Gatos ameaçam biodiversidade suíça
Todos os anos, gatos são responsáveis pela morte de milhões de pássaros, sapos e outros animais na Suíça. Mas a maioria dos políticos não parece disposta a lidar com esse problema. Será que uma “moratória dos gatos”, proibindo a importação e a criação de gatos por dez anos, faria alguma diferença?
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Ratos, morcegos, pássaros, camundongos e lagartos – esses foram alguns dos presentes, mortos e vivos, que eu e minha esposa recebemos do nosso gato, Sam, ao longo dos anos. Na Suíça, um terço das espécies de pássaros está em risco de extinção, uma proporção mais alta do que em muitos outros países. Por isso, defensores do meio ambiente estão pedindo que sejam tomadas medidas para conter a população de gatos no país e reduzir, assim, a ameaça à biodiversidade.
Com nove milhões de habitantes, a Suíça tem aproximadamente dois milhões de gatos em seu território, dos quais cerca de 10% não têm lar e são selvagens, segundo uma estimativa da fundação de direitos dos animais Tier im RechtLink externo. Os gatos proporcionam companhia e prazer a milhões de pessoas e, na Suíça, o costume é deixar que eles tenham acesso ao ar livre. Assim, esses gatos também acabam matando cerca de 30 milhões de aves e meio milhão de répteis e anfíbios na Suíça todos os anos, de acordo com o jornal Neue Zürcher Zeitung (NZZ)Link externo.
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A arte suíça das escadas de gatos
A Associação Suíça de Proteção Climática (Klimaschutz Schweiz) entrou agora no debate e começou a reunir ideias para propor uma iniciativa popular sobre o tema. Uma das ideias apresentadas numa reunião realizada recentemente – mais voltada para a biodiversidade do que para o clima, como a própria associação admite – foi a de estabelecer uma moratória de dez anos na importação e criação de gatos.
A organização de proteção da natureza Pro Natura também está analisando a questão. “Poderíamos fazê-los usar coleiras que fazem barulho, mantê-los dentro de casa por algumas semanas durante a principal estação de reprodução [de pássaros] – o que seria difícil de implementar – ou castrar sistematicamente os gatos que vivem ao ar livre para diminuir seu instinto de caça”, disse o diretor da Pro Natura, Urs Leugger-Eggimann, ao jornal NZZ.
Na minha experiência, colocar um sino no pescoço do nosso gato apenas aprimorou suas habilidades de caça – que já eram boas – e o transformou num ninja letal. Já a prisão domiciliar seria uma experiência miserável para todos. Mas isso não impediu a cidade alemã de Walldorf de tentar aplicar esta última medida.
Do início de abril até o final de agosto, os gatos da cidade de Walldorf não podem sair sem coleira. Essa medida estará em vigor até 2025 e visa proteger a cotovia-de-crista, que faz seus ninhos no chão e está ameaçada de extinção. Se um gato for pego solto do lado de fora, seu dono precisará pagar uma multa de 500 eurosLink externo. Caso uma cotovia seja ferida ou morta, a multa sobe para 50.000 euros.
Não é surpreendente que muitos proprietários de gatos em Walldorf – além dos próprios gatos, é claro – não estejam satisfeitos. “Meu gato, Tchaikovsky, vem de uma fazenda. Ele fica louco se não puder sair”, disse um morador ao tabloide alemão BildLink externo no ano passado. “E, de qualquer forma, ele é muito preguiçoso para caçar”.
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Animais suíços tratados a pão de ló
Livre circulação de gatos
Cerca de 44% das residências na União EuropeiaLink externo têm um animal de estimação e é pouco provável que os números na Suíça sejam muito diferentes. A União Europeia, por sua vez, afirmouLink externo que é “uma forte defensora dos direitos de livre circulação, inclusive dos gatos” e negou “categoricamente” que forçaria os gatos a serem mantidos dentro de casa ou a usarem coleira.
Atualmente, devido aos riscos apresentados por coiotes e pelo trânsito, 70% dos proprietários de gatos nos Estados Unidos mantêm seus gatos dentro de casa. No final da década de 90, esse número era de 35%. No Reino Unido, por outro lado, cerca de 70% dos proprietários deixam seus gatos saírem, uma porcentagem similar à de outros países europeus. “O acesso ao ar livre é considerado bom para o bem-estar dos gatos. Esse é um posicionamento compartilhado por instituições [britânicas] como a Cats Protection e a Battersea Dogs & Cats Home. E há poucos predadores com os quais precisamos nos preocupar”, informou o jornal britânico The GuardianLink externo.
O diretor da Pro Natura, Urs Leugger-Eggimann, enfatizou que os gatos não são a maior ameaça à biodiversidade. “As mudanças climáticas, a expansão das zonas de povoamento e o uso intensivo da agricultura são muito mais problemáticos”, disse ele.
Ameaças de morte
Apesar dos desafios, já houve outras tentativas de conter a população de gatos na Suíça.
No cantão de Aargau, Thomas Baumann, do Partido Verde, pediu que cães e gatos fossem tratados igualmente: chip e registro deveriam ser obrigatórios também para gatos, disse ele. Baumann esperava que o custo do chip – cerca de 100 francos suíços – reduzisse o número de gatos “comprados por impulso”, informou o jornal Aargauer Zeitung em marçoLink externo.
“Qualquer um que se canse do seu gato de estimação pode abandoná-lo a qualquer momento sem ser responsabilizado”, disse Baumann, que também é bioagricultor. Ele afirma que os problemas relacionados aos gatos de rua estão piorando, principalmente as brigas por território. Os pedidos da população para melhorar a proteção da biodiversidade também estão aumentando. “Há cada vez mais pessoas pedindo para que os políticos resolvam essa questão”.
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Iniciativa sobre biodiversidade: essencial para proteger a natureza ou extrema demais?
Alguns políticos realmente estão se mobilizando. Na cidade de Berna, Thomas Hofstetter, do Partido Liberal Radical, propôs a introdução de uma taxa para gatos que tenham acesso ao ar livre. “Uma taxa seria a medida mais eficaz”, disse ele ao jornal NZZ. “Por um lado, aumentaria as barreiras para ter um gato e, por outro, a receita gerada poderia ser utilizada para proteger a biodiversidade de acordo com o princípio do poluidor-pagador [segundo o qual o responsável pelo dano deve pagar para mitigá-lo]”.
No entanto, como observou o jornal Aargauer Zeitung, “a questão é controversa”.
Em 2013, pesquisadores analisaram quantas aves eram mortas por gatos nos EUA a cada ano. Os resultadosLink externo – até quatro bilhões (a maioria morta por gatos selvagens) – certamente “causaram rebuliço”, como mostrou a National GeographicLink externo. “Os meios de comunicação colocaram pessoas que gostam de gatos contra pessoas que gostam de pássaros, defensores dos direitos dos animais contra ecologistas e donos de animais de estimação contra acadêmicos”, disse a revista. “Um dos pesquisadores escreveu um livro chamado Cat Wars (Guerras dos Gatos) – o que não facilitou as coisas – e relatou ter recebido ameaças de morte”.
Muito populares
O fato de os gatos representarem um perigo para determinados animais selvagens não parece ser um argumento exagerado, já que todos sabem que gatos são predadores. Mas os políticos suíços – possivelmente cientes de que quase metade das residências do país têm um animal de estimação – parecem compreensivelmente relutantes em serem vistos como “anti-gatos”.
O guia de biodiversidade da cidade de BernaLink externo, por exemplo, tem um conselho inequívoco: “Não tenha um gato doméstico”. O NZZ observa que, em resposta à iniciativa de Thomas Hofstetter, o governo da cidade de Berna declarou que exigir que os gatos usem uma coleira e proibir que saiam ao ar livre seriam medidas eficazes, mas que o governo não quer fazer nenhuma restrição obrigatória. É “difícil imaginar” que as medidas seriam “socialmente aceitas”, disse a prefeitura. Afinal de contas, os gatos são “companheiros das pessoas”.
“É fascinante”, disse Hofstetter. “Ninguém quer sair queimado por causa dessa questão. Os gatos são simplesmente muito populares”.
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Comer carne de cachorro é uma questão cultural
Edição: Samuel Jaberg/fh
Adaptação: Clarice Dominguez
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