Acidentes mortais não inibem candidatos à montanhista
A temporada de escaladas em 2007 está no seu auge. Cada vez pessoas querem escalar os picos suíços, apesar de acidentes graves como o ocorrido no Jungfrau em 12 de julho, com a morte de seis soldados.
A popularização do esporte aumenta a responsabilidade dos guias de montanha. Porém turistas também têm de conhecer melhor seus limites.
Era 7 de julho e estávamos na cabana de montanhas do Clube Alpino Suíço (SAC, na sigla em alemão) em Punteglias.
Ainda na madrugada, às três horas da manhã, o céu estava cheio de estrelas. O tempo anunciava condições ideais para a escalada até o pico do Piz Russein, montanha também conhecida pelo curioso nome de “Tödi”.
A luz da lâmpada instalada no capacete iluminava o inclinado caminho coberto de neve antiga. A trilha seguia através da primeira bifurcação da montanha.
Por sorte, a cobertura de neve ainda estava bem sólida. Depois de uma caminhada à passos firmes, os alpinistas se aproximaram da primeira fissura no gelo, parte da geleira chamada “Glatscher da Gliems”.
Nesse ponto o guia Otti Flepp, um forte montanhês originário de Disentis, tirou a corda das costas e amarrou todos os quatro componentes do grupo. Ele também pediu que cada um amarrasse nas botas de montanha o crampom, uma espécie de sapato de aço com pontas agudas para facilitar a caminhada na neve e no gelo.
A subida no corredor de cinqüenta metros ocorreu sem problemas. A fissura entre o gelo e a pedra pode normalmente ser contornada sem dificuldades em julho. “Mas em algumas semanas isso não será mais tão fácil”, conta Flepp.
Essa inclinação até o pico, também conhecida pelo nome de “Porta da Gliems” exige muita atenção, sobretudo pelas pedras soltas. Grupos de montanhistas podem provocar pequenas avalanches se não tomarem cuidado.
Mais tarde o grupo chegava ao pico da montanha. Foi subida foi fácil e segura, sobretudo pelo fato das fissuras na geleira abaixo ainda estarem cobertas de neve. Em breve elas estarão abertas e obrigarão os alpinistas a fazer um caminho mais longo.
Mudanças na montanha
Otti Flepp (38) pertence à geração de jovens guias de montanha. Ele tirou o seu brevê há seis anos atrás.
Há quinze anos ele esteve pela primeira vez no pico do Piz Russein. Desde então ele percebeu algumas mudanças na montanha. “A geleira na parte superior perdeu muito da sua substância”, revela.
A rota precisou ser redesenhada. Flepp conhece também outras montanhas no cantão dos Grisões que se tornaram perigosas no verão, como o “Glüschaint” ou o “Capücin”. “Hoje as pontes de neve entre as fissuras nas geleiras podem desabar facilmente, o que até então era muito difícil de ocorrer”.
“Os riscos são os mesmos”
Seriam as escaladas de altitude elevada mais perigosas do que no passado? “Os riscos do alpinismo são os mesmos. As altas montanhas são e continuam sendo áreas selvagens”, responde Wolfgang Wörnhard, diretor da Associação Suíça de Guias de Montanha (SBV, na sigla em alemão).
“O que nós estamos vendo é apenas uma modificação do tipo de riscos. Antes o perigo nas escaladas estava nos terrenos cobertos de gelo. Hoje esse gelo desapareceu e os caminhos podem ser percorridos mais facilmente. Porém o perigo de desabamento aumentou”.
Por outro lado, o alpinismo se tornou também muito mais seguro, do ponto de vista técnico. “Os equipamentos são muito melhores hoje em dia do que há trinta anos”, explica Wörnhard.
Ao mesmo tempo os alpinistas dispõem de mais informações sobre a qualidade da neve, perigos de avalanches e estratégias em caso de perigo. Além disso, os guias de montanha têm uma formação mais sólida e diversa do que no passado.
“Eles aprendem muito mais. Também os guias precisam dominar esportes do gelo e da escalada, além de aprender disciplinas como competência social e psicologia”, ressalta Wörnhard. Ele ainda completa: – “Eles precisam cada vez mais atuar como acompanhantes e guias de montanha fora da Europa como no Nepal, Quênia ou Peru”.
Clientela exigente
Os clientes hoje em dia são cada vez mais exigentes, como observa Wörnhard: “Por um lado eles querem ser levados com segurança pelos guias até o pico das montanhas. Por outro, eles querem também aprender mais sobre as ciências da neve ou técnicas de escalada”.
Os montanhistas também se tornaram impacientes. “Eles tomaram um final de semana livre e querem alcançar o pico de qualquer maneira. Por isso eles estão pagando”. O afã de chegar ao objetivo pode causar situação de perigo, sobretudo quando o tempo se torna pouco favorável.
“A decisão de interromper uma escalada devido a uma avaliação de riscos, como o de queda de pedras, avalanche ou mudanças drásticas do tempo, exige, além de experiência do guia de montanha, também sua coragem e autoridade”, assegura Otti Flepp.
“O guia tem de resistir à pressão e sempre manter a paz entre o grupo. Ele precisa oferecer alternativas atraentes, como escaladas, observação de plantas e animais ou mesmo procura de cristais”.
O perigo esconde-se, às vezes, até mesmo no equipamento e na infra-estrutura de salvamento em caso de perigo. “Muitos contam com eles para assumir mais riscos desnecessários”, lamenta o experimentado guia de montanha.
swissinfo, Stefan Hartmann
O acidente que provocou a morte de seis recrutas do exército na montanha Jungfrau não deve modificar as condições dos passeios guiados às montanhas suíças, como explica o guia e mediador Emanuel Wassermann. Ele é especialista de diversos grêmios da Associação Suíça de Guias de Montanha (SBV, na sigla em alemão)
As investigações para descobrir as causas do acidente ainda não foram concluídas, mas têm provocado um forte debate entre guias de montanha.
A maior parte deles considera que cada passeio às altas montanhas é uma “aventura”, onde a segurança dos participantes não pode ser 100% assegurada até o final. Wassermann conta que, ao montar um passeio, ele tenta permitir o máximo de vivências, mas evitando riscos desnecessários. Guias de montanha precisam reconhecer os limites, seja do meio-ambiente, como também de cada um dos participantes de uma escalada.
Na Suíça atuam aproximadamente 1.500 guias de montanhas, incluindo 25 mulheres. A formação básica dura três anos e ocorre paralelamente ao trabalho normal dos candidatos.
A formação custa 21 mil francos. Atualmente 120 pessoas estão participando dos cursos na Suíça, dentre eles poucas mulheres.
Destaque: o número de candidatos à formação com nível superior de estudos tem crescido continualmente. Guia de montanha é uma profissão que goza de muito reconhecimento na Suíça.
A conclusão do curso de formação, com um diploma reconhecido nacionalmente, dura quatro semanas. Há 100 anos atrás, prova final ocupava apenas meio dia dos candidatos.
Os preços de escaladas são tabelados. Eles são determinados pelos guias de montanha de cada região.
Exemplo: o preço de 750 francos para uma escalada à montanha Tödi é válido para duas pessoas; cada pessoa à mais precisa pagar um acréscimo.
O preço varia segundo a duração e o grau de dificuldade de cada escalada. Outros fatores como importância turística do objetivo ou número de possíveis escaladas por temporada também fazem variar as tarifas.
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