A Suíça e as Olimpíadas: uma longa aventura
Sociedade, política e o valor simbólico do esporte são os elementos que marcam um século de história das relações entre a Confederação Suíça e os Jogos Olímpicos.
A história da presença suíça nas Olimpíadas, discretamente iniciada com quase absoluta falta de interesse, foi escrita através de alguns capítulos palpitantes.
Desde a primeira edição do Jogos até hoje passaram-se 112 anos que transformaram o perfil do esporte helvético.
O ginasta Louis Zutter, de Neuchâtel (oeste), foi o primeiro suíço a conquistar uma medalha olímpica. Há mais de um século, quando foram reintroduzidos os Jogos Olímpicos, Zutter viajou por conta própria para Atenas e regressou com três medalhas: uma de ouro e duas de prata.
Essa vitória passou praticamente despercebida na Suíça. O Neue Zürcher Zeitung além de dedicar apenas algumas linhas ao feito, errou na transcrição do número de medalhas.
Da mesma forma que o diário zuriquense, a revista especializada Schweizerische Turnzeitung quase não deu atenção ao resultado de Atenas. Ao contrário, consagrou amplo espaço a um inexpressivo encontro de ginástica na cidade de Brugg, no cantão de Argóvia.
Visões distintas
Vale lembrar, porém, que o espírito olímpico, nas primeiras décadas do século 19, tinha dificuldades de se impor na Suíça: além de um contexto histórico desfavorável – relações internacionais decorrentes da Primeira Guerra Mundial e do cancelamento dos Jogos de 1916 -, havia um fator ligado à tradição.
Na Suíça, as atividades esportivas estavam praticamente enquadradas pelas importantes federações nacionais de tiro, esqui, equitação e ginástica, mais interessadas em questões internas do que nas Olimpíadas.
“Na época, a prática de ginástica revestia-se principalmente de um caráter cívico. Era vista como uma forma de educação da população suíça e esse aspecto era mais importante que os resultados esportivos”, explica à swissinfo o historiador Marco Marcacci.
“A ginástica, que desde fins do século 19 foi sendo introduzida, paulatinamente, no ensino escolar suíço, destinava-se, então, quase que exclusivamente ao desenvolvimento de atividades coletivas, com o objetivo de conseguir um aperfeiçoamento harmônico de todo o corpo”, acrescenta Laurent Tissot, professor de História Contemporânea na Universidade de Neuchâtel.
A União faz a força
Em 1923, ocorreu uma mudança decisiva. A Associação Suíça de Educação Física (ASEF), que reunia as federações nacionais, assinou um acordo com o Comitê Olímpico Suíço.
O Comitê tornou-se, assim, um órgão da ASEF, com plena autonomia para selecionar os atletas e preparar as delegações suíças para os Jogos Olímpicos.
Desde então, a colaboração entre as duas entidades tornou-se permanente, conquistando excelentes resultados a curto prazo: 25 medalhas em Paris, em 1924, e 17, quatro anos depois, em Amsterdã. Os melhores resultados suíços foram registrados em modalidades tradicionais: ginástica, remo e luta.
Novas propostas
As Olimpíadas de Berlim, em 1936, marcaram uma mudança radical de mentalidade. “A partir dos anos trinta, a Suíça procurou dar ao esporte, principalmente, uma conotação patriótica. A exemplo do que aconteceu na vizinha Alemanha, onde os Jogos se converteram em grande celebração propagandística, tomou-se consciência do papel desempenhado pelo esporte como elemento de união nacional”, observa Marco Marcacci.
Conseqüentemente, nos países onde prevaleciam regimes democráticos, como na Suíça, surgia a idéia de utilizar o esporte como instrumento de mobilização da juventude, integrando-o à preparação militar.
Por este motivo, o governo suíço decidiu criar em 1944, em Macolin (oeste), a Escola Federal de Esporte, com o objetivo inicial de melhorar as condições físicas dos soldados.
Desmilitarização do esporte
“O caráter militar do exercício físico diminuiu no pós-guerra, anos de forte crescimento econômico e progressiva evolução das mentalidades”, lembra Marcacci.
A partir dos anos 70, a mudança se torna mais evidente. O surgimento do Instituto de Ciências do Esporte, em Macolin, em 1967, ratifica o enfoque científico da questão.
Em 1970, o esporte foi incluído na Constituição Federal suíça. Dois anos depois, a lei federal que promove a ginástica e o esporte lança as bases do movimento ‘Juventude + Esporte’, dando apoio ao esporte feminino.
“Paralelamente, afirma Marcacci, o aspecto comercial e a busca de resultados começam, definitivamente, a prevalecer.
Tempos modernos
O restante da história é de passado recente. Apesar de não terem tradição esportiva comparável a dos esportes de inverno, os atletas suíços – graças em boa parte à infra-estrutura de qualidade e aos recursos financeiros de que dispõem – conseguem sucessos importantes.
Entre os resultados suíços que despertaram maior entusiasmo figuram a medalha de prata de Markus Ryffel em 1984 em Los Angeles (5 mil metros), a medalha de bronze de Werner Günthör em 1988 em Seúl (lançamento de peso), a medalha de ouro de Marco Rosset em 1992 em Barcelona (tênis) e a de Xeno Müller quatro anos mais tarde (remo).
swissinfo, Andrea Clementi (Tradução de J.Gabriel Barbosa)
Presença feminina
Apesar do pessimismo de Coubertin, que considerava mais apropriado para as mulheres a prática esportiva reservada e não em público, elas começaram a participar das Olimpíadas a partir de 1900, quando os Jogos se realizaram em Paris.
Na ocasião, participaram 22 atletas de um total de 997. Limitaram-se aos torneios de tênis, provas de vela e equitação, e jogos de golfe e croqué.
Em termos globais, a cota de participação feminina nas Olimpíadas passou de 5%, em 1924, a 38,2%, em 2004. Helen de Pourtalès foi a primeira suíça a conquistar uma medalha, na prova de vela disputada em 1900 no rio Sena.
O barão e educador francês Pierre de Coubertin (1863-1937) é considerado o fundador do movimento olímpico. Inspirando-se em conceito pedagógico anglo-saxão, Coubertin via o esporte como instrumento de educação, de aprendizado de valores e de preparo para as dificuldades da vida.
Além do mais, devido à derrota da França na guerra de 1870 contra a Alemanha, o barão recriminou os intelectuais franceses por “privilegiarem muito seus próprios cérebros invés de cultivarem seus corpos.
Estimulado por Coubertin, foi fundado, em 1894, o Comitê Olímpico Internacional, transferido para Lausanne durante a Primeira Guerra Mundial. O primeiro suíço que se tornou membro do COI – o barão Godefroy de Blonay – foi também o primeiro presidente do Comitê Olímpico Suíço, criado em 1912.
A primeira edição dos Jogos Olímpicos da era moderna foi realizada em Atenas, em 1896. Participaram 249 atletas dos quais 168 eram gregos. Os 81 restantes (3 suíços) representavam 13 países. Foram disputadas 9 modalidades: atletismo, ciclismo, ginástica, luta, natação, halterofilismo, tênis e tiro.
Nos últimos Jogos, em Atenas, em 2004, participaram 10.625 atletas de 210 países, em 28 modalidades.
Até hoje, a Suíça conquistou 168 medalhas nas Olimpíadas de Verão (42 de ouro, 68 de prata e 58 de bronze) e 117 nas Olimpíadas de Inverno (respectivamente 37, 37 e 43).
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