Vamos rir juntos, por princípio
Os trágicos acontecimentos de Paris nos emocionaram e provocaram muitas questões. Nosso mais sincero pesar às famílias e amigos das vítimas. Enquanto choramos, indignados, a morte dos chargistas e do policial abatidos a tiros em um assassinato premeditado, devemos refletir sobre o que significa a liberdade e que papel tem o humor.
Por Daniel Warner
Muitas perguntas estão sendo colocadas acerca do islã e de sua relação com a violência. E para além do espectro político, questiona-se a relação de causa e efeito entre ensinar o Alcorão e a violência. Existe algo inerente ao islã que incentiva os jihadistas? Há algo especial nessa religião monoteísta que a diferencie realmente do cristianismo ou do judaísmo. Não é fácil responder a nenhuma dessas perguntas, que também caberiam às Cruzadas Cristãs na Idade Média ou, mais recentemente, quando os colonos judeus recuperaram o que assumiam com Terra Santa.
Muitas perguntas estão sendo colocadas acerca do islã e de sua relação com a violência. E para além do espectro político, questiona-se a relação de causa e efeito entre ensinar o Alcorão e a violência. Existe algo inerente ao islã que incentiva os jihadistas? Há algo especial nessa religião monoteísta que a diferencie realmente do cristianismo ou do judaísmo. Não é fácil responder a nenhuma dessas perguntas, que também caberiam às Cruzadas Cristãs na Idade Média ou, mais recentemente, quando os colonos judeus recuperaram o que assumiam com Terra Santa.
Os fundamentalistas “iluminados” constituíam uma raça especial. O exemplo clássico é o de Martin Luther. Michael Oakshott o descreveu assim: “Se entende a si mesmo como um mensageiro de Deus, alguém que foi iluminado de cima, que se absolve de toda responsabilidade de suas atividades e expressões … Renunciou ao caráter de ser humano e está fora da conversação da humanidade. É um anjo ou um lunático.”
Essa “conversação da humanidade” é muito complexa. Termos como liberdade não são absolutos. Atenta contra a lei de gritar fogo em uma sala de cinema repleta de gente. Não se pode jurar em falsidade nem se deve difamar. Dentro da “conversação da humanidade”, sempre existem limites legais, políticos e sociais.
O humor é uma parte dessa conversação. Como escreveu Patrick Chappatte na charge que publicou no International New York Times de 8 de janeiro, dedicada “à memória de Cabu, Wolinski, Charb e Tignous”: “Sen humor, estamos todos mortos.”
Com humor portanto nos mantemos vivos. Desfrutamos conviver com gente que faz piadas. Gostamos de rir com os outros. E como disse o cientista político William E. Connoly (em uma de minhas frases favoritas): “Vamos a rir juntos, por princípio”. (Os heróis de Genebra imortalizados no Muro da Reforma parecem tudo, menos alegres).
Daniel Warner é diretor adjunto de Relações Internacionais no Centro de Controle Democrático das Forças ArmadasLink externo (DCAF), em Genebra, desde 2011, depois de uma longa carreira no Instituto de Altos Estudos Internacionais de Genebra. Warner também é professor na Academia Diplomática da Ucrânia, com sede em Kiev.
Porém as piadas também devem ser circunscritas. Devem ser apropriadas à audiência que as recebe o à ocasião em que são contadas. Do contrário não são engraçadas. Lembro de Lenny Bruce gritando “negro!” em um teatro de Nova York no final dos anos 1960. Sua intenção não era ser engraçado, mas atrair a atenção do público – que incluía afro-americanos – sobre tabus e inibições, para o que era apropriado.
Os chargistas de Charlie Hebdo são provocadores. Movem-se na estreita linha que separa a sátira da provocação e da vulgaridade e, de vez em quando, combinam as três. Quando desacreditam figuras religiosas não estão gritando “fogo!” em um teatro abarrotado, porém estão acendendo a mecha de um explosivo. O que para uma pessoa é uma piada, para outra é um insulto. Inclusive no jogo conhecido como ‘Dozens’ em que os participantes trocam insultos, há regras, mesmo se xingar a mãe de um dos jogadores também faça parte das ações previstas. Esse jogo é muito popular em alguns bairros nos Estados Unidos, porém é mal aceito em outras latitudes.
Ponto de vista
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Porém as piadas também devem ser circunscritas. Devem ser apropriadas à audiência que as recebe o à ocasião em que são contadas. Do contrário não são engraçadas. Lembro de Lenny Bruce gritando “negro!” em um teatro de Nova York no final dos anos 1960. Sua intenção não era ser engraçado, mas atrair a atenção do público – que incluía afro-americanos – sobre tabus e inibições, para o que era apropriado.
Os chargistas de Charlie Hebdo são provocadores. Movem-se na estreita linha que separa a sátira da provocação e da vulgaridade e, de vez em quando, combinam as três. Quando desacreditam figuras religiosas não estão gritando “fogo!” em um teatro abarrotado, porém estão acendendo a mecha de um explosivo. O que para uma pessoa é uma piada, para outra é um insulto. Inclusive no jogo conhecido como ‘Dozens’ em que os participantes trocam insultos, há regras, mesmo se xingar a mãe de um dos jogadores também faça parte das ações previstas. Esse jogo é muito popular em alguns bairros nos Estados Unidos, porém é mal aceito em outras latitudes.
Não existem regras internacionais para o humor como há para a liberdade. A escravidão foi abolida formalmente, porém a pena de morte ainda existe. Temas como a idade mínima legal das crianças soldados são objeto de debates duros. As distintas culturas têm diferentes hábitos e definições sobre o que significa ser civilizado. Esta é a razão de ser de disciplinas como a antropologia e a sociologia.
“Vamos rir juntos, por princípio”, significa, portanto, que todos devemos no dar conta da importância de rir. Minha única esperança é que sejam engraçadas as mesmas piadas ou situações. E se não, que sejamos capazes pelo menos de não reagir violentamente ao que não nos seja engraçado. Se “sem humor estamos todos mortos”, então todos devemos tentar encontra-lo e ser tolerantes com quem tem um senso de humor diferente do nosso. Isso é o que significa ser parte da “conversação da humanidade”. Os assassinos não são parte dela e os fundamentalistas violentos nem por isso tornam-se anjos.
Adaptação: Claudinê Gonçalves
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