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A AIDS está por todos os lados na África

Uma criança sul-africana participava da cerimônia pelo Dia Mundial da AIDS na Cidade do Cabo em 2006. Keystone

Comemorado em 1° de dezembro, o Dia Mundial da AIDS traz à memória a Síndrome da imunodeficiência adquirida, uma epidemia que continua cobrando um enorme preço em vítimas, sobretudo no continente africano.

Dois especialistas africanos que vivem na Suíça revelam a swissinfo o que a África necessita e porque os avanços no combate são tão esparsos apesar dos vinte e cinco anos de pesquisa e inúmeras conferências internacionais.

“Dois terços das pessoas infectadas com o HIV estão na África. Para um médico africano, AIDS é uma dura realidade. Por todos os lados estão os pacientes: nas ruas ou nos ônibus. Trata-se de um problema social que pode ser visto a olho nu”, declara o médico Charles Senessie, originário da Sierra Leone.

O especialista em africano, que já vive desde 2004 na Suíça e que criou a Rede Afro-Européia para Medicina e Ciência (AEMRN, na sigla em inglês), reivindica mais pesquisa nos países africanos como forma de frear o avanço da doença no continente.

Pesquisa: a chave do sucesso

“Apesar de inúmeras conferências internacionais com milhares de participantes; apesar dos bilhões em dólares, francos suíços e euros que são investidos todos os anos na África, nós não avançamos muito mais do que há vinte anos atrás”, avalia Senessie. Na sua opinião, o problema não é dinheiro. “Dele há suficiente à disposição, mas não é investido nos locais corretos”.

O médico ainda critica a pouca exatidão dos dados. “As estatísticas da ONU relativas à AIDS estão baseadas em estimativas. Faltam para nós dados exatos sobre o número de pessoas infectadas e a dimensão do problema. Os programas só podem ser eficazes se forem estruturados a partir de levantamentos precisos”.

Fosso de informações

Para Senessie, um dos maiores desafios no combate da AIDS é o trabalho de esclarecimento. “As taxas de analfabetismo são muito elevadas. Em Sierra Leone, por exemplo, ela chega a 80%. Além disso, é muito difícil atingir as populações rurais, que muitas vezes são pouco acessíveis pela falta de estradas”.

O sociólogo congolês Johnson Belangenyi, coordenador e tradutor da AEMRN, também considera extremamente penoso o trabalho de explicar as pessoas sobre os riscos de uma infecção de AIDS ou questões como o comportamento sexual.

“O trabalho de educação deve ser feito diretamente no local, para que a terminologia especializada possa ser traduzida. Muitas dessas expressões não existem nas línguas africanas”, afirma Belangenyi

Além disso, o problema não está apenas na questão do idioma: sobretudo os habitantes mais idosos nos vilarejos remotos acreditam que o HIV não pode lhes atingir. “A nossa mensagem não está atingindo essas pessoas”, reforça Charles Senessie.

O problema da poligamia

A poligamia está na ordem do dia na África. Ter quatro ou cinco mulheres não é uma exceção em muitas regiões. Os chefes de tribos chegam até mesmo a dispor de dez esposas.

“Se uma delas é infectada, isso pode afetar todas as outras. É muito difícil romper com esse círculo. Nós tentamos esclarecer as pessoas, sobretudo as novas gerações, sobre os riscos dessas práticas”.

Segundo Belangenyi muitos doentes não vão para o hospital, mas sim preferem tratar os sintomas eles mesmos. “Quando eles tossem, eles preferem tomar um xarope ou a medicina tradicional com base em ervas e raízes”.

“Medicamentos efetivos contra a AIDS acabam deixados de lado, seja por questões econômicas ou pelo fato das pessoas não acreditarem nos seus efeitos”, diz Senessie.

Mesmo quando os medicamentos são oferecidos com preços reduzidos aos pacientes, eles continuam sendo caros para muitas pessoas. “Eles tomam um, dois meses e acabam abandonando. Depois o seu estado clínico fica pior do que antes”.

Superstições

De acordo com as observações de Johnson Belangenyi, a AIDS ainda está pouco visível para a população. “A doença não aparece logo depois do contato sexual. As pessoas morrem de tuberculose ou inflamação dos pulmões. Elas não conseguem compreender que o HIV está por trás disso”.

Além disso, muitos africanos ainda não acreditam que alguém possa morrer facilmente de doenças. “No Congo, por exemplo, as pessoas se perguntam quem matou o doente. Será que ele estava enfeitiçado? Essas superstições estão em total contradição com a ciência”.

Quando é confirmada a morte por AIDS de uma celebridade, como filho do presidente da Zâmbia, aí as pessoas começam a acreditar.

Especialmente grave é a propagação da doença em países atingidos pela guerra como o Congo, Sudão, Libéria ou Sierra Leone, onde muitas tropas rebeldes praticam estupros em massa. Os conflitos também interrompem todo o processo de tratamento das pessoas soropositivas e atingidas por outras doenças.

Apoio a projetos privados

Na luta contra a AIDS, o médico Senessie pleiteia que o setor privado seja reforçado e que as doações em dinheiro sejam aplicados em projetos concretos ao invés de governos.

Como exemplo, o africano cita a clínica de tratamento da AIDS do médico suíço Ruedi Lüthy em Harare, no Zimbábue. Ela teria tratado mais de 1.300 doentes de HIV sem recursos desde 2003. Outras organizações seriam a Solidarmed, uma fundação helvética que promove prevenção e tratamento da AIDS em diversos países africanos.

Com ajuda de Deus

Apesar do ilimitado sofrimento vivido pelas populações na África, Senessie tem esperanças e fé em que a luta contra a AIDS vive progressos nos próximos anos. “Muitos africanos querem voltar aos seus países”, diz.

Johnson Belangenyi conclui no final: “No momento as pessoas só podem ter fé em Deus. Elas rezam para que ele consiga frear essa epidemia. A fé lhes ajuda, afinal, a sobreviver”.

swissinfo, Gaby Ochsenbein

Segundo dados da ONU, mais de 33,2 milhões de pessoas estavam contaminadas com o vírus do HIV no final de 2007. O número significa um decréscimo de 16% em relação ao final de 2006.
2,5 milhões de pessoas foram infectadas – 5.800 diariamente.
2,1 milhões de pessoas morreram de AIDS – 5.700 diariamente.
33.000 dos mortos eram da América do Norte e Europa – 1,6 milhões do continente africano.
Na África vivem 22,5 milhões de pessoas infectadas por AIDS, o que corresponde a dois terços de todas as pessoas com teste positivo de HIV.
Na Suíça vivem 25 mil pessoas com o vírus.

O Dia Mundial da AIDS foi criado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e comemorado pela primeira vez em 1988.
Ele é sempre organizado em 1. de dezembro pela UNAIDS, órgão da ONU encarregado do combate da doença.
O Dia Mundial da AIDS é um dia de solidariedade com as vítimas do HIV e da AIDS.
Lema de 2007: “Nós assumimos responsabilidade – para nós e para os outros”.

A Síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA, normalmente em Portugal, ou AIDS, mais comum no Brasil) é o conjunto de sintomas e infecções em seres humanos resultantes do dano específico do sistema imunológico ocasionado pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH, ou HIV segundo a terminologia anglo-saxónica). O alvo principal são os linfócitos TCD4, fundamentais para a coordenação das defesas do organismo.

Assim que o número destes linfócitos diminui abaixo de certo nível (o centro de controle de doenças dos Estados Unidos da América define este nível como 200 por ml), o colapso do sistema imune é possível, abrindo caminho a doenças oportunistas e tumores que podem matar o doente. Existem tratamentos para a SIDA/AIDS e o HIV que diminuem a progressão viral, mas não há nenhuma cura conhecida. (fonte: Wikipédia em português)

A Rede Afro-Européia para Medicina e Ciência (AEMRN) tem como principal objetivo promover o intercâmbio de informações entre os dois continentes.

A ONG inicia e apóia projetos nas áreas de prevenção, formação e ajuda local.

A sede da ONG está em Berna.

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