Gigantesco túnel ferroviário cortando o Gottardo
A construção do mais longo túnel do mundo, cortando o Gotardo por 57 quilômetros, é um feito da engenharia moderna.
Os desafios – pressão das rochas, altas temperaturas, remoção de milhões de toneladas de pedras – foram muitos e a Mãe Natureza, frequentemente, não tem facilitado a vida dos trabalhadores, na execução dessa importante obra.
A estrutura básica do túnel do Gotardo permitirá a instalação da mais importante linha ferroviária plana através dos Alpes. Construída até a altura limite de 550 ms acima do nível do mar – correspondente à altitude da capital suíça, Berna – a nova linha reduzirá em 90 minutos o percurso Zurique-Milão.
“Para se construir um projeto de grandeza tamanha é necessário dividi-lo em diversos trechos. Se, ao contrário, se começasse a construção, apenas, nas duas extremidades, seriam necessários pelo menos 20 ou mais anos para concluir a obra,” conforme revelou à swissinfo.ch o engenheiro chefe, Heinz Ehrbar, da empresa Alp Transit.
“Desse modo, as perfurações foram divididas em cinco trechos: no norte, Erstfeld e Amsteg; no centro, Sedrun, e na outra ponta, Faido e Bodio“.
Esses cinco canteiros de obras reduziram o tempo de perfuração pela metade. A parte final desses trechos, na zona leste do túnel, entre Faido e Sedrun, estará concluída dia 15 de outubro. O túnel deverá ser aberto ao tráfego, depois de completamente acabado, em 2017.
Uma panorâmica do túnel
O esqueleto do túnel é formado por simples tubos interligados a cada 312 metros através de galerias. Os trens podem trocar de túneis nas estações multifuncionais de Sedrun e Faido, as quais são dotadas de sistemas de ventilação, segurança e sinalização.
Estão previstas também paradas de emergência a cada 20 km, das quais os passageiros podem ser evacuados, caso ocorra um incêndio ou um acidente.
“Todo o complexo do Gotardo tem uma extensão superior a 150 km de estruturas que exigiram enorme volume de trabalho subterrâneo” acrescentou Ehrbar.
Para perfurar o túnel, são usados perfuratrizes, métodos explosivos e “tatuzões”. Estes realizam 60% dos trabalhos.
Um total de aproximadamente 24 milhões de toneladas de rochas serão escavadas para a abertura do túnel, orçado em 9.74 bilhões de francos suíços (US$ 9.5 bilhões).
Sem mistérios
Kalman Kovari, consultor do projeto e professor especializado na matéria, do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, disse que a perfuração de túneis não é um trabalho tão misterioso quanto parece. É simplesmente uma atividade de engenharia que utiliza as formações naturais (“formação” no sentido geológico do termo).
“Muitas pessoas acham que estamos totalmente expostos às arbitrariedades da natureza, mas isso não é certo.”
Geólogos e especialistas em mecânica de solo rochoso fazem pesquisa detalhada da área. Em seguida, um grupo de técnicos define a melhor diretriz e executa o projeto do túnel.
O trabalho de perfurar um longo, grande e profundo túnel apresenta desafios particulares.
“Surgem muitos problemas, como profundidade, rigidez rochosa, possível alta pressão dos mananciais de água e alta temperatura”, diz Kovari à swissinfo.ch
O problema do calor, por exemplo, é resolvido reduzindo-se a temperatura ambiente de 45º para 28º Celsius, através de um sistema de circulação refrigerada de água, tornando a vida dos trabalhadores mais suportável.
Ameaça para o projeto
A formação geológica dos Alpes – as rochas podem variar, segundo o grau de dureza, de granito a pedra porosa – é um problema. “Sabíamos que encontraríamos zonas bastante complexas para perfurar nesta escavação do túnel,” disse Erhrbar.
Muitas pessoas duvidavam se as escavações conseguiriam ultrapassar a zona de falhas rochosas em Piora, cujos testes iniciais sugeriam “solo degradado”, uma mistura de dolomita granular com água. O trabalho foi suspenso – todo o projeto ameaçado – enquanto os engenheiros debatiam soluções.
Novas perfurações foram executadas descobrindo-se que a baixa qualidade do estrato rochoso não chegava, como se temia, às profundezas do nível do túnel.
Havia também uma outra área de dificuldade ao norte de Sedrun, onde as rochas, esfareladas e soltas, eram sujeitas a fortes pressões.
Tecnologia de mineração
“Nas minas de carvão (na Alemanha) construímos um túnel com tecnologia de minas. Aqui estamos diante de algo totalmente novo, a construção subterrânea de um túnel ferroviário”, explicou Ehrbar.
O trabalho atual inclui a utilização de anéis de aço que sustentam a escavação e de um sofisticado sistema que deforma a rocha sem destruí-la, como forma de reduzir a pressão.
Mas Ehrbar jamais pôs em dúvida a viabilidade do túnel. Globalmente a construção estava indo bem. “Estamos estudando para ver se podemos inaugurar o túnel um ano antes do programado”, disse ele.
O “vazamento” do túnel, segundo Ehrbar, será de “grande emoção”, momento durante o qual todos se lembrarão dos altos e baixos desse gigantesco projeto.
Para Kovari, o pioneirismo da estrutura de base do túnel do Gotardo é sua execução e a logística empregada – gente, máquinas, fornecimento de energia, riscos gerenciais – que a obra envolveu.
A sinceridade ao enfrentarmos desafios como Sedrun ajuda. “Não havia no mundo exemplos semelhantes. Aprendemos, entretanto, diante de outros trabalhos e aproveitamos as experiências,” disse o professor.
Pioneirismo do passado
Kovari, contudo, não diria que a Suíça é um país de especialistas na construção de túneis. Nações como a Grã-Bretanha detém longa tradição. A topografia suíça, porém, elevou a capacidade de “tunelagem” suíça a um grau muito mais alto.
“É uma habilidade especial brotada da necessidade e da contínua atividade, em período de quase 150 anos,” observou.
Os primeiros e pioneiros túneis suíços foram o túnel rodoviário do Gotardo e o ferroviário do Simplon.
Os “tuneleiros” enfrentaram grandes distâncias e temperaturas de mais de 60 graus. E, é claro, condições de trabalho não tão boas quanto as atuais, com muitas mortes.
A Suíça especializou-se no setor através dos anos. Mas tanto Kovari como Ehrbar ainda sentem especial admiração pelos pioneiros do século XIX.
“O antigo túnel ferroviário do Gotardo ou o atual Simplon também foram os maiores do mundo, em sua época”, disse Ehrbar. “Acho que precisamos ter um profundo respeito pelo que fizeram nossos bisavós.”
O Túnel de Base do Gotardo (previsto para 2016-17) e o Ceneri (previsto para 2019) criaram uma ultramoderna ligação ferroviária plana cujo ponto mais alto está a 550 metros acima do nível do mar. É muito mais baixo do que o ponto mais alto da atual estrada através das montanhas, situado a 1.150 metros.
Para os passageiros, a ferrovia, que atravessa a Suíça, tornou-se mais plana, com 40 km a menos e mais rápida. Os trens de carga, também viajando em ferrovias planas, podem ser maiores e transportar duas vezes mais peso – 4.000 toneladas invés de 2.000 toneladas.
Serão até duas vezes mis rápidos.
Estes 2 túneis, juntamente com o de Lötschberg (inaugurado em 2007), foram a estrutura chave da NRLA (Nova Ligação Ferroviária através dos Alpes). A NRLA é um dos maiores projetos em construção no mundo e inclui a ampliação das duas linhas ferroviárias Norte-Sul através da Suíça.
O custo total da NRLA deve atingir a casa dos 18-20 bilhões de francos (9.74 bilhões para o novo projeto do. Gotardo).
Assim que o túnel entrar em operação, paradas de emergência proporcionarão espaços através dos quais os passageiros poderão sair ou serem evacuados. Não precisarão cruzar a via permanente ou usar elevadores. Eles serão transferidos para composições de resgate.
Caso ocorra um acidente, serão acionados exaustores para retirar fumaça na área afetada e ar refrigerado será injetado no interior das paradas de emergência, nos túneis paralelos e nas galerias de conexão. Um sistema próprio impedirá a entrada de fumaça da área de escape para o túnel não afetado.
Se um trem parar antes de uma estação de emergência, os passageiros poderão usar as galerias de interligação rumo a outro túnel ferroviário.
Especialistas dizem que a viagem ferroviária de alta velocidade é estatisticamente o sistema de transporte mais seguro. Os dois túneis que formam o Túnel de Base do Gotardo não representam risco de colisão de composições ferroviárias pois possuem sofisticadas medidas de alta segurança técnica, garantem.
Fonte: AlpTransit
(Traduzido do inglês por J.Gabriel Barbosa)
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