Ilca, uma vida entre Portugal e Suíça
Trás-os-Montes, norte de Portugal. Desde os anos 50, essa região isolada, entre planícies e vales conheceu várias ondas de emigração. Originária de Torre de Moncorvo, Ilca Martinho voltou às suas origens depois de 15 anos na Suíça.
Originária de Torre de Moncorvo, Ilca Martinho voltou às suas origens depois de 15 anos na Suíça.
Em Torre de Moncorvo, região banhada pelo sol, os alto-falantes difundem permanentemente música portuguesa. Nas ruas dessa cidade (três mil habitantes), os carros são matriculados na Suíça, França e Alemanha. O verão é o mês dos imigrantes que vêm passar férias reparadoras em família, na pátria, antes de voltar para o país de acolho.
Ilca Martinho tomou um caminho diferente. Ela voltou a viver em Torre de Moncorvo após ter trabalhado em Sion, trazendo com ela sua filha, Catia. Desde então, Ilca vive dividida entre dois países e dois universos: seu marido trabalha até hoje na Suíça e seu filho vive com uma suíça.
Surpresa pelo interesse despertado pela sua pessoa, Ilca se mostra reticente antes de revelar alguns segredos pessoais. “Tenho 55 anos. Eu tinha 23 ou 24 quando abandonei meu país para seguir meu marido à Suíça, com meu filho de quatro anos. Imagine! Repentinamente eu me vi nas vinhas, eu que, apesar de ser filha de agricultores, nunca havia trabalhado no campo”.
Os olhos negros de Ilca piscam maliciosamente. Na sua grande sala repleta de móveis em madeira maciça cobertos de cristais, confortavelmente instalada no seu sofá, ela tenta resumir sua vida entre a Suíça e Portugal.
O casal Martinho, quando chega à Sion em 1982, não tem dificuldade de encontrar emprego. Os contratos de nove meses se encadeiam como mandava a lei em vigor na época, antes de obter o visto de estadia. Ilca, orgulhosa de nunca ter sido ilegal, se candidata para um emprego na empresa relojoeira Swatch e obtém um contrato de operária. Seu marido torna-se motorista de caminhão, profissão que exerce até hoje.
“Eu os visito freqüentemente e meu marido vem dois meses por ano para cá. Hoje em dia é mais fácil de ir para a Suíça”. Pudicamente Ilca não conta o que a levou a retornar à Portugal em 1997.
Uma vida melhor no exterior
Atrás das persianas abaixadas do seu opulento apartamento, para se proteger do calor, Ilca, como muitos estrangeiros, tinha um sonho.
“Nós partimos à procura de uma vida melhor. Hoje sou proprietária deste imóvel de cinco andares, de um apartamento na Suíça e comprei um restaurante aqui. Tudo feito com o dinheiro ganho e economizado”.
Ela tem orgulho de ter tido sucesso na vida, mas não esconde a saudade da Suíça. “Se eu tivesse de passar por tudo isso de novo, não sei se retornaria para Portugal. Aqui não tem nada, nada mesmo. Portugal é como o Brasil: os pobres são muito pobres e os ricos, muito ricos”.
“Por exemplo”, continua ela, “o sistema português de saúde é deficiente. É necessário esperar meses para uma consulta médica ou operação. Somente com ‘pistolão’ é possível obter um quarto no hospital”, se revolta essa mulher que parece tão determinada. Mas para Ilca, “lá na Suíça você recebe uma cama em um hospital mesmo se a outra cama está sendo ocupada por um ministro”.
Outro motivo da cólera de Ilca é a falta de motivação do pessoal, que, como explica, a obriga a colocar seu restaurante sob administração de terceiros. A mulher de negócios em que se transformou reconhece que um salário mínimo de 450 francos mensais é pouco atraente. Mas ela lamenta que o seu país não dá para a educação o valor que merece.
População pobre
Em Torre de Moncorvo, mais de 20% dos habitantes vivem ainda da agricultura. A população é idosa: os jovens partem para procurar fortuna em outros lugares. A emigração nunca cessou desde os anos 50 e 60, quando milhares fugiram da fome e da miséria.
A cada “arrepio” na economia de Portugal a emigração volta, talvez durando menos tempo ou com menos freqüência, mas o fenômeno continua. Manter a população local? O prefeito de Torre de Moncorvo aposta bastante na futura barragem que deve ser construída não muito distante da cidade.
Ilca não tem realmente intenção de voltar a viver na Suíça, mas sua netinha lhe faz muita falta. “Eu nunca imaginei que meu filho se casaria com uma suíça, sobretudo devido às diferenças culturais. É muito difícil convencê-los que a situação melhorou”, suspira Ilca.
Cátia, ou a escolha de Portugal
A filha de Ilca, Cátia, hoje com 21 anos, esperou pacientemente a mãe terminar de contar a sua história. “Eu não consigo me imaginar vivendo na Suíça. Eu nasci lá, mas nunca gostei do país. Por isso eu não fiz a mesma escolha que meu irmão”.
A jovem reconhece que teve dificuldade de se adaptar em Portugal quando chegou e hoje estuda marketing na Universidade de Leiria, não muito distante de Lisboa. Ela sabe que não irá encontrar trabalho em Moncorvo.
Resignada, a doce Cátia balança os ombros. “Se for necessário, seguramente eu terei de partir”. Mas a aventura ainda pode esperar um pouco…
swissinfo, Marie-Line Darcy
A diáspora portuguesa é de aproximadamente cinco milhões de pessoas para uma população nacional de 10 milhões de habitantes. Os emigrantes diretamente são 1,3 milhão.
Estima-se que a emigração aumentou em 18% desde 2003, o que corresponderia a 500 mil pessoas para uma população total ativa de cinco milhões.
Os principais países de destinação são a Grã-Bretanha, França, Suíça e a Espanha. Com o país vizinho, a emigração portuguesa é, sobretudo, fronteiriça. Os portugueses trabalham na Espanha durante a semana e voltam no final de semana. A emigração para esse país aumentou em 25%.
A emigração portuguesa perdeu seu caráter permanente: os lusitanos partem hoje em dia por períodos de duas ou três semanas a três meses.
Frente à falta de dados mais completos e da caracterização dessa emigração, o governo, que fala de “mobilidade profissional intereuropéia”, criou em maio de 2008 o chamado “Observatório da Emigração”, em parceria com um instituto de pesquisas.
Desde 2003, Portugal, em eterno movimento, se transformou também em terra de imigração com cerca de 450 mil estrangeiros sobre seu território, vindos, sobretudo, dos países do leste europeu. Hoje em dia, os brasileiros são a primeira comunidade estrangeira do país.
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