Crianças que cuidam de doentes em casa enfrentam vários obstáculos
Quando um dos pais ou familiares adoecem, as crianças podem se ver obrigadas a assumir os cuidados médicos necessários. As primeiras estatísticas sobre a situação na Suíça indicam que quase 8% das crianças entre 10 e 15 anos desempenha esse papel de jovens assistentes sociais, um número muito maior do que se imaginava.
Ter um dos pais, um irmão ou um dos avós com câncer ou sofrendo de depressão pode mudar dramaticamente a vida de algumas crianças. Elas podem ter que assumir os cuidados suplementares, as tarefas do lar e do cuidado de outras crianças; elas podem até ter que administrar medicamentos ou soros intravenosos.
Muitas vezes, os jovens assistentes ou cuidadores permanecem em silencio sobre sua situação, diz Agnes LeuLink externo, chefe do programa Jovens Assistentes da Careum ResearchLink externo, o instituto do Departamento de Ciência da Saúde da Universidade Kalaidos de Ciência Aplicada em Zurique.
O plano de ação do governo
O governo suíço aprovou um “Plano de Ação para o Apoio e Desencargo de Familiares Prestando CuidadosLink externo” como parte de suas prioridades delineadas no plano “Saúde2020”.
O porta-voz da Secretaria Federal de Saúde PúblicaLink externo, Daniel Dauwalder, disse que o governo estava ciente da questão dos jovens cuidadores e lançou um grande programa científicoLink externo abrangendo cuidadores adultos e juvenis. “Um estudo analisa a necessidade de apoio a jovens cuidadores em geral, mas também em relação a seu local de trabalho. Neste estudo pessoas de 9 anos em diante (ou seja, crianças) são perguntadas sobre suas necessidades. Até o momento, um estudo preliminar foi realizado”, disse ele à swissinfo.ch via e-mail.
Leu diz que se deve fazer mais para ajudar os jovens cuidadores que, embora constem do plano de ação do governo, têm menos ênfase do que cuidadores adultos. Estabelecer uma organização de âmbito nacional para jovens cuidadores também é uma prioridade, haja vista que a Suíça é um dos poucos países sem tal instituição.
“Para mim, é como um tema oculto: os jovens escondem sua atividade porque eles não querem que todo mundo saiba. Ou seus pais ou a pessoas que estão a seus cuidados não querem que eles falem a respeito”, disse Leu à swissinfo.ch.
Leu e sua equipe puderam pela primeira vez lançar luzes na extensão do problema na Suíça. Um levantamento nacional de crianças com idades entre 10 e 15 anos realizado em 230 escolas mostrou que quase 8% das 4.800 crianças entrevistadas prestavam assistência no lar. Os resultados surpreenderam a Leu. Com base nos resultados de pesquisas feitas em outros países, Leu havia partido do pressuposto que o número de crianças afetadas na Suíça seria similar, ou seja, entre 4% e 5%.
Até no Reino Unido, o reconhecido líder mundial nos estudosLink externo sobre assistentes juvenis já há quase 30 anos, a percentagem ficou entre 2% e 4% para jovens abaixo dos 18 anos de idade.
Dentre estes 8%, a ausência de uma diferença entre os sexos também foi inesperada: 9% sendo meninas e 6,6% meninos. Cuidadores mais maduros tendem a ser majoritariamente do sexo feminino.
“Isto mostra que em se tratando de jovens, pouco importa se eles são garotos ou meninas. Se uma família tem de uma a quatro crianças, na maioria das vezes a criança mais velha vai assumir a tarefa de cuidar dos familiares”, comentou a professora.
Reações
As entrevistas feitas durante o levantamento sublinham as muitas dificuldades enfrentadas pelos jovens cuidadores. Giulia tinha 16 anos quando sua mãe foi diagnosticada com câncer. Ela diz que alguns de seus amigos não compreenderam a razão dela ter que ficar mais tempo com os pais, ou porque ela tinha que evitar adoecer, o que a impediria de visitar sua mãe. Ela diz ter sentido falta de compreensão também por parte dos adultos.
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Gaétan Girardin, ex-cuidador
A mãe de Gaétan Girardin sofreu uma doença mental. Para ele, grupos de apoio teriam sido úteis.
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Giulia, jovem cuidadora
Frequentemente crianças assumem o papel de cuidadores devido à ausência de outros membros da família, amigos ou porque cuidados profissionais são demasiado caros. Mas eles também querem cuidar por se tratar de pessoas amadas, diz Leu. Eles não veem isso propriamente como um fardo; na verdade, cerca de um terço dos jovens assistentes entrevistados disse que esse era um fardo leve ou moderado, enquanto 22% disseram que era pesado, e 16% pesadíssimo.
Eles disseram achar ser mais difícil alcançar os mesmos resultados que seus colegas, por exemplo, na escola, o que é muito importante para muitos dos jovens cuidadores. A escola lhes permite terem uma pausa em suas obrigações como cuidadores, mas encontrar o tempo para deveres de casa frequentemente requer muito mais organização.
Os profissionais
Leu e sua equipe também conduziram uma segunda pesquisa de âmbito nacional com cerca de 3.500 profissionais de educação, acompanhamento médico e assistência social com vistas a estabelecer seu nível de conscientização sobre os jovens cuidadores. O estudo mostrou que muitos ainda não têm conhecimento suficientemente sobre o tema. Mas uma vez que o conceito foi explicado detalhadamente, 40% dos profissionais questionados disseram já ter encontrado jovens cuidadores.
Em muitos casos, crianças só foram notadas pelos professores por terem apresentado problemas como a fatiga. Profissionais disseram ter interesse em mais informação e treinamento para melhor identificar e ajudar jovens cuidadores mais cedo.
Para Leu, os resultados de ambos os levantamentos marcam um importante primeiro passo na conscientização sobre a situação na Suíça. A pesquisa continuará concentrando-se no tipo de apoio necessário sendo que os resultados serão publicados no próximo ano.
Comparação internacional
A professora Leu e seu colega britânico Saul Becker realizaram um estudo comparativo internacionalLink externo sobre conscientização e políticas públicas em relação a jovens cuidadores.
No estudo, o Reino Unido foi o único país considerado “avançado” em termos de conscientização, pesquisa, políticas públicas e prática em relação aos jovens cuidadores. Em seguida vieram Austrália, Noruega e Suécia com nível “intermediário”, enquanto a Nova Zelândia, Áustria e Alemanha foram considerados como tendo nível “preliminar”. A Suíça foi classificada entre os países ditos “emergentes” em termos de conscientização e pesquisa juntamente com os Estados Unidos, Países Baixos, África subsaariana, Itália, Irlanda e Bélgica. Por fim, França, Finlândia, Grécia e Emirados Árabes Unidos foram classificados como pertencendo ao grupo de países onde há um “despertar” para a questão.
Adaptação: Danilo v.Sperling
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