Fortuna se concentra na mão de poucos
Dez por cento da população helvética é dona de 71% da fortuna do país. Em Zurique, um por cento tem o mesmo em propriedades declaradas do que 95% dos contribuintes do cantão. A situação é considerada "alarmante" pelo ex-chefe do Depto. de Estatísticas de Zurique, Hans Kissling.
Na Suíça cresce exponencialmente o capital que está na mão de poucas famílias. Enquanto os 300 mais ricos aumentaram sua fortuna em 40%, a maior parte da população tem uma renda menor do que no início dos anos 90.
Essa tendência não é observada apenas na Suíça. Economistas chegam a afirmar que o mundo está vivendo o maior processo de concentração de riquezas da história.
Cada vez mais dinheiro é concentrado em um número menor de pessoas extremamente ricas. Para Hans Kissling, ex-chefe do Departamento de Estatísticas do cantão de Zurique, a situação representa um perigo para a democracia e a economia. O autor do livro “Riqueza sem produção. A feudalização da Suíça” pleiteia a criação de um imposto nacional sobre heranças de ricos.
swissinfo: A Suíça é vista mundialmente como um Estado democrático, social e federativo. Porém você diz no seu livro, que o país está a caminho de se tornar um Estado feudal.
Hans Kissling: Eu fundamento esta tesa quando digo que a forma helvética de democracia direta é muito influenciável pelos super-ricos. O problema é que temos a maior concentração do mundo de super-ricos. Temos, por exemplo, tantos bilionários como a Alemanha inteira.
Os super-ricos influenciam cada vez mais na Suíça os plebiscitos. Isso foi visto pela primeira vez em 1992 com o Espaço Econômico Europeu (EEE). O bilionário Blocher (ex-ministro da Justiça) havia investido milhões na campanha contra a adesão ao acordo. O resultado é que o eleitor votou contra. Eu estou convencido que sem o dinheiro de Blocher nós estaríamos hoje no EEE.
swissinfo: A Suíça um Estado feudal – sua tese causou polêmica nos círculos de ricos e burgueses: “besteira, “discurso de esquerda”, “grotesca” foram algumas das reações. Como você lida com essas críticas?
H.K.: Apesar delas, acho que estou sendo tratado de forma justa. A maior parte da mídia, por exemplo, divulga que eu represento valores liberais. Eu sempre ressaltei no meu livro que defendo a competição. Não tenho problemas se alguém se tornar rico por seus próprios méritos.
Houve outras opiniões. Por exemplo, Roger Köppel, o redator-chefe da revista Weltwoche, para quem eu não tenho nada de liberal. De qualquer maneira, eu recebi muitas cartas, e-mails e telefonemas de apoio, incluindo também dos setores burgueses.
swissinfo: No seu livro você afirma que a concentração de riqueza ameaça não apenas a democracia, mas também a economia. Você poderia explicar melhor essa posição?
H.K.: Quando a classe média e inferiores têm o sentimento, que a distância delas para as classes ricas está se tornando cada vez maior, como se fossem as perdedoras na competição de produtividade, então a própria economia de mercado é colocada em situação de risco.
As pessoas se tornam cada vez mais críticas ao sistema. As conseqüências são claras: pensamentos protecionistas aparecem. Isso pode ser visto claramente nos Estados Unidos, onde a classe média teve enormes perdas. Agora os dois candidatos à presidência já começam a namorar a idéia de medidas protecionistas, o que pode ameaçar verdadeiramente a economia.
swissinfo: No seu livro você pleiteia a criação de um imposto sobre heranças de ricos. Essa idéia já foi refutada nas urnas pelo eleitor do cantão de Zurique. Se ela for aplicada os super-ricos não poderiam abandonar a Suíça?
H.K.: Na Alemanha a alíquota fiscal sobre heranças chega até a 40%. Na França elas são maiores ainda. Acho que o perigo de fuga não existe, pelo menos em direção a esses países.
Eu peço no meu livro apenas que altíssimas heranças paguem impostos, ou seja, a partir de um milhão e só para o excedente. Eu não quero de forma nenhuma, que as pessoas tenham a impressão de não poder mais passar para as gerações futuras a sua casa própria.
Para mim o importante é que esse processo silencioso de feudalização possa ser interrompido, que não surjam grandes clãs como na América do Sul e que possam ameaçar futuramente a economia e a política.
swissinfo: A classe média suíça corre o risco de se empobrecer, declarou há pouco tempo o ex-diretor da Caritas, Jürg Krummenacher. Na Suíça os ricos tornam-se cada vez mais ricos. Economistas como Thomas Druyen chegam a afirmar que hoje estamos vivendo a maior concentração de renda da história. Você considera isso uma confirmação para as suas teses?
H.K.: Sim, eu já disse que temos na Suíça a maior concentração de bilionários.
E sobre a classe média: eu não apenas calculei os diferentes indicadores, onde os mais ricos são comparados com os mais pobres. Eu também comparei os mais ricos com a classe média. Assim posso te dar um número: os 1% dos mais ricos no cantão de Zurique – infelizmente não existem dados completos para toda a Suíça – tinham 677 vezes mais fortuna do que um cidadão normal em 1991. E doze anos mais tarde, em 2003, essa mesma porcentagem tinha 1027 vezes mais fortuna. Isso significa que o fosso entre os que estão acima e a classe média se tornou ainda maior.
É preciso ressaltar que a classe média, ao contrário das classes inferiores, não tem praticamente nenhuma espécie de incentivos fiscais. Eu penso no seguro-saúde, taxas de jardim-de-infância ou nos asilos de idosos, onde a classe média é obrigada a consumir sua poupança antes de poder receber alguma forma de apoio. Por isso é que ela está sendo diretamente ameaçada por esse desenvolvimento.
swissinfo, Jean-Michel Berthoud
Em 1991, os três lares mais ricos no cantão de Zurique eram donos de uma fortuna registrada de 1,3 bilhões de francos. Em 2003, esse valor passou para 4,5 bilhões.
Segundo a revista econômica Bilanz apenas Viktor Vekselberg é proprietário de uma fortuna bruta de 14 a 15 bilhões de francos. Ele é a pessoa mais rica no cantão.
Em 1991, os 100 cidadãos mais ricos tinham uma fortuna de nove bilhões de francos. Em 2003, o valor já havia passado para 21,2 bilhões. Pobreza: 27,1% de todos os lares do cantão não tinham nenhuma forma de riqueza passível de fiscalização.
Nos próximos trinta anos, 95 mil pessoas irão herdar entre um e dois milhões de fracos. Cinqüenta poderão herdar até pouco mais de um bilhão de franco, cada um.
Hans Kissling, 65 anos (chefe do Depto. de Estatísticas do Cantão de Zurique entre 1992 e 2006) escreveu um livro com o título “Riqueza sem produção. A feudalização da Suíça” (editora Rüegger Zurique).
Na obra, o economista informa que nos próximos anos um grande número de pessoas estará herdando uma enorme fortuna. Ele defende a tese de que o governo suíço deva taxar em 50% heranças de mais de dois milhões de francos (ou um milhão de francos de herança por herdeiro).
O dinheiro deve servir para aliviar fiscalmente pessoas de baixa ou média renda, assim como para eliminar o imposto geral sobre fortunas.
Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!
Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.