O suíço-brasileiro que ganhou ouro na capoeira
Desclassificada nas oitavas-de-final na Copa, pelo menos a Suíça pode dizer com orgulho que é campeã mundial...na capoeira. Ao conquistar a medalha de ouro em Baku, no Azerbaijão, o imigrante brasileiro e suíço naturalizado Joel de Jesus Campos chega ao cume em uma longa trilha percorrida de um bairro pobre de Cuiabá até os Alpes bernenses. Mas seus sonhos não terminam por aí.
No exterior, o Brasil tem vários cartões de visita. Jogadores como Neymar mostram a arte na bola e encantam torcedores. Músicos como Gilberto Gil dedilham no violão influências africanas e europeias e não deixam ninguém imóvel. Porém quando uma roda de capoeira se abre em uma praça de Zurique, muitos pedestres curiosos param e perguntam aos lutadores: o que vocês estão fazendo? A resposta começa na história brasileira, passa pelos ritmos e instrumentos e termina ao explicar que para dar uma “meia-lua de compasso”, o golpe de capoeira no qual é usado o calcanhar para se acertar o adversário, o capoeirista tem de estar muito bem em forma. Muitos correm depois para inscrever os filhos, ou a si próprio, nesse esporte genuinamente brasileiro.
Em seu apartamento em um bairro tranquilo e arborizado localizado às margens de Berna, Joel de Jesus Campos abre a porta e dá um sorriso para o visitante. Nos braços, o filho de um ano e meio bastante desconfiado com a inesperada visita. A malha branca de poliéster não esconde os músculos desse cuiabaense de 35 anos, também conhecido pelo nome de batismo “contra-mestre Irmãozinho”. Na mesa da cozinha está o motivo do seu orgulho: a medalha de ouro conquistada no 2º Campeonato Mundial de CapoeiraLink externo, ocorrido de 11 a 12 de maio de 2018 em Baku, no Azerbaijão, no qual ele representava o seu país de adoção, a Suíça.
Diversidade de campeonatos
Por não ser ainda um esporte estruturado, a capoeira conta com uma grande diversidade de campeonatos internacionais.
Cada campeonato tem suas próprias regras. Em uns se valoriza mais a capoeira como uma dança, com floreios, entradas e saltos. Em outras a luta é mais dura, permitindo contatos e derrubadas. Existem também campeonatos de solo ou jogo em dupla.
A Federação Mundial de CapoeiraLink externo foi criada em 2011 em Tallinn, Estônia. Dela fazem partes diversos grupos de capoeira do Brasil e tem por fim organizar campeonatos europeus e internacionais. O Campeonato Mundial de Capoeira organizado de 11 a 12 de maio de 2018 em Baku, Azerbaijão, foi o segundo.
“Foi um sonho de criança que se tornou realidade, de ver que a capoeira chegou a esse nível de organização e me tornar campeão”, afirma Joel (escutar áudio). Uma conquista que seguramente irá ajudar a promover a escola de capoeira “CandeiasLink externo“, que ele e sua esposa suíça, Denise, montaram em Steffisburg, um pequeno vilarejo localizado ao sul de Berna, próximo do lago de Thun e com vista para as mais altas montanhas dos Alpes berneneses. Na escola 40 alunos, em sua maioria crianças suíças, aprendem a luta brasileira.
Calças de saco de farinha
Assim como muitos outros capoeiristas, Joel começou a gingar ainda criança. Nascido em 1983 em Cuiabá, capital do estado de Mato Grosso, na região centro-oeste do país, ele é o mais novo de seis irmãos. Aos sete anos de idade viu um dia na rua uma roda e pediu para entrar. “O professor achou que eu tinha jeito e me ofereceu uma bolsa de estudos”, conta.
A família não tinha muitos recursos e a mãe teve de ser criativa. “Ela então costurou com um saco de farinha calças para mim e meus dois irmãos, que também entraram na capoeira”. Aos doze anos, Joel foi convidado a representar o estado nos Jogos Estudantis Brasileiros na Paraíba, onde conheceu o grupo do qual participa até hoje. “Era o CandeiasLink externo, um grupo de Goiana chefiado pelo mestre Suíno, que tinha um estilo muito próprio de se mover e uma estrutura muito profissional”.
Ao retornar para Cuiabá, o grupo onde Joel treinava se filiou ao Candeias. Aos quinze anos o jovem começou a dar aulas de capoeira nas escolas locais e quatro anos depois, surgiu a oportunidade de sair do Brasil. “Tinha um amigo em Valência, na Espanha, que me convidou para trabalhar com ele. Não foi fácil para mim escolher entre estudar ou me dedicar à capoeira, mas acabei me decidindo pelo esporte”, lembra-se.
Grande rede
Durante dez anos o cuiabano viveu na cidade espanhola, onde não apenas ensinava capoeira, mas também até dançou em grupos musicais aproveitando embalo de eventos como a Copa do Mundo. Momento ideias para apresentar a luta nas ruas. A capoeira foi se popularizando aos poucos e hoje está representada em quase todos os países do continente. “Chegamos a ter até cem alunos na escola”. Joel justifica a descoberta da capoeira através das suas qualidades educativas. “Os europeus não têm os preconceitos que temos no Brasil e assim descobriam nela não só um esporte. As crianças, por exemplo, aprendem a se desinibir. Afinal, na roda elas podem mostrar o que sabem.”
Mas como um professor de capoeira pode praticar o esporte tão distante do Brasil e não acabar “desconectado”? A resposta mostra o nível de conexão das escolas de capoeira no Brasil e suas filiais no exterior. “Meu mentor é o mestre Suíno, que viaja o mundo todo visitando as escolas em mais de vinte países, orientando e graduando alunos. No meu caso ele diz se estou preparado ou não”, revela. E foi assim que ele foi sendo promovido: da corda de preparo à contra-mestre e hoje, contra-mestre de 2º grau.
Mudança para Suíça
Com a crise na Espanha os planos de Joel mudaram. Os alunos desapareceram e a situação econômica dificultou a sua vida. Na escola em Valência o brasileiro conheceu uma aluna suíça, Danise, com quem acabou casando e teve seu primeiro filho, Joan, hoje com oito anos. Em 2011 a família decidiu se mudar para a Suíça, um país mais estável e próspero. “Fomos viver com os meus sogros em Uetendorf, um vilarejo alpino com seis mil habitantes”. Sem falar o alemão, o brasileiro não teve um começo fácil. “Não entendia as pessoas e também não encontrava trabalho, pois ninguém conhecia a capoeira. Também não tinha uma profissão ou diploma reconhecidos. E o pior era o frio e a chuva.”
Assim como no percurso de muitos imigrantes, o sucesso em um novo país depende do esforço próprio em se integrar e uma pitada de sorte. Ao se exercitar na rua com alguns gingados, uma senhora se aproximou e disse que conhecia a capoeira. “Ela tinha três filhos e disse que adoraria colocá-los em um curso para aprender a luta”. Assim Joel abriu sua primeira escola e logo já tinha oito crianças, um ano depois de ter chegado na Suíça. Porém o sonho de viver da capoeira continuou distante.
“Apesar da capoeira ser bastante reconhecida pelos suíços e muita gente praticá-la, não garante o meu sustento”, revela. Para sobreviver em um país com um alto custo de vida como a Suíça e garantir o sustento da família, Joel não foi seletivo na procura de um trabalho. “Fiz de tudo. Trabalhei como segurança, na limpeza, entrega de jornal e fiquei um bom tempo como valete em um hotel de luxo no centro de Berna”. Porém a capoeira continua sendo sua principal paixão e a realização do 2o Campeonato Mundial de Capoeira, virou um novo objetivo.
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Luta pela medalha
Enquanto dividia o tempo entre os diversos empregos e os cursos na escola de capoeira em Steffisburg, Joel treinava na beira do rio Aare, que circunda a cidade de Berna. Apesar de não ser o único campeonato internacional de capoeira (ver box), o evento em Baku tinha grande importância para ele. “Dez grandes mestres de capoeira do Brasil, inclusive o meu, e 400 atletas vindos de toda a parte do mundo estariam presentes”, lembra-se.
O capoeirista radicado na Suíça teve de suar para conquistar a sua medalha de ouro. O atleta tinha de provar em seis rodadas, com dois jogos de 45 minutos, todas as suas habilidades. Vencendo em todas, a final na sua categoria de 85 quilos ocorreu com um oponente russo. Porém o critério decisivo não era a destreza. “Não ganhava o melhor, mas sim quem fazia mais pontos, dentre eles, até derrubando o outro competidor”, diz. E o especial para Joel foi estar representando a Suíça no pódio. “Afinal, é o país onde vivo e onde luto para popularizar a capoeira.”
Mesmo apesar do futebol estar dominando as manchetes dos jornais suíça, a imprensa destacou a conquista no campeonato mundial de capoeira. “Dançando lutou até chegar ao ouroLink externo” titulou o Berner Zeitung. “Lutador bernense de capoeira ganha o mundialLink externo” escreveu o jornal gratuito 20 Minutos. A fama é motivo de orgulho para o jovem pai de família, cujo maior sonho é ter uma academia própria de capoeira e viver do esporte. Um sonho mais distante é o de participar das Olimpíadas. “Quando o esporte for reconhecido e superar todos os preconceitos que ainda são muitos fortes, especialmente no seu país de origem, o Brasil”, ressalta.
Com a medalha de ouro no pescoço para ser fotografado pelo repórter, Joel admite que o maior desafio ainda está por vir. A Suíça é um país que valoriza diplomas e onde a formação ocorre somente pelas vias oficiais. Por isso irá começar em agosto uma formação profissional de três anos como zelador, onde irá aprender tudo sobre técnica predial, manutenção e mecânica. Um certificado em mão é caminho certo para um emprego seguro em um país, onde a economia vai de vento em popa. E mesmo com todos os músculos, o brasileiro não esconde o medo: “Vou ter de melhorar o meu alemão”.
Quando surgiu a capoeira?
As primeiras influências para o surgimento da capoeira no Brasil foram as resistências dos negros que chegaram da África no período do Brasil Colônia. Os escravos usavam o esporte como elemento de defesa do corpo, mas também para preservar viva as identidades do povo africano em solo brasileiro.
A consolidação da capoeira, por exemplo, teve grande importância e influência no Quilombo de Palmares. Por conta de todo o contexto político desse quilombo, muitos chegaram a impor a pecha de que a capoeira era uma prática violenta. Infelizmente, por conta de tais opiniões, o esporte acabou sendo proibido por um extenso período. Até 1930, quando o famoso mestre Bimba executou uma bela apresentação da modalidade para o presidente Getúlio Vargas. Ali, merecidamente, o esporte passou a ser classificado como oficial no solo brasileiro.
Hoje, muito se fala em “jogos de capoeira” ou “rodas de capoeira”. É que normalmente o movimento, nesses espaços, apenas simula o ataque, a esquiva e as defesas entre dois jogadores. O objetivo da “partida” é mostrar que é possível tornar-se superior em aspectos de habilidade, força e autoconfiança. No aspecto artístico, a capoeira é conhecida por fazer com que os jogadores aprendam bastante sobre o famoso gingado do capoeirista. Mas, o que seria a ginga? Trata-se do movimento do corpo em ritmos diferentes, sempre com relaxamento e deslocamentos para o centro do corpo. O jogador se mantém alerta para ataques e esquivas. (fonte: ColegiowebLink externo)
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