O suíço do estrangeiro Robert Kern poderia estar deitado em uma rede vendo o pôr-do-sol na praia. Porém o serralheiro aposentado investiu as economias e esforços na escola de formação profissional que fundou há vinte anos em Rio das Ostras. Mais de mil jovens encontraram um futuro nela. Porém a falta de apoio governamental e de um sucessor pode significar o fim do sonho.
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Alexander Thoele é de origem alemã e brasileira e ingressou na swissinfo.ch em 2002. Nascido no Rio de Janeiro, concluiu seus estudos de jornalismo e informática em Brasília e Stuttgart.
Cineasta italiano cresceu no continente africano, mas hoje considera a Suíça o seu lar. Estudou direção de cinema na Escola Nacional de Cinema Italiano, trabalhou como editor e diretor e produtor de documentários em Berlim e Viena. Hoje integra o departamento de multimídia e oferece narrativas envolventes.
Alexander Thoele e Carlo Pisani, Rio de Janeiro, swissinfo.ch
O container, com as portas parcialmente enferrujadas, está jogado nos fundos do terreno. Poderia até simbolizar um momento do Brasil. Nele estão parte das máquinas e equipamentos trazidos de DättlikonLink externo, um vilarejo localizado ao norte do aeroporto de Zurique, na Suíça, por Guido Kern. O destino era a casa do pai em Rio das OstrasLink externo, uma cidade localizada no litoral do estado do Rio de Janeiro, com belas praias e um clima ameno. “O material levou meses para chegar, ficou parado na alfândega e depois meu filho não sabe ainda se vai morar no Brasil”, conta Robert Kern, suspirando.
Reportagem produzida para o projeto #SWIontourLink externo, que enviou seis equipes a diferentes países no globo para encontrar representantes da chamada “Quinta Suíça”, os suíços do estrangeiro. Veja oos vídeos, entrevistas e imagens na página swissinfo.ch no InstagramLink externo.
Apesar dos 75 anos completados em maio, Robert está em plena forma. Nas horas livres dirige a sua motocicleta pelas trilhas dessa região litorânea. Depois de tomar o café da manhã, desce as escadas da sua casa e vai às salas de aula verificar se os alunos estão chegando pontualmente. Vez ou outra, algum pede dicas de como trabalhar nas fresadoras ou tornos, máquinas que operou a vida inteira como serralheiro na Suíça. Porém hoje ainda espera pela decisão do filho. Depois de vinte anos mantendo o seu projeto, o suíço gostaria que Guido assumisse o Centro de Aprendizado Robert KernLink externo. “O problema é que ele vê a crise se espalhando pelo país e acha os impostos abusivos”, explica.
Sem ajuda pública
Ao chegar ao país em 1996, Robert Kern apenas procurava um clima mais propício para curar os males causados por um reumatismo. Aconselhado por um amigo, descobriu Rio das Ostras. Ao começar a renovar a casa que havia comprado, percebeu a falta de mão-de-obra especializada. A razão: a maioria dos jovens na região não tem acesso à formação profissional. “No Brasil só os ricos podem pagar escolas ou faculdades”, critica. No raciocínio suíço, se o Estado não faz, você mesmo resolve. Robert passou a serralheria para o filho e trouxe uma parte do maquinário para o Brasil. Logo depois, fundou o Centro de Formação com o seu nome.
Em 2019 a escola estaria comemorando duas décadas de funcionamento. Porém Robert Kern não quis fazer festa. Desde a sua abertura, pouco mais de 1.200 jovens se formaram nos cursos anuais de soldador (três meses de duração), torneiro mecânico (quatro meses) e caldeireiro (quatro meses), um balanço considerado positivo para uma instituição que, como explica, não recebe nenhuma ajuda pública. “Todo o dinheiro vem de quatro fundações na Suíça, doadores privados e amigos de Dättlikon”, explica Maria do Carmo, 68 anos, a companheira de Robert e responsável pela administração e contabilidade. Todavia explica que o trabalho de angariar fundos é difícil. “O Robert vai todos os anos à Suíça e apresenta a cada um dos doadores os resultados da escola e fotos, mas ele está ficando velho e já não é fácil fazer essa viagem sempre.”
“Não recebo nada, nenhum prego enferrujado”, reclama Robert ao ser entrevistado pela swissinfo.ch, acrescentando que não festejará em protesto contra o prefeito e os vereadores de Rio das Ostras que, em sua opinião, “não sabem administrar a cidade”. Frente à escola, localizada em um terreno de 1.800 metros, o suíço pendurou um cartaz com letras garrafais “Esta instituição é totalmente particular. Não temos apoio de nenhum órgão público brasileiro”. Ele confessa que muitos veem o protesto como uma provocação, mas o cartaz também é uma mensagem direta à cobradores. “Existem pessoas que acham que eu sou obrigado a lhes dar uma vaga na escola, pois pensam que estamos ligados ao governo. Porém explico-lhes que somos independentes e só ajudamos jovens carentes.”
À procura de uma chance
Segundo Robert, o candidato precisa ter entre 18 e 34 anos e apresentar comprovantes de renda se quiser fazer um dos cursos oferecidos no Centro de Aprendizado. “Então analisamos se ela recebe bolsa-família, quantas pessoas vivem em casa e sua situação educacional”, acrescenta o suíço. Há muito mais candidatos do que vagas. A revelação, no final de 2014, da existência de um amplo esquema de lavagem de dinheiro e desvio de recursos na Petrobrás provocou prejuízos de 6,2 bilhões de reais e levou à uma grande crise na empresa e seus fornecedores. Próxima à Bacia de Campos, a maior província petrolífera do Brasil, Rio das Ostras depende da indústria petroleira. Porém a crise fez com que a estatal petroleira e outras empresas demitissem milhares de funcionários.
“Tenho vários diplomas, mas estava desempregado há vários meses. Um amigo meu disse que os cursos aqui eram gratuitos. Agora a minha esperança é encontrar um emprego mais qualificado”, revela Bruno Carvalho, 24 anos. Aluno do curso de torneiro mecânico, ele aprende a trabalhar com um torno de controle numérico, mais conhecido como torno “CNC”. Ao seu lado, o mestre Josenei Abreu, 76 anos, explica que a maior vantagem do curso é lidar com um sistema universal. “Você encontra essas máquinas em todas as partes do mundo”. Para o jovem brasileiro, os quatro meses passados na escola lhe darão a possibilidade de melhorar o currículo e, apesar da crise, permitir encontrar um emprego. “Meu sonho é entrar para a Petrobrás e até embarcar em uma plataforma.”
À procura de sucessor
O orçamento anual da escola é de 300 mil francos suíços. O dinheiro doado serve para pagar os professores e a manutenção. Constantemente Robert Kern compra novas máquinas para manter os cursos atualizados. Como ainda não resolveu a questão da sucessão, o suíço procura fontes de financiamento. “Não sei quanto tempo ainda consigo manter o centro, mas vou continuar a trabalhar até o possível. Meu sonho é encontrar uma organização que possa assumir meu trabalho.”
Em um dos pavilhões do centro, um cartaz pregado na parede dá dicas para os jovens alunos. “Mesmo você sendo uma pessoa sem experiência, você tem juventude e tudo o que a acompanha: vontade, entusiasmo, energia, ousadia e, principalmente, sintonia com as tecnologias atuais”. Ao lado de Robert Kern, sua esposa Maria do Carmo explica que após a conclusão dos cursos, os formandos procuram uma colocação no mercado de trabalho. Se encontram, não aparecem mais. Porém muitos ainda enviam um recado de agradecimento à escola, como foi o caso de Leandro da Silva, 40 anos. “O Robert me falou que é melhor aprender uma profissão para não ficar o resto da vida trabalhando de ajudante de obra…Eu fiz o curso de soldador e hoje consegui um emprego em uma grande empresa”. Em uma caixa, estão todos os bilhetes enviados pelos ex-alunos. Ela está cheia.
Um olhar suíço sobre as eleições federais em seis países!
Antes das eleições federais na Suíça, previstas para ocorrer em 20 de outubro de 2019, swissinfo.ch encontrou suíços do estrangeiro em seis diferentes países.
O objetivo era saber o que pensam os membros da chamada “Quinta Suíça”, que corresponde a 11% da população do país ou 760.200 pessoas.
Os jornalistas visitaram associações e clubes suíços na Alemanha, França, Itália, Brasil, Argentina e Estados Unidos, onde organizaram uma mesa-redonda para discutir temas de política e sociedade.
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