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Iniciação sexual é tabu para migrantes*

Menina buscando produto em prateleira
Muitas familias de migrantes têm dificuldades de abordar o tema da sexualidade quando suas filhas chegam à adolescência. swissinfo.ch

Iniciação sexual dos filhos é desafio para pais migrantes. Existem muitas diferenças culturais entre sociedades brasileira e suíça com relação à manutenção da virgindade, permissão de sexo em casa e tabus. Migrantes brasileiros na Suíça contam como vivem a questão.

Eis que chega aquele momento que muitos pais temem: as crianças crescem, os hormônios afloram e seus filhos entram em um relacionamento e querem trazer o parceiro ou parceira para dormir no mesmo teto da família, em um quarto que fica a poucos metros do seu. A situação se complica quando os progenitores migrantes vêm de uma realidade conservadora, mas vivem em um país mais liberal e multicultural.

A Suíça é um caldeirão nesse quesito: exemplo de sociedade mais permissiva, onde a iniciação sexual se dá, em geral, naturalmente com o consentimento familiar e muitas vezes dentro de casa, tem 25% da população estrangeira, com nacionalidades que chegam com costumes totalmente diferentes em relação ao tema. Na sociedade helvética, é considerado normal o hábito de inúmeros casais viverem juntos e nem sempre formalizarem a união com casamento.

A questão da sexualidade foi abordada no levantamento feito por universidades e órgãos suíços e compilados no documento elaborado pela Comissão Federal Suíça para Crianças e Mulheres Jovens em 2009. Naquela época, o número de crianças e adolescentes sem passaporte suíço com idade entre 0 e 19 anos já representavam 22% da população total de jovens, dado que já mostrava a delicadeza do tema em uma sociedade tão plural. 

Suíços começam aos 16 anos – Como as mudanças na sociedade afetaram a vida sexual dos jovens suíços? Esta questão foi investigada por pesquisadores dos hospitais universitáriosLink externo de Zurique e Lausanne, em uma pesquisa que envolveu 7142 jovens adultos com idades entre 24 e 26 anos.

Os entrevistados tiveram seu primeiro contato sexual com pouco menos de 17 anos em média. A maioria (93%) evitou a gravidez com preservativo. Apesar disso, cerca de um em cada dez entrevistados tinha uma doença sexualmente transmissível, principalmente a clamídia. Quase metade (45%) já fez o teste de HIV.

Brasileiros começam aos 13 anos – Segundo a pesquisa “Durex Global Sex Survey”, no Brasil, os jovens perdem a virgindade aos 13 anos, em média. A pesquisa, publicada em várias mídias nacionaisLink externo, foi realizada em 2012 por uma marca de preservativos e abrangeu 37 países. E não é só por aqui. Na Austrália e nos Estados Unidos, a média de idade é a mesma. Os países com a menor idade para a primeira relação -12 anos – foram México, Áustria e Alemanha.

Como fazer em outro país?

Tem-se aí um dilema. Se for olhada somente sob a ótica brasileira e portuguesa, o tema pode ser restringido a gerações que foram criadas fazendo sexo escondido dos pais ou educadas para se manterem intactas até o dia do casamento, por exemplo. Entretanto, os tempos são outros e o ambiente distinto.

Então, fica a pergunta: o que fazer quando se cria filhos em outro lugar? Liberar a casa, apesar do constrangimento e contrariedade, mas pelo menos mantém um certo controle da situação? Ou nega e corre o risco de ter seu filho ou filha exposto em estacionamentos escuros e a outros perigos? É assim, porque na Suíça não há motéis. Isso sem falar no choque cultural e geracional e na quebra de confiança na relação familiar. A sexóloga brasileira Solange Ormos BoteLink externo, que atende em Vevey e Sion, conta sua experiência no consultório: “quando há a proibição, eles realizam o ato sexual em parques, florestas, em carros, casa de amigos ou na casa do parceiro, chalés, onde conseguirem. São muito criativos”.

O tema é polêmico, envolve crenças religiosas, identidade, mitos como o da virgindade, diferenças culturais e conceitos sobre sexualidade, saúde, diferença de gênero, cuidado com o corpo e integração na nova sociedade, além de outros. As sexólogas brasileiras ouvidas pela swissinfo.ch – Taís Mundo e Solange Ormos Bote, que trabalham na Suíça – têm a mesma opinião: é difícil apontar uma só resposta, cada caso tem suas peculiaridades e as famílias são diferentes. Entretanto, Mundo e Bote reiteram: educação e prevenção é essencial. Não se pode economizar em informação.

Foto de mulher
Solange Bote: “….quando há a proibição, eles realizam o ato sexual em parques, florestas, em carros, casa de amigos ou na casa do parceiro, chalés, onde conseguirem. São muito criativos…” swissinfo.ch

A socióloga Jael Bueno reconhece a importância da pauta e confirma que há ainda poucos estudos a respeito. Com a pesquisa intitulada “Jovens e sexualidade no campo da tensão das culturas”, publicada também no mesmo estudo da Comissão, a socióloga diz que escrever sobre adolescentes de origem migratória e sexualidade na Suíça levanta questões sobre a construção da identidade desses jovens, especialmente sobre a formação de sua individualidade sexual.

De acordo com ela, a sexualidade é uma construção social que se manifesta em uma variedade de comportamentos e atitudes. No contexto da migração, é determinada pelas normas sociais locais e requer etapas de aprendizado diferenciadas. “Os jovens que pertencem a grupos minoritários na Suíça são confrontados com esses conflitos em suas vidas cotidianas”, diz no texto.

Diferenças culturais

O assunto virgindade antes do casamento não tem tanta importância na Suíça quanto em países da América Latina. De acordo com o Órgão de Estatística Suíça de 2017, 77% de mulheres e homens com idades entre 18 e 80 anos têm um parceiro. No corte etário, com foco em jovens entre 18 a 24 anos, apenas 30% são casados, o restante vive em parceria consensual, o que significa morar junto sem oficializar a união. Os números não focam no tema em si, porque praticamente todo mundo é adepto do “test drive” antes de se casar, caindo por terra a ideia de castidade pré-marital.

Para o suíço Remo Müller, casado com uma baiana, foi difícil entender que não poderia viver com a namorada antes de assinar os papéis. “Pior ainda era vê-la mentir para os pais dizendo que havia dormido na casa da amiga, quando tinha passado a noite comigo”.

Em casais binacionais, o tema pode ser gerador de conflito. A mineira *Marcia, casada há mais de 15 anos com um suíço e mãe de dois filhos pequenos, levou um susto com a proposta arquitetônica do marido no projeto da casa da família. “Ele fez questão de incluir um banheiro para cada criança. O objetivo é que o menino e a menina tivessem no futuro mais liberdade de dormir com seus parceiros. Fiquei chocada na época, nunca tinha conversado com meus pais, que são brasileiros, tão abertamente sobre esse assunto. Permiti as suítes, mas confesso que até hoje me sinto desconfortável com a possibilidade”, explica.

Mas não se engane. A postura conservadora em relação ao sexo não está restrita ao Brasil. Medos e dúvidas também acometem pais suíços e migrantes de outras culturas que vivem no país.

Apesar de mais liberais, muitos pais suíços têm dúvidas sobre o que fazer. Em um artigo publicadoLink externo no jornal Coop de maio deste ano, a blogueira Nadja Zimmermann responde a uma mãe que se diz incomodada com o fato da filha de 14 anos querer que o namorado durma em casa. Com o título de “Não embaixo do nosso teto”, a escritora avalia a situação sob vários ângulos. Entre as recomendações, Zimmermann aconselha que proibições incentivam “fazer às escondidas”. A escritora sugere diálogo verdadeiro, em que as duas partes se escutem, se respeitem e tenham espaço para colocar seus medos e angústias.

Diante do enorme emaranhado cultural e dos poucos estudos que mapeiam esse fenômeno no país, abre-se espaço para questões mais complexas: se forem incluídos costumes de povos árabes e outros grupos tão distintos na discussão da sexualidade dos filhos de migrantes, como lidar com os casamentos indicados por famílias, por exemplo?

A entrevistada gaúcha Ana Maria* relatou que a filha de 18 anos tem um namorado do Kosovo, que é muçulmano e não teria permissão de namorar alguém fora da religião dele. Isso aqui na Suíça. Ana conta que ele mente para os pais, diz que vai dormir na casa dos amigos, e na verdade passa a noite com a menina brasileira. A preocupação, nesse caso, vai além de ter relações sexuais embaixo do mesmo teto. O recado que fica é: ao viver em um país com população tão diversa, é bom refletir de antemão sobre o assunto e quem sabe, procurar ajuda especializada.

“Minha Casa não é motel”

Para saber a opinião das mães conterrâneas que vivem na Suíça, a swissinfo.ch elaborou uma sondagem em 2019 e publicou no grupo Brasileiras na Suíça, do Facebook, a pergunta: Vocês deixariam seu filho/filha dormir com namorado/a em casa? Como é a expectativa com relação à iniciação sexual dos filhos? O questionamento foi comentado por 85 mulheres, migrantes que vivem no país. Das 48 que quiseram relatar seu pensamento, 34 se disseram a favor de liberar a casa para o namoro, dez foram totalmente contra e quatro não saberiam o que fazer.

Ainda que a maioria tenha defendido a ideia, o que era esperado já que vivem em uma sociedade mais liberal e a assimilação cultural não deve ser desprezada, algumas opiniões dão uma pequena amostra de uma sociedade ainda claudicante em assuntos tabus como o sexo.

Uma das respondentes afirmou que “sua casa não é motel”, máxima válida tanto para visitas quanto para filhos. Há pessoas que justificam a proibição devido à religião e há quem negue o direito às filhas mulheres; a liberação só seria válida para os homens. E há quem ache a ideia ótima, que é hipocrisia fingir que os jovens não façam sexo. Uma das entrevistadas relatou que até preparou o quarto para a filha perder a virgindade.

Duas mulheres
Anelise Freitas com a sua filha no dia do casamento. (foto privada)

Sonia Araújo, que participou da enquete, conta que em um sábado qualquer, foi surpreendida pelo questionamento do filho, na época com 16 anos, se poderia dormir com a namorada em casa.

– Eu nem sabia que ele já tinha relações sexuais. A menina era bem jovem, devia ter uns 15 anos. Perguntei ao meu marido, que disse sim. Por mim também não havia problema algum. Só relembrei sobre a proteção para evitar gravidez indesejada e doença – conta a cearense, que diz ter sido criada sem essa liberdade. Sua primeira providência após o acontecido foi sempre reabastecer o quarto do filho com preservativos. “Melhor em casa do que na rua. Ele tinha o quarto dele, não atrapalhava a gente”.

Já a carioca Anelise Freitas vive a dualidade de querer ser o mais aberta possível com os filhos mas não ter vontade de ver a filha, na época adolescente (hoje com 25 anos), trazer namorado para dormir em sua casa. “Graças a Deus ela nunca perguntou sobre a possibilidade. Ela saiu de casa aos 21 para estudar e teve mais liberdade então. Mas se ela tivesse me abordado nesse sentido, eu teria negado. Não é por querer levantar a bandeira da virgindade, mas por eu não me sentir bem em ter um rapaz estranho na minha casa dormindo com minha filha. O mesmo vale para o filho quando quiser trazer alguém”.

*Alguns nomes foram modificados a pedido dos entrevistados

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