Cada vez mais trabalho para a Cruz Vermelha
Ainda há muito a ser feito em nível mundial, apesar dos progressos em Guantánamo e na questão das bombas de fragmentação, como explica à swissinfo.ch o presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICR).
Jakob Kellenberger fala sobre o 150° aniversário da Batalha de Solferino em 24 de junho, o terrível episódio que inspirou Henri Dunant a fundar a Cruz Vermelha.
A Cruz Vermelha comemora em 2009 o 90° aniversário da Federação Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e paralelamente o 60° aniversário das Convenções de Genebra.
Dentre as atividades planejadas, milhares de jovens oriundos de mais de 120 países irão à Solferino, no norte da Itália, entre 23 a 28 de junho para comemorar a história do movimento e definir sua visão para enfrentar os desafios humanitários de hoje.
swissinfo.ch: O que o senhor vê como os principais desafios para o CICV nos próximos anos
Jakob Kellenberger: Um grande desafio é continuar a melhorar nosso acesso às pessoas afetadas por conflitos armados e outras situações de violência.
Também devemos continuar a lutar tenazmente por mais respeito ao Direito Humanitário Internacional (DHI). Sabemos que o DHI nunca foi respeitado como deveria…mas se você luta pelo seu respeito com determinação, é possível fazer progressos.
Mas frente às crises recentes – Sri Lanka, o conflito entre Israel e Palestina, Afeganistão, Iraque, Guantánamo, a Guerra contra o Terror – onde as partes parecem ignorar o DHI, não deveria haver uma revisão das Convenções de Genebra e dos respectivos instrumentos jurídicos?
Em nossa opinião, o principal desafio é alcançar um maior respeito às regras já existentes. Porém você nunca pode se dar ao luxo de dizer que as regras estão atualizadas e perfeitas. Áreas do DHI devem ser esclarecidas. Por exemplo, a noção de participação direta em hostilidades, um ponto que se tornou central, tem de ser esclarecida se você quiser assegurar que civis não participando diretamente das lutas sejam poupados. O CICV acaba de publicar um estudo sobre esta importante questão.
Ao longo dos últimos dois anos, também estivemos examinando com bastante extensão até que ponto o desenvolvimento futuro dos tratados legais é necessário, especialmente até que ponto diz respeito o DHI aplicado sobre conflitos armados não internacionais. Nesta área a legislação do tratado é bastante fraca.
Após sua recente visita aos Estados Unidos, quão convencido está o senhor de que a prisão de Guantánamo irá fechar e que as políticas americanas de detenção e interrogatório, que suscitaram grandes reservas, irão agora cumprir totalmente com as regras estipuladas nas Convenções de Genebra?
O presidente Barack Obama assinou três ordens executivas em 22 de janeiro de 2009, três painéis de revisão para lidar com Guantánamo, políticas de detenção, transferência de presos e interrogatórios.
Estive em Washington em abril devido a estes painéis de revisão e para encontrar membros destes três painéis, incluindo o secretário de Defesa, o Procurador-geral, o secretário de Estado e o conselheiro de Segurança Nacional.
Teremos de ver os resultados dos painéis de revisão, mas penso que é um sinal muito positivo para o CICR o fato de estar tão estreitamente associado a este trabalho, o que nos permite dar a nossa contribuição.
A nova administração estava muito ciente de sua total rejeição a qualquer forma de tortura. Eles não questionam suas obrigações frente às Convenções de Genebra e anunciaram que Guantánamo seria fechada no prazo de um ano. São boas notícias.
A Cruz Vermelha Suíça recentemente relatou uma queda no número de voluntários e nos níveis de compromisso. O senhor vê a questão como um problema futuro para o movimento?
Eu não penso que essas mudanças no espírito do voluntarismo serão problemáticas para o movimento como um todo. Na África, onde existem uma grande quantidade de problemas humanitários e conflito, o número de voluntários não está diminuindo.
Pelo que tenho escutado, esse é mais um problema do mundo ocidental. Curiosamente enquanto parece haver menos interesse em ser voluntário para causas humanitárias, o mesmo não é o caso para outros setores.
Como lidar com a delicada tarefa de saber quando falar em público?
Esse é um dos grandes desafios – uma das coisas com que eu mais luto neste trabalho. Muitas vezes me pergunto: ‘É esse o momento de falar ao público ou não? Quais serão as vantagens ou desvantagens? A linha divisória é muito estreita.
Temos diretrizes muito claras detalhando as condições que têm de ser cumpridas antes de podemos denunciar publicamente possíveis violações do DHI.
Em primeiro lugar, temos de ser confrontados com violações sistemáticas e sérias do DHI. Em segundo lugar, todas as nossas repetidas intervenções bilaterais com a parte responsável do conflito não surtiram efeito. Em terceiro, temos de ter testemunhado essas violações ou ter obtido informações de fontes confiáveis. Por último, precisamos estar convencidos que falar em público é a melhor coisa que podemos fazer às pessoas afetadas pelos abusos. Se estas condições foram preenchidas, é possível para o CICV denunciar publicamente as violações do DHI.
Confidencialidade é um instrumento importante para que o CICV tenha acesso às pessoas que estão sofrendo devido à guerra, mas isso não é incondicional.
Seu ambiente de trabalho é extremamente desafiador e, muitas vezes, bastante desanimador. Quais foram os sinais de esperança e avanços ao longo dos últimos nove anos?
Todas as sociedades nacionais da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho enfrentam seus próprios desafios em seus próprios países, mas existe um potencial interessante de trabalhar juntos para ver um impacto maior.
Muitas vezes você só pode ter uma influência se as atividades do CICV e sociedades nacionais complementam umas às outras. Quando visitei recentemente a província fronteiriça ao noroeste do Paquistão, pude ver o impacto positivo da nossa cooperação com o Crescente Vermelho paquistanês.
A capacidade operacional do CICV e sua habilidade de dispor rapidamente de resposta às crises agudas, como visto recentemente no sul do Líbano, Geórgia e Gaza, também são fontes de satisfação.
E também houve desenvolvimentos positivos do DHI. Não ouso imaginar qual seria a situação se não tivéssemos tido tantos colaboradores lutando por um maior respeito do DHI em campo.
Temos resultados. Tendemos a falar sobre violações, mas nunca falamos sobre casos em que, graças às intervenções através do CICV, outras violações puderam ser impedidas.
E eu acho que ninguém teria imaginado há dois ou três anos que, hoje em dia, mais de cem países teriam assinado uma convenção para banir as bombas de fragmentação (munições cluster).
Simon Bradley, swissinfo.ch
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha é uma organização privada e independente, de laços estreitos com a Suíça. Baseada em Genebra, ela é o principal parceiro da Suíça em questões de ajuda humanitária.
A Suíça é o terceiro maior financiador do CICV, depois dos Estados Unidos e Grã-Bretanha. Em 2008, o governo doou 101,05 milhões de francos (U$ 94,72 milhões), que incluem 70 milhões de francos para o quartel-general e 30,5 milhões para os programas de ajuda. A Suíça destinará o total de 105 milhões de francos à organização em 2009.
A Suíça é o país depositário das Convenções de Genebra, que delimita os standards para a lei humanitária internacional no mundo.
Os membros da assembléia do CICV, o órgão executivo da organização (16 pessoas em janeiro de 2009) são todos de nacionalidade suíça. Porém os funcionários vêm de todas as partes do mundo. O presidente do CICV, Jakob Kellenberger, 64 anos, foi secretário-geral no Ministério suíço das Relações Exteriores.
Nascido em 1944 em Heiden, vilarejo do cantão de Appenzell-Ausserrhoden, Jakob Kellenberger foi diplomata no Ministério das Relações Exteriores (EDA, na sigla em alemão).
Ele atuou na embaixada de Madrid, na missão suíça na Comunidade Européia (CE) em Bruxelas e na embaixada de Londres.
De 1984 a 1992, Kellenberger dirigiu o escritório de integração da Suíça.
Em 1992 ele foi secretário de Estado e chefe da Direção Política do EDA. Kellenberger também coordenou a delegação suíça nas negociações bilaterais com a UE.
Desde 2000 ele é presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICR).
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