência profissional que tem construído revela-se importante e pesa na hora de querer prolongar a sua estadia. Por esse motivo, Marisa Magalhães procura desfrutar ao máximo todo o tempo que passar no país helvético.

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