O oásis suíço no meio da selva de pedra
O Clube Helvetia surgiu como um espaço de convívio de imigrantes suíços nos anos 1920. Hoje reúne brasileiros e estrangeiros em quadras e piscinas no coração de São Paulo. Se o esporte é a unanimidade, seus membros se mostram bastante "neutros" na escolha da seleção preferida: os suíços também “terão uma chance” na Copa do Mundo.
A fotografia aérea no Google Earth mostra que o quadrilátero é quase uma pequena mancha verde em um bairro densamente urbanizado na zona sul de São Paulo, cortado por grandes avenidas e outras vias de acesso, onde engarrafamentos são comuns nos horários de pique. “Clube Helvetia” está escrito com letras em alumínio escovado bem na entrada do espaço, indicando-se que se trata de uma associação esportiva. Um grupo de pessoas com raquetes de tênis nas mochilas e trajando roupas brancas se despede antes de entrar nos veículos.
Ao atravessar o portão e caminhar até a recepção, o visitante deixa de escutar o ruído dos carros e chega a uma sala com grandes cartazes exibindo imagens de paisagens cobertas de neves, cães puxando trenós e do Matterhorn, a mais famosa montanha da Suíça, que inclusive ilustra também a embalagem de um conhecido chocolate. “O clube é um oásis no meio de um mundo de prédios aqui de São Paulo”, saúda Alexandre Bossolani, presidente do clube, e convida a entrar.
Um lance de vista faz descobrir duas piscinas hexagonais, uma grande e outra pequena, cercadas por gramados e ladeadas de palmeiras, arbustos e outras árvores. Mais um paraíso tropical do que cenário alpino. “Aqui você se sente como se estivesse em uma grande família”, conta Alexandre, lembrando que o clube tem mais de 400 famílias associadas. “As crianças ficam soltas no gramado, as mães ficam despreocupadas e até os porteiros conhecem todos por nome como se fosse na Europa.”
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O terreno é grande. São mais de vinte mil metros quadrados abrigando gramados, seis quadras de tênis, quadra de futebol society, um ginásio poliesportivo, uma academia de fitness, sala de jogos, creche para crianças, um salão de festas batizado de “Maison Suisse” e o restaurante “Helvetia”. Toda a infraestrutura procura atender as necessidades dos paulistanos, uma população que nas horas de lazer carece de espaços para praticar esportes, curtir o sol ou simplesmente reunir a família. Não é a toa que o Sindicato dos Clubes Esportivos do Estado de São Paulo (Sindiclube) tenha mais de três mil clubes associados. E sua importância para o esporte no país não é de se desprezar: oito em cada dez atletas competitivos começam suas práticas em agremiações privadas, revelou uma pesquisa da Confederação Brasileira de Clubes.
“Seria muito bom se o Roger Federer jogasse algum dia nelas”, suspira Alexandre, apontando para uma quadra de tênis de saibro e um detalhe ao lado da numeração: o brasão de Vaud. “Todas as quadras foram batizadas com o nome de um cantão (estado) suíço”. Alguns minutos mais tarde, o presidente exibe com orgulho o troféu do Campeonato Paulista Interclubes de 2013, onde está indicado que tenistas do Clube Helvetia foram campeões na categoria principiante masculino de 15 a 34 anos e vice-campeão em três outras categorias. “O tênis é realmente o nosso forte”.
A motivação é tanta que Alexandre chegou a contatar o cônsul-geral da Suíça em São Paulo para oferecer as instalações do clube à equipe que disputará os Jogos Olímpicos, previstos para ocorrer no Rio de Janeiro em 2016. “Nós colocaríamos a disposição não apenas as quadras de tênias, mas também o ginásio para as equipes de vôlei e basquete”, reforça esperançoso o empresário. Enquanto o sonho não se concretiza, pelo menos a Copa do Mundo estará presente nos espaços do clube através de telões. “Especialmente quando a seleção suíça estiver jogando.”
Laços com o pais dos imigrantes
Assim como outros clubes na maior cidade brasileira, a criação do Clube Helvetia também estava vinculado à preservação da cultura do imigrante. Os centenários Pinheiros, Esperia e Clube Atlético São Paulo (Spac) foram fundados, respectivamente, por alemães, italianos e ingleses. Já o Clube Helvetia surgiu por uma iniciativa de imigrantes suíços.
Foi quando membros da Sociedade Suíça de Beneficência decidiram comprar, em 1921, um terreno de 23 mil metros quadrados no bairro de Indianópolis para construir um sanatório. Na época a região ainda era bucólica, com algumas poucas casas e muitos espaços verdes. A sensação de estar integrado ao país de acolho era tanta, que um ano depois os suíços colocaram no terreno um monumento para homenagear o centenário da independência do Brasil.
A ideia do sanatório não se concretizou e os suíços e suas famílias passaram a utilizar o terreno para fazer piqueniques nos finais de semana. Os adeptos do tênis melhoraram a infraestrutura através da construção de duas quadras e um poço artesiano. Alguns anos depois, os custos crescentes e exigências fiscais levaram a Sociedade Suíça de Beneficência a criar um clube, também aberto aos brasileiros e outros interessados. Nele os associados poderiam praticar esportes e, ao mesmo tempo, ajudar a manter as atividades filantrópicas. Em 23 de março de 1962, trezentos associados suíços reuniram-se e oficializaram a criação do Clube Esportivo Helvetia.
Hoje com 1.800 associados, o clube destina 30% da sua renda a um asilo em Campo Limpo Paulista, onde vivem atualmente vinte e um idosos, em grande parte suíços.
Gastronomia helvética
Mas a única ligação com o país dos pioneiros não se resume a filantropia. Com a sua decoração interior e o teto em madeira, o Restaurante Helvetia poderia lembrar facilmente um típico “Beiz”, os bares populares na capital Berna ou em outros vilarejos suíços, no 1° de agosto, o dia nacional. Uma das paredes apresenta todos brasoes dos 26 cantões. Bandeirinhas vermelhas com a cruz branca estão penduradas acima do balcão do bar. E ao lado dos cartazes turísticos surge até um relógio de parede, obviamente da marca Victorinox, a mesma que fabrica o famoso canivete.
“Somos os únicos aqui em São Paulo a fazer fondue com queijo e o raclette tradicional”, declara orgulhoso com forte sotaque francês o gerente do restaurante, Claude Michel, um suíço originário de Lausanne que já vive ha trinta e cinco anos no Brasil. Porém o cardápio também se adapta ao gosto local, como mostram os pratos servidos ao meio-dia para clientes externos, em grande parte funcionários das empresas locais ou associados: bacalhau ao forno, peixe à dorê e casquinha de siri.
Ao seu lado, outro antigo sócio do Clube Helvetia se apresenta como um exemplo da mistura cultural que, afinal, é a receita do Brasil. Lambert Carnello nasceu na Itália, cresceu em Lausanne e vive há 38 anos no Brasil. “Fui enviado por uma multinacional para trabalhar no setor de energia para um contrato de dois anos, que passou para dez e depois acabei montando a minha própria empresa. Afinal, com esposa e filhos, fiquei por aqui, o que foi uma boa decisão”, conta com um sorriso na boca.
Questionados sobre as chances da Suíça de emplacar uma boa colocação na Copa do Mundo – ou até mesmo a vitória – os três sócios riem, se entreolham e terminam escolhendo Lambert para fazer a avaliação futebolística. “Eles me escolheram, pois fui jogador de um time em Lausanne. Além disso, também acompanho bastante o futebol helvético. Sim, acho que a Suíça tem boas chances, especialmente pelo fato do seu grupo não ser tão difícil. Porém a situação deve ser complicar a partir das oitava de final”, considera o ítalo-suíço. Lembrado que a seleção helvética é hoje quase toda formada por jovens de origem estrangeira, Lambert se abre. “De fato, a diferença é que a nossa seleção melhorou muito desde então”.
Ano de fundação: 1962
Número de associados: 1.800
Infraestrutura: 6 quadras de tênis, 2 quadras de tênis infantil, ginásio poliesportivo, quadra de futebol society, duas piscinas, academia de ginástica, salas para snooker e jogos, brinquedoteca, fraldário, lanchonete, teatro, departamento médico, sala de eventos, restaurante e local de eventos.
Endereço: Av. Indianópolis, 3.175 – Planalto Paulista – São Paulo SP
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