The Swiss voice in the world since 1935

“A Suíça me formou, o Brasil deu oportunidades”

dois homens
"Pedro" Häfeli, à direita, e Urs Angst — o dono do frigorífico que, décadas depois, ainda é amigo e anfitrião. SWI swissinfo.ch/Fernando Hirschy

Em Zurique, o empresário suíço-brasileiro Hanspeter Häfeli reuniu conterrâneos na cantina onde iniciou sua vida profissional. Hoje delegado da Organização dos Suíços no Exterior, ele quer inspirar jovens a repetir seu caminho — com os pés na Suíça e o coração dividido.

Assine AQUI a nossa newsletter sobre o que a imprensa suíça escreve sobre o Brasil, Portugal e a África lusófona.

Sentado à mesa de madeira da cantina Metzgerei Angst, em Zurique, Hanspeter Häfeli fala com entusiasmo e sotaque brasileiro marcado sobre o país que escolheu como casa há mais de meio século. Foi ali mesmo, no número 61 da Herdernstrasse, que ele começou sua vida profissional assim que terminou seu aprendizado de açougueiro, contratado por Urs Angst — o dono do frigorífico que, décadas depois, ainda é amigo e anfitrião. 

“Esse foi meu primeiro e último patrão na Suíça”, conta Hanspeter, também conhecido como Pedro no Brasil, onde hoje dirige a Berna, uma das principais empresas de embutidos e carnes frias do país. 

Em 5 de abril, Pedro organizou um encontro informal de suíços-brasileiros na cantina do antigo frigorífico. Cerca de 30 pessoas compareceram ao evento. A motivação? “Quis juntar a comunidade para trocar ideias, conversar sobre o Brasil e a Suíça, e criar pontes entre quem está aqui e quem vive lá.” 

Formação suíça para jovens do Brasil: sonho e obstáculos 

Uma das ideias que mais entusiasma Hanspeter Häfeli atualmente é a de criar oportunidades para que jovens suíços-brasileiros venham à Suíça realizar uma formação profissional. A motivação é tanto pessoal quanto institucional. Como delegado da Organização dos Suíços no Exterior (OSE) para o Brasil, ele conhece de perto as carências e os potenciais dessa nova geração binacional. 

“Seria uma grande chance para esses jovens conhecerem suas raízes, aprenderem uma profissão com a qualidade suíça e depois voltarem ao Brasil com essa bagagem”, diz. Para Häfeli, que construiu sua carreira em cima da formação profissional suíça, a valorização do ensino técnico é um pilar do desenvolvimento. 

imagem
O estande da Berna em uma feira de negócios no Brasil. Cortesia

Mas ele também não esconde as dificuldades. “O sistema de formação profissional na Suíça é muito bom, mas é complicado para alguém que vem de fora”, explica. Além da barreira do idioma — muitos jovens já são de segunda ou terceira geração e não falam alemão, nem francês —, há a questão do reconhecimento de diplomas brasileiros e da adaptação cultural.  

“Tem muitos jovens brasileiros com passaporte suíço que não têm mais contato com ninguém aqui”, diz. “São filhos ou netos de imigrantes, de segunda ou terceira geração, e vêm para a Suíça em busca de uma formação. Mas muitos se sentem muito solitários aqui.” 

Segundo ele, um dos principais objetivos do encontro foi criar uma rede informal de apoio para esses jovens. “A língua é uma dificuldade, o dinheiro também. Mas o que pega mesmo é a solidão”, afirma. “E não é qualquer site que vai resolver isso. Às vezes, tudo o que uma mãe brasileira quer, antes de liberar o filho, é conversar com alguém que fale a mesma língua.” 

Para Pedro, esse contato pessoal pode ser decisivo: “Se tiver uma família aqui para receber o jovem por um fim de semana, já muda tudo. Ele percebe que outras pessoas vieram, conseguiram, aprenderam, deram certo. Isso dá esperança.” 

Mostrar mais

O modelo suíço de formação

Pedro conhece bem as vantagens do sistema de aprendizado profissional suíço — e os desafios de quem chega de fora para aproveitá-lo. “Quando vim para cá há 55 anos, o que mais me impressionou foi como tudo era bem montado, estruturado. A gente ainda não tem algo assim no Brasil.” 

Segundo ele, essa formação técnica ajuda a explicar a presença marcante de suíços em setores como hotelaria, gastronomia ou produção de queijos pelo mundo. “O aprendizado aqui é feito com muita prática, teoria séria e consciência profissional. O que se aprende, se leva para a vida toda.” 

No Brasil, avalia, a distância entre teoria e prática ainda é um obstáculo: “A distância entre o engenheiro da obra e o peão é muito grande. Muitas vezes, não falam a mesma língua.” 

+Sistema suíço de aprendizagem: a história revela segredo para o sucesso

Sem “jeitinho”

Pedro ressalta que o choque cultural para os jovens que migram pode ser forte. “Aqui, não tem ‘jeitinho’, nem ‘gambiarra’. As coisas são feitas para durar. No Brasil, muitas vezes a gente começa com entusiasmo e sem planejamento. Aqui, é o contrário: muito planejamento antes do entusiasmo.” 

Para ele, a pontualidade, a seriedade com a palavra dada e o comprometimento com o trabalho são traços marcantes da cultura suíça — e exigem uma adaptação. “Para conquistar uma amizade ou uma posição na Suíça, você tem que lutar mais. É diferente.” 

Ele lembra de um episódio acontecido antes do encontro em Zurique: acordou às 2h30 da manhã para acompanhar o dono de um açougue buscar suínos com um fazendeiro. “O horário era às 3h. E não é 3h05, nem 3h10. É 3h cravado. Porque o outro já está pronto, esperando.” 

Preparar o ambiente

A experiência de Pedro mostra que a adaptação à nova cultura não pode ser feita às pressas. “Mudar de país não é só mudar de casa. Tem que entender a forma de viver, a forma de pensar. É preciso preparar o ambiente.” 

Ele fala por experiência própria: seus dois filhos estudaram na Suíça, mas isso foi fruto de anos de preparação. “Não adianta só ter dinheiro ou um emprego. É preciso assimilar a cultura antes de dar o grande passo.” 

Para ele, muitos suíços-brasileiros não se preparam o suficiente para o choque cultural — e acabam frustrados. “Eles acham que se prepararam, mas não assimilaram a cultura suficientemente para poder se sentir em casa nesse país.” 

Pertencimento duplo

Hanspeter se define como mais brasileiro do que suíço — por tempo de vida e laços familiares. Mas diz que a Suíça foi e continua sendo fundamental. “Tudo o que aprendi aqui, levei para o Brasil e transformei em uma empresa. Sou muito grato aos dois países.” 

“Então, eu sou muito grato ao Brasil pelas oportunidades que me deu. Isso é muito importante falar. O que eu aprendi na Suíça, eu tive a oportunidade de implantar no Brasil, de transformar numa empresa, que agora o meu filho que está à frente dela. Então, a gente teve sucesso. A gente tem que falar assim: o Brasil me deu muito.

Mas a Suíça me ajudou muito, porque eu sempre vim para a Suíça buscar as ideias, buscar as máquinas, a forma de pensar, a forma de trabalhar. Certamente isso também me ajudou muito, porque o que a gente faz são especialidades suíças no Brasil. Então, tem uma certa ligação com isso.”

No Brasil, Hanspeter virou Pedro, por questão de pronúncia. E diz que o brasileiro acolhe o europeu com mais simpatia do que em muitos outros lugares. “Somos bem recebidos. O brasileiro gosta do europeu, gosta de fazer amizade. Isso ajuda muito.” 

Durante o encontro informal promovido por Hanspeter na cantina da Metzgerei Angst, em Zurique, a equipe da SWI conversou com participantes da comunidade suíço-brasileira. A três perguntas — “Qual foi o maior choque ao chegar na Suíça?”, “Se tem uma coisa que a Suíça precisa aprender com o Brasil é…” e “3 coisas que os suíços amam no Brasil” —, as respostas revelaram memórias, afetos e contrastes culturais que compõem essa vivência binacional. Confira no vídeo abaixo:

O que um país pode aprender com o outro?

Pedro acredita que a Suíça poderia aprender com o Brasil um pouco mais de tolerância. “Aqui, se você não acompanha o ritmo, você tá fora do jogo. A exigência é muito alta.” 

Do lado brasileiro, ele sugere mais comprometimento: “No Brasil, a gente fala muito, escreve pouco. Muda muito rápido de ideia. Aqui, o que você aprende, você segue por mais tempo. Tem foco.” 

Na visão dele, o Brasil tem riquezas mal aproveitadas — e poderia avançar muito com mais planejamento. “A gente desperdiça muito alimento, muita coisa. Aqui, até cabelo de salão vira filtro para óleo.” 

E conclui: “Tem muito jovem com potencial. A Suíça tem oportunidades. Mas é preciso preparar o terreno. E isso não se faz sozinho, nem da noite para o dia.”

Mostrar mais

Debate
Moderador: Pauline Turuban

Você imigrou para a Suíça? Como foi sua experiência?

Quais foram as circunstâncias que envolveram sua imigração para a Suíça? O que motivou sua decisão de ficar ou sair?

5 Curtidas
21 Comentários
Visualizar a discussão

Os mais lidos
Suíços do estrangeiro

Os mais discutidos

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!

Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR