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Roger Federer conta como surfou a ‘boa onda’ do tênis por 24 anos

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Roger Federer, maio de 2024 Keystone / Ennio Leanza

Quando Roger Federer olha fotos suas antigas jogando tênis, ele precisa se esforçar para perceber que é ele mesmo. “É incrível pensar que eu estava lá, nos maiores palcos. É quase surreal lembrar que esta costumava ser a minha vida.”

Durante os seus 24 anos de carreira, explica, esteve dentro de “um túnel, surfando na onda boa,  correndo pelo mundo, correndo nas quadras, lutando e tentando estar sempre alerta. Me preparando para a próxima coletiva de imprensa, para o próximo happy hour ou posando com um fã. Então, quando de repente você se desliga, quase parece que não era eu.”

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FT

Federer se aposentou em 2022 aos 41 anos, depois de ganhar 20 títulos de Grand Slam e iluminar o tênis com sua elegância dentro e fora da quadra. E continua sendo um cavalheiro, que aparece com um sorriso radiante no Zoom no minuto combinado para a entrevista. Mas, agora aposentado, ele pode refletir sobre as forças e potências que possibilitaram sua carreira. Suas reminiscências vem acompanhadas por imagens de uma nova biografia fotográfica que narra sua jornada desde a criança loira empunhando raquetes, passando pelo jovem profissional de cabelos desgrenhados até chegar no melhor jogador do mundo e na sua rivalidade com Rafael Nadal, que definiu sua carreira. Federer agora alcançou a distância necessária para explicar o próprio Federer.

“Não cresci com pessoas me dizendo que seria o melhor jogador do mundo. Quando eu tinha 14 anos, meu Deus, ainda estava muito longe de realmente ter essa crença”, diz ele. Ele sabia que tinha “algum talento”, mas seu objetivo era apenas entrar nas competições e entrar em quadra com as estrelas.

Escolher quais fichas apostar

A carreira de Federer começou a disparar aos 15 anos, quando ele venceu seu primeiro torneio internacional júnior em Lille, em 1997. O ponto de virada seguinte foi vencer o prestigiado torneio Orange Bowl, na Flórida, em 1998, e terminar o ano como número um do mundo júnior. “Lembro que em Key Biscayne estávamos nesta casa e fiz uma piada [sobre] como estava escrito na porta: ‘Aqui mora o número um do mundo’. Lembro-me de esperar secretamente que isso também pudesse acontecer um dia, na competição de profissionais.”

Aconteceu, mas não imediatamente. Federer teve que esperar até o início de 2001 para conquistar seu primeiro título sênior. Amadurecer como jogador, ele diz, “se resume a escolher em quais jogadas vai investir. Quando você tem muitas opções, pode ser muito confuso porque você não sabe o que escolher. Acho que foi por isso que tive um início de carreira complicado. E sendo um jogador naturalmente ofensivo, às vezes eu ia muito alto, muito cedo, em vez de esperar mais uma tacada, ou usar 90% de potência em vez de 95.”

Ele gosta de observar os jovens jogadores porque eles “fazem coisas malucas e às vezes são recompensados, às vezes não. À medida que envelhecemos, você joga mais com as porcentagens e percebe o que funciona contra qual jogador e em qual superfície. Você não pode explicar, vem de dentro de você.”

Rivalidade com Nadal

Em 2005, ele tinha 23 anos e era o número um do mundo, quando Rafael Nadal, com 19 anos e dois dias, venceu o Aberto da França. O rival desde então viraria quase tão onipresente na vida (e nas imagens do livro) quanto a esposa de Federer, Mirka. Mais do que qualquer outro adversário, ele forçou Federer a dar o melhor de si.

“Por causa de seu estilo de jogo único, capaz de jogar na linha de base, sendo tão bom no saibro com os rebotes ruins, com respostas mais pesadas do que qualquer outro contra quem já joguei, ele me deu muito mais problemas do que outros jogadores. Ele me fez questionar, voltar à prancheta e elaborar um novo plano – e forçou também a não pensar demais. Às vezes era apenas: trabalhar meu backhand alto no giro para a esquerda. Eu só tinha que enfrentar o estilo de bola dele com mais frequência”.

“O slice contra o Rafa não era uma boa jogada porque ele contornava o slice com muita facilidade e o acertava com o forehand. Isso me abalou, mas também foi o desafio mais lindo que já enfrentei. Estou feliz por isso, embora no começo eu pensasse: ‘Prefiro não seguir esse caminho, prefiro apenas continuar jogando meu jogo’”.

As rivalidades com Andy Murray e Novak Djokovic eram de outra natureza. “Quando você perde contra caras mais do que, digamos, dez vezes, isso te abala. Acontece. Foi isso que aqueles três caras fizeram”. Mas Djokovic não forçou Federer a se refazer. “Era praticamente isso, eu precisava dar o meu melhor para vencê-lo. Foi um pensamento muito mais direto. Quando ele atingiu seu auge absoluto, foi muito difícil jogar porque ele estava em todos os lugares, ele era comprido, ele era alto, ele era rápido, ele tinha tudo. Então foi mais um desafio mental.”

Quando Federer chegou ao seu auge? “Provavelmente no final de 2007. Lembro que estava treinando em dezembro em Dubai e estava rebatendo muito bem. Eu estava tipo, ‘Caramba, está fluindo’.” Em 2008, Federer enfrentou problemas de saúde. Depois, a final do Aberto da Austrália contra Nadal em 2009 “foi talvez a melhor partida que disputamos um contra o outro”.

Depois que Federer perdeu aquela, ele chorou na quadra. “Acabei de descobrir que estávamos esperando gêmeos”, explica ele. “Então talvez eu também estivesse sensibilizado e nervoso”.

‘Toda pessoa tem arrependimentos’

O que Federer consegue hoje perceber sobre si próprio? Algo que não aparecia enquanto ainda jogava? “Acho que eu poderia ter me aposentado mais cedo. Porque quase não importa se você ganha alguns títulos extras ou fica mais alguns anos em campeonatos. No entanto, naquele calor, você não consegue pensar nisso. O mais importante é o dia seguinte, o próximo treino, o próximo ponto, o próximo jogo, a próxima semana. Gostei muito, adorei, ainda amo. Mas não tenho mais essa ansiedade dentro de mim, como se ainda quisesse estar lá fora.”

Mesmo assim, ele está satisfeito por ter concluído sua carreira, assim como seu colega de futebol Lionel Messi, que venceu a Copa do Mundo aos 35 anos. Federer observa: “Ele provavelmente está tão feliz por ter continuado jogando pela Argentina e não ter se aposentado. É fantástico ver o quanto ele ainda gosta do jogo.”

Uma imagem famosa, apresentada no livro, captura o final de Federer – sentado com Nadal em Londres após uma última partida de duplas, os dois de mãos dadas, chorando. É uma das fotos emolduradas na escadaria de Federer em sua casa. O que representa para ele? “Que a partida acabou. Pela primeira vez, sinto que estou sentado ali e absorvendo tudo.”

Depois de se despedir das quadras, Federer não caiu em um buraco negro, como alguns atletas aposentados. Pela imagem do Zoom, ele parece nem ter envelhecido. “A minha nova fase está sendo, como eu esperava, emocionante e boa. Já faz muito tempo que sentia que se parasse com o tênis, precisava encontrar um jeito de ficar bem, porque nunca se sabe quando você pode se machucar e precisar largar tudo. A vida não pode ser apenas tênis. Acho que esse tem sido um dos meus grandes pontos fortes, pensar no tênis quando preciso e logo, quando saio da quadra, estou em outro lugar. Acho que isso também manteve meu fogo aceso sem ficar enjoado e cansado de apenas jogar e pensar tênis o tempo todo.”

Observo que ele fala como um homem sem arrependimentos. Mas ele contesta: “Acho que todas as pessoas se arrependem. Talvez eu tenha dito as coisas erradas, tomei a decisão errada, ou joguei o torneio errado, acertei a tacada errada, tanto faz. Mas viver com esses arrependimentos na cabeça… esse não sou eu. Sempre fui capaz de seguir em frente muito rapidamente, especialmente na derrota.”

Ele parece uma pessoa mentalmente estável. “Obrigado”, ele responde. “Eu me sinto assim, de toda forma.”

Copyright The Financial Times Limited 2024
(Adaptação: Clarissa Levy)

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