Em Genebra, a primavera começa quando o castanheiro oficial decide
![imagem](https://www.swissinfo.ch/content/wp-content/uploads/sites/13/2025/01/Photo-2024.jpg?ver=0b3f5da2)
Em Genebra, a botânica tem raízes profundas e permanece viva até hoje através de uma tradição incomum: a observação da abertura da primeira folha do castanheiro oficial de Genebra pelo sautier, o secretário-geral do parlamento cantonal.
Genebra é um lugar de ciência. Não apenas para a física quântica, já que abriga a Organização Europeia de Pesquisa Nuclear, mas também para a botânica, que o genebrino Jean-Jacques Rousseau chamou de “ciência suave” (science aimable). Na época do filósofo, ela era intensamente praticada pela alta sociedade.
A botânica de GenebraLink externo é considerada uma das tradições vivas nacionais, cujas origens remontam aos séculos 18 e 19, época em que esse pedaço da Suíça estava permeado por um espírito naturalista. Entre as figuras proeminentes dessa tendência, estão Rousseau (que, apesar de ser lembrado principalmente pela marca que deixou na filosofia política, tinha uma enorme paixão pelo herbalismo) e Augustin-Pyramus de Candolle, que ajudou a criar o jardim e o conservatório botânico da cidade (em 1817 e 1824, respectivamente), até hoje consideradas umas das instituições mais importantes do tipo no mundo.
Genebra também é uma cidade orgulhosa. Isso pode ser visto, por exemplo, durante a ÉscaladeLink externo, quando, de acordo com a tradição, a pessoa mais velha e a mais jovem presentes quebram um pote de chocolate com os punhos, exclamando: “Assim perecem os inimigos da República!”, para relembrar quando as tropas do Duque de Saboia foram repelidas em 1602.
Não é de se admirar, portanto, que Genebra queira se destacar. Lá, a primavera não começa em 20 ou 21 de março, mas quando o marronier oficial da República de Genebra, um castanheiro-da-índia que fica ao longo do Passeio de Treille, em frente ao governo cantonal e ao parlamento, decide.
Quando a primavera chega
“Temos certeza de que [o mundo das plantas é] um mundo silencioso, sem a capacidade de se comunicar, sendo que, na verdade, as plantas são grandes comunicadoras”, escreve Stefano Mancuso em seu livro A incrível viagem das plantas. Sem dúvidas, o botânico e ensaísta italiano ficaria feliz em saber que Genebra tem uma pessoa cujo trabalho é, entre outras coisas, atuar como intérprete entre plantas e seres humanos.
Trata-se do sautier da República, um cargo que remonta a 1483. Originalmente, o sautier era uma espécie de guarda florestal que precisava garantir que as pessoas recebessem seus suprimentos de madeira. Mais tarde, ele – e até 1996 todos os sautiers eram, de fato, um “ele” – se tornou o chefe da guarda da cidade. Atualmente, a função de sautier coincide com a de secretário-geral do parlamento cantonal.
O sautier é responsável por preparar as sessões do parlamento cantonal, definir a agenda, registrar as decisões tomadas, garantir o bom funcionamento das comissões parlamentares e… ficar de olho no castanheiro-da-índia.
“A tradição exige que o sautier observe o castanheiro-da-índia oficial de Genebra para identificar a abertura de sua primeira folha, que anuncia o início da primavera”, explica o site oficial do parlamento cantonal.
“Quando converso com as pessoas sobre a minha função, elas sabem muito pouco sobre meu trabalho cotidiano, mas sabem que sou eu quem, entre aspas, ‘anuncia a primavera’”, conta o atual sautier, Laurent Koelliker, que fez sua primeira observação oficial em 2017.
Estratégias
Esse é um dever que Koelliker desempenha com rigor e profissionalismo. Ele conta que, quando o tempo começa a ficar mais ameno, geralmente em fevereiro, “vou até o local e observo”.
“Há dois elementos que me ajudam. Quando a temperatura está alta o suficiente para permitir que a seiva flua de volta para o tronco e os galhos, é possível ver que os brotos começam a recebê-la – eles ficam brilhantes e reluzem ao sol. Isso é um sinal de que a árvore está recomeçando seu ciclo anual e que, nos próximos dias, as pontas dos brotos ficarão verdes”, explica o sautier.
A partir desse momento, é preciso esperar pelo menos dez dias para que a primeira folha apareça.
O segundo elemento que indica para Koelliker que a primavera está chegando é outro castanheiro-da-índia. Ele fica próximo ao castanheiro oficial, mas é de uma variedade diferente e foi plantado em 1968 por um jardineiro genebrino. Ele tem o apelido de Marronier fou (castanheiro louco) e tem a vantagem de brotar três semanas antes dos outros castanheiros, servindo de referência para o sautier.
Essas são estratégias que Koelliker aprendeu com sua predecessora, a sautière Maria Anna Hutter, que, por sua vez, buscou a orientação da equipe do jardim botânico sobre a melhor forma de realizar a observação.
“Também sou acompanhado pela minha vice, pois a ideia é usar os mesmos critérios e garantir uma certa continuidade na qualidade das observações”, explica Koelliker.
![imagem](https://www.swissinfo.ch/content/wp-content/uploads/sites/13/2025/01/parchemin.png?ver=ada17ce0)
Efeitos das mudanças climáticas
Continuidade é uma palavra-chave aqui. Desde 1818, sem exceção, a data da abertura da primeira folha tem sido anotada pelo sautier num pergaminho – o mesmo pergaminho usado até hoje e no qual ainda há espaço para alguns anos.
Desde então, houve 15 sautiers e quatro castanheiros-da-índia oficiais. Quando uma dessas árvores se aproxima do fim de sua vida útil e seu ciclo anual começa a ser irregular, o sautier designa outra árvore próxima com características semelhantes. O atual marronier está “em exercício” desde 2016.
O primeiro observador, Théodore-Marc Paul, provavelmente não imaginava que a tradição que ele iniciou em 1818 se mostraria uma ferramenta útil para estudar os efeitos das mudanças climáticas e da urbanização. A data da abertura da primeira folha mudou lentamente de abril para fevereiro, com algumas exceções notáveis. Em 2003, por exemplo, a primavera de Genebra começou em 29 de dezembro!
“Essa é uma das raras observações botânicas que existem até hoje e abrangem um período de mais de dois séculos”, diz Koelliker. “Para o estudo da evolução do meio ambiente, do clima e da urbanização da cidade, é importante continuar alimentando esse banco de dados”.
Há ainda um outro aspecto, não menos importante, que também faz Koelliker apreciar essa tarefa incomum. “Há tradições que não mudam a vida das pessoas, mas estão enraizadas na população. As pessoas gostam quando a chegada da primavera é anunciada, pois isso significa que os rigores do inverno ficaram para trás. Minha tarefa é dar boas notícias”.
(Adaptação: Clarice Dominguez)
Mostrar mais
![Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch](https://www.swissinfo.ch/por/wp-content/themes/swissinfo-theme/assets/jti-certification.png)
Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!
Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.