“A Suíça pode mostrar a força da diplomacia, da paz e do perdão”
O suíço René Dentz dedica sua carreira no Brasil à educação e ao tema filosófico e teológico da reconciliação.
Às vésperas de completar 40 anos, o professor universitário e psicanalista já escreveu tese de Doutorado e publicou três livros sobre o tópico: Existe liberdade no perdão?, Horizontes do perdão e Versões do perdão, este último lançado há quatro meses. Para Dentz, falar do assunto é tão necessário e premente que tem relação com a construção de uma sociedade mais pacificada e saudável. Na prática do ato, ele atua como psicanalista voluntário na comunidade de Mariana, em Minas Gerais, afetada pelo rompimento da barragem de Bento Rodrigues, trabalho social que inclusive resultou em um de seus livros.
De acordo com o professor, a complexidade do perdão o torna menos difícil quando levado para fora dos ambientes tradicionais e sujeito a novos olhares. “É preciso falar sobre, e não esconder ou tratar somente em conversas acadêmicas. O mundo está aí, repleto de ressentimento e problemas complexos. E a Suíça pode contribuir muito com o diálogo. Só precisa mostrar no exterior o seu potencial de promotora de diplomacia, de paz e perdão”.
Oriundo do cantão de Vaud, de onde seu pai e avós emigraram para o Brasil há algumas décadas, Dentz enxerga em seus dois temas de atuação ferramentas fundamentais para se conectar com suas realidades duais: a que o pai deixou na Suíça, e a integração educacional no Brasil. Com Phd em Teologia pela Universidade de Fribourg, Dentz credita a candidatura ao cargo de conselheiro dos Suíços do Estrangeiro aos pés firmes plantados nos dois mundos. “Sou filho de um constante diálogo entre as duas nacionalidades e pretendo expandir o papel cultural e educacional da Suíça no Brasil”.
swissinfo.ch: Estatísticas mostram que o número de casos de depressão ligados à Covid explodiu na Suíça. Vivemos um momento em que o luto prevalece, principalmente no Brasil, e que as pessoas têm adoecido muito por isso. Como o senhor acha que a capacidade de perdoar se encaixa nesse contexto e como o perdão poderia ajudar a enfrentar este momento tão difícil para a humanidade de uma maneira geral?
René Dentz: Longe de mim querer ser visto como Jesus Cristo, até porque o perdão vai além do conceito judaico-cristão, aquele que dá a outra face para bater. Entretanto, quando se fala em problemas complexos como uma pandemia ou uma catástrofe como a de Brumadinho e Mariana, onde atuo como psicanalista profissional e voluntário, é preciso revelar dores e erros, nunca ocultá-los. Só assim poderemos recomeçar e avançar como sociedade e indivíduo.
Diante dessa premissa, preciso dizer que o perdão tem um poder de atuar com muita força nessa pandemia, tanto na Suíça quanto no Brasil. Em primeiro lugar, porque muitos que têm adoecido mentalmente precisam se perdoar. O suíço, particularmente, não gosta muito de falar sobre suas dores, medos e questões emocionais. Isso tudo pode complicar a situação, simplesmente porque é necessário encarar nossas vulnerabilidades humanas. Obviamente que a nacionalidade não fala sozinha, aqui as gerações também têm um papel fundamental: mais velhos tendem a ser relutantes a buscar ajuda.
O brasileiro, entretanto, que tende a ser mais aberto ao tema, por um outro lado vive um momento muito difícil. O luto diário, o contato extenuante com a morte e a saúde pública que não tem dado conta do problema, podem levar à amplificação do ódio, do amargor e até mesmo da prisão a essa situação trágica, o que levaria à depressão.
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“O importante é não fazer parte da estatística”
A perversidade da situação, no caso brasileiro, não abre espaço para o perdão, porque não se pode banalizar o mal. Mas o cidadão terá, para o seu próprio bem, que aprender futuramente a lidar com isso sem se intoxicar.
Como professor, tenho visto meus alunos universitários morrerem. Tem sido muito triste vivenciar a pandemia no Brasil. Só posso dizer que perdão e o autoperdão são liberdade. E precisaremos falar muito sobre o que foi feito, o que deveria ter sido feito, erros e acertos, e não varrer para debaixo do tapete.
swissinfo.ch: Na sua candidatura ao Conselho dos Suíços do Estrangeiro, o senhor diz que pretende usar a sua experiência como educador para atuar como um facilitador da comunidade no Brasil, com foco na promoção da cultura, de acesso a escolas suíças, além de atenção a temas como repatriação, aposentadoria, votação por meios eletrônicos, por exemplo.
R.D.: Sim, eu quero usar meu extenso conhecimento na área para atuar de forma mais engajada para essa comunidade. Fui diretor pedagógico da Escola Suíço-Brasileira do Rio de Janeiro e tenho 18 anos de experiência em Educação, do Ensino Fundamental até a Pós-Graduação. Atualmente sou Professor da PUC-MINAS, psicanalista e escritor.
Tenho, entre algumas propostas, a da criação de uma escola suíça em Belo Horizonte e a de um centro cultural com extensão nacional. É impressionante verificar que, apesar de verba para promoção cultural, não temos olhado muito para este tópico aqui no Brasil.
Acredito que o meu perfil, como alguém de fora do mundo dos negócios, me leve a enxergar o cidadão expatriado no Brasil com olhar diferente, além do aspecto comercial. Simplesmente mais humano e voltado para suas necessidades reais. Devido ao caráter heterogêneo da comunidade no Brasil e de suas dificuldades enfrentadas em muitas situações, sei que preciso estar sensível às demandas sociais desse público.
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Conselho dos Suíços do Estrangeiro: suíços interconectados e com propósitos claros
swissinfo.ch: O senhor acompanha a vida na Suíça, participa das votações? Como mantém esses dois pés fincados lá e cá?
R.D.: Sempre tive muito contato com a Suíça, apesar de não ter nascido em terras Helvéticas. Tínhamos e mantivemos conexão com a família no cantão de Vaud, que não emigrou.
Por falar francês fluentemente, leio o jornal Le Temps, de Genebra, o que me que possibilita acompanhar periodicamente os acontecimentos pela imprensa. Isso sem falar da swissinfo.ch em português, que nos traz fatos relevantes.
A minha relação com a Suíça, entretanto, se estreitou mais na idade adulta, depois que me tornei diretor pedagógico da Escola Suíço-Brasileira, e com o meu pós-doutorado em Fribourg. Estudar in loco me possibilitou conhecer aspectos do país e comparar em profundidade as duas realidades.
Eu participo sempre em todas as votações. Faço questão de me atualizar e participar da política suíça como cidadão. Afinal, ensino esses valores na escola, na Universidade e para as minhas duas filhas. Então tenho que fazer também.
swissinfo.ch: E como o senhor vê a próxima votação do dia 13 de junho, que vai discutir temas como reformas da agricultura e produção de alimentos na Suíça, extensão de ajuda financeira para danos causados na pandemia e questões ligadas à lei Federal sobre Medidas Policiais de luta contra o terrorismo?
R.D.: Em um país de democracia direta como a Suíça, é muto positivo e importante trazer esses temas no processo decisório. Principalmente quando falamos de propostas que envolvam o clima, tema tão urgente.
Acredito que a Suíça está no caminho certo, inclusive com metas ousadas para redução de poluentes no ar e maior integração com o meio ambiente.
Como um humanista, sou a favor de ajudar a população. A minha rotina de psicanalista me mostra todos os dias no meu consultório, inclusive com pacientes suíços, os males que essa pandemia causa física e psicologicamente. Não dá para ignorar o problema.
Com relação à lei Federal sobre Medidas Policiais de Luta contra o Terrorismo, creio que seja importante visar a segurança, desde que não fira valores democráticos constitucionais. É preciso debater esses temas intensamente na sociedade neste momento.
swissinfo.ch: Por que o senhor não vem para a Suíça? Não gostaria de viver neste país?
R.D.: Porque eu acredito que, neste momento, tenho muito mais trabalho a fazer no Brasil. Essa decisão, entretanto, não invalida a possibilidade no futuro.
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“A Suíça não era mais a melhor opção para nós”
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