Fim da missão na Colômbia coloca Berna em apuros
O encerramento da mediação suíça no conflito da Colômbia indica que o governo em Bogotá optou pela linha dura nas relações com as Farc, mas também coloca o governo suíço sob pressão.
A União Democrática do Centro (UDC, direita nacionalista que se autodenomina oposição) quer que a ministra das Relações Exteriores, Micheline Calmy-Rey, e o mediador Jean-Pierre Gontard expliquem no Parlamento os detalhes da missão.
Sob a manchete „Contatos ‘privados’ com os rebeldes da Farc”, o jornal NZZ.ch, de Zurique, levanta nesta quinta-feira uma questão que pode colocar Calmy-Rey em apuros:
– Por que uma mediação considerada prioritária pela diplomacia suíça foi feita por uma pessoa que não tem contrato de trabalho com o Ministério das Relações Exteriores e, portanto, não é obrigada a prestar contas de seus atos ao governo?
No momento, a Suíça participa de cerca de 20 mediações em cerca de 15 países. Nem sempre são diplomatas que fazem as mediações de conflitos. Representantes do mundo acadêmico geralmente recebem um contrato para o período da missão.
Em muitos outros conflitos, atuam mediadores “privados” apoiados pelo governo, por exemplo, funcionários do Centro para Diálogo Humanitário de Genebra, mas estes não se apresentam como mediadores oficiais.
Contatos “privados”
No caso da Colômbia, o professor Jean-Pierre Gontard, do Instituto Universitário de Estudos do Desenvolvimento (IUD), de Genebra, que tinha contatos com as Farc desde 1998, tornou-se uma espécie de “encarregado especial” para o assunto e recebia suas tarefas diretamente da ministra.
Ele não é diplomata nem funcionário público federal e sim, segundo o NZZ, “uma pessoa privada, que não deve explicações sobre seus atos ao Ministério das Relações Exteriores (DFAE). Esse status não foi mudado. A instrução que lhe foi dada por escrito não prevê qualquer sanção, portanto, não tem valor jurídico.”
Gontard é a única “pessoa privada” que vinha fazendo mediação em nome do DFAE. O NZZ pergunta por que foi feita essa excessão para o caso da Colômbia, que tinha prioridade máxima para Berna. Por outro lado, pode-se questionar também porque o governo colombiano não tirou antes o mandato de Gontard, se não estava satisfeito com ele.
O Tagesanzeiger.ch levanta ainda outras questões: os documentos entregues a Berna pela embaixadora colombiana realmente provam que Gontard simpatizou com os rebeldes? Ele teria feito isso com a concordância da Suíça? Quais são as conseqüências que a Colômbia espera da Suíça? A Suíça vai reagir às acusações da Colômbia?
Perguntas e mais perguntas.„Hoje aumentou a pressão política sobre Calmy-Rey”, acrescenta o Tagesanzeiger. A UDC anunciou que vai convocar a ministra e Gontard para explicar a mediação na Colômbia na Comissão de Política Externa do Parlamento suíço.
Opção de Uribe pela linha dura
Independemente das respostas que forem dadas, uma coisa parece certa: o anúncio do fim da mediação internacional prova que o governo colombiano aposta na linha dura. “Ele quer acabar com a guerrilha através da violência ou obrigá-la a capitular, ele não quer negociar com ‘terroristas’, segundo a linguagem oficial. Essa é a linha dele há muito tempo, embora não descarte ‘contatos’, escreve o NZZ, sob o título “Uribe não quer mediação”.
Segundo o diário de Zurique, com a expulsão dos mediadores da França, da Espanha e da Suíça, Bogotá torna clara a sua posição. “O trabalho dos mediadores há muito era incômodo para o governo do presidente Alvaro Uribe; ele já havia sinalizado isso antes. Mas ele não podia desconvidar os mediadores enquanto Ingrid Betancourt, a mais eminente liderança política colombiana com passaporte francês, se encontrasse refém da guerrilha – Paris dificilmente aceitaria isso”.
O jornal continua: “Pode-se encerrar atividades diplomáticas silenciosamente ou com estardalhaço. Em Bogotá, os mediadores receberam na despedida, primeiro, um ‘muito obrigado’, e então um forte chute no traseiro. O suíço Jean-Pierre Gontard foi acusado de cumplicidade com a guerrilha. As provas para essa acusação originam-se de fontes do serviço secreto, das quais se pode duvidar”.
Na opinião do NZZ, os violentos ataques ao mediador têm dois objetivos: o governo em Bogotá mostra à opinião pública da Colômbia que mediadores não dão resultado e não merecem confiança, que a estratégia do ‘combate ao terror’ é a única opção. E aos ministérios das Relações Exteriores em todo o mundo ele quer deixar claro que não deseja mediação ou intromissão.
swissinfo, Geraldo Hoffmann
Jean-Pierre Gontard é diretor do Instituto Universitário de Estudos do Desenvolvimento (IUDE), de Genebra.
No IUDE, nos anos de 1970, teve cerca de 200 alunos colombianos, entre eles o filho de Alfonso Cano, atual chefe das Farc, segundo informa o jornal El Tiempo, da Colômbia.
Gontard trabalhou durante muitos anos para a Cruz Vermelha Internacional na África, no Oriente Médio e na Ásia.
Também realizou numerosas missões e consultorias para governos, organizações internacionais e ONGs.
Seu trabalho concentra-se em conflitos internos e, principalmente, nas relações entre subdesenvolvimento e violência.
Ele atua como conselheiro externo do Ministério das Relações Exteriores da Suíça, ultimamente na África e na América Latina, especialmente na Colômbia.
Poliglota, Gontard fala perfeitamente castellano, com a pronúncia típica da América Latina. Ele mantém contato com as Farc desde 1998.
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