Cruzando os Alpes nos rastos dos romanos
Não é preciso saber esquiar para curtir férias de inverno na Suíça. O país tem mais de mil quilômetros de trilhas especialmente marcadas para caminhadas na neve.
swissinfo fez um teste no percurso que liga Kandersteg, no cantão de Berna, ao balneário termal de Leukerbad, no Valais, um dos caminhos por onde os romanos teriam cruzado os Alpes.
Kandersteg lembra um dos inúmeros cartões postais dos Alpes suíços. Cercado de montanhas e situado a 1.200 metros acima do nível do mar, não só é uma badalada estação de esqui, como também durante o ano inteiro ponto de partida para caminhadas nas montanhas.
O trem leva cerca de uma hora para transpor os 63 km que separam este município alpino de 1.200 habitantes de Berna, a capital da Suíça. O calendário já marca primavera nesta manhã de fim de março, mas as montanhas cobertas de neve em Kandersteg dizem que ainda é inverno.
Nas ruas, muitos esquiadores, snowboarders e montanhistas a caminho dos teleféricos. A primeira impressão não engana: aqui muita gente passa suas férias.
A Secretaria Municipal de Turismo traduz isso em números: “Kandersteg tem 19 hotéis com cerca de mil camas e 800 moradias de férias com duas mil camas, um camping e 22 restaurantes. E tem 100 km de pistas de esqui de fundo.”
Uma das principais atrações às margens das pistas de esqui é o Lago Oschinensee, a 1.580 m de altitude, um dos destinos prediletos para leves caminhadas, por exemplo, para quem sente o peso da idade nas pernas ou da criança nas costas – Kandersteg aposta no turismo familiar.
O acesso mais rápido ao lago – congelado e coberto de neve no inverno – é via teleférico. Lá em cima, durante um passeio de pouco mais de uma hora em terreno quase plano, tem-se uma bela vista panorâmica das cadeias de montanhas que cercam Kandersteg.
Na opinião dos moradores locais, porém, a melhor trilha de inverno fica em outra direção. Eles apontam para Sünnbüel, ponto de partida para uma caminhada de aproximadamente três horas até o desfiladeiro Gemmipass (palavra derivada das “montanhas gêmeas” Rinderhorn e Altels que marcam a passagem sobre a cordilheira).
Silêncio e ar puro
Quem desembarca do teleférico de Sünnbüel (1.934 m) vê um cenário deslumbrante: reluzentes campos de neve a perder de vista, pontilhados aqui e ali por raras coníferas, e montanhas por todos os lados.
Depois de deixar para trás o Bergrestaurant Sunnbüel, a sensação é de estar distante da civilização. Apenas a trilha compactada por uma máquina especial e as pegadas de sapatos na neve denunciam a presença do ser humano. O resto é silêncio, sol, céu azul e ar puro. A subida é suave e permite respirar fundo.
Um “reencontro com a civilização” acontece após duas horas de caminhada, no hotel-restaurante alpino Schwarenbach (2.060 m). Instalado numa casa construída em pedra em 1742 como estação alfandegária, ele oferece pernoite para mais de cem pessoas, a preços que oscilam entre 26 e 44 euros com café da manhã. Só quem faz reserva com antecedência consegue uma vaga.
“Rota das especiarias” e pista de “kitesurf”
O cruzamento do Gemmipass tem uma tradição que remonta ao início da Idade Média. Os romanos já teriam usado esse caminho entre a região central do cantão de Berna e o vale principal do Valais, que chegou a fazer parte de uma “rota de especiarias” entre a Itália e a Suíça.
Por ali, os alamanos (antigo povo germânico) teriam migrado por volta do ano 800 do alto rio Reno, ao norte dos Alpes, para o centro do Valais. A trilha também é uma espécie de ponte entre dois microcosmos lingüísticos. Na região de Kandersteg ainda se ouve o chanderstägertütsch, um dialeto especial dos Alpes bernenses recheado de expressões de dialetos falados ainda hoje por cerca 80 mil habitantes do Valais.
Com a ascensão do balneário Leukerbad no século 18, o governo estadual de Berna ajudou a escavar na rocha em 1739 o atual traçado do caminho. Na década de 1950 chegou a ser discutida a construção de uma autoestrada sobre o desfiladeiro, de Kandersteg a Leukerbad, projeto que, felizmente, não saiu do papel.
Uma autoestrada teria “violentado” essa paisagem romântica em grande parte ainda intacta, uma impressão que é reforçada pelo Lago Daubensee (a 2.206 m de altitude). No inverno, ele congela e vira pista de esqui de fundo e palco para a prática do kitesurf, um esporte radical sobre esquis ou snowboards puxados por parapentes.
Vacas e marmotas
A partir do Daubensee, caminha-se cerca de meia hora até chegar ao Gemmipass (2.322 m), que desde 1995 pode ser cruzado a pé também no inverno – antes isso era possível só no verão.
Entre o Natal e a Páscoa, a neve nessas alturas é garantida. No verão, rebanhos de vacas pastam à beira do lago e, com um pouco de sorte, ainda se pode ver animais selvagens, como o cabrito montês, a camurça e a marmota – o animal mais conhecido da fauna alpina.
No ponto mais alto da trilha, onde se tem uma vista panorâmica para os Alpes de Berna e do Valais, fica o Berghotel Wildstrubel, construído há dez anos. Quem não quiser pernoitar ali, por preços entre 20 e 44 euros com café da manhã, pode descer a pé ou de teleférico para Leukerbad, onde não faltam opções para hospedagem.
A “coroação” da caminhada – dizem os entendidos – é relaxar nas piscinas termais de Leukerbad. O povoado de 1.500 habitantes cercado de montanhas rochosas é conhecido desde o tempo dos romanos por suas fontes termais, que supostamente curam doenças crônicas da pele, reumatismo e até esgotamento mental. E, com certeza, fazem milagres contra pernas cansadas.
swissinfo, Geraldo Hoffmann
Algumas regras as serem observadas para caminhadas nas montanhas durante o inverno europeu.
1. Informe-se sobre as previsões de tempo e somente inicie a caminhada com tempo bom.
2. Use somente trilhas marcadas e respeite as dicas de segurança.
3. Informe alguém (na estação de partida ou chegada) sobre sua rota planejada.
4. Use sapatos (eventualmente “raquetes”) e roupas apropriados para a neve.
5. Use luvas, boné, óculos e protetor solar.
6. No vento, a temperatura sentida costuma ser de 5 a 10° C inferior à apontada pelo termômetro.
7. Leve algo para comer e beber.
8. Para longas caminhadas, recomenda-se levar um kit de primeiros socorros, um cobertor isolante e um telefone celular.
9. Respeite as pistas de esqui – especialmente as marcadas para esqui de fundo.
10. Não exagere: é melhor fazer uma caminhada curta do que correr risco por esgotamento.
Fonte: www.schneeschuhpfade.ch
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