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Italianos veem sua própria história da imigração na Suíça

Italianos trabalharam no túnel do século 19 e trabalham na construção do túnel atual. swissinfo.ch

A imigração italiana na Suíça é um tema sempre atual. Quatro décadas depois da famosa consulta popular “Schwarzenbach”, sobre a conveniência ou não de reduzir a população de estrangeiros, a trajetória de italianos em solo suíço ganha uma semana de cinema em Milão e a publicação de um livro.

Filmes da cinemateca suíça o livro “A Itália na Suíça” – cujo autor, Renato Martinoni, é professor de literatura italiana na Universidade de St. Gallen – são uma reflexão sobre a presença italiana em vários campos: trabalho, sociedade, cultura e a herança deixada pelos pioneiros e enriquecida pela atual geração.

Uma seleção de 15 películas, entre ficções , documentários e cinejornais(1945-1970), retrata a vida nada fácil dos italianos do outro lado dos Alpes, principalmente, no período pós-guerra. Mostra ainda a viagem e a passagem pelo país italiano de clandestinos africanos e turcos rumo à Suíça.

”Achamos que o momento é bem propício para mostrar estes filmes. Eles podem contribuir para fomentar debates sobre a questão da imigração, hoje, mais do que nunca, no centro das discussões, italianas, suíças, europeias”, disse Frédéric Maire, diretor da Cinemateca Suíça, à swissinfo.ch,

Filmes raros, como Pão e Chocolate (1971, do cineasta italiano Franco Brusati), e Borderline (1930, do pintor escocês e teórico do cinema, Kenneth Macpherson, marco da vanguarda modernista), contam as dificuldades na integração de estrangeiros no país. Ambos foram rodados na Suíça. O primeiro, uma comédia, mostra as aventuras e desventuras de um italiano que trabalha como garçom; o segundo, mudo, em preto e branco, traz o drama de um casal, ela branca e ele negro, diante da resistência da sociedade local em aceitar a união mestiça.

Xenofobia, preconceito, racismo são questões que já emergem naquela época e que ainda estão presentes. E os italianos, como integrantes da primeira grande onda de imigração, tiveram que superar a rigidez suíça como primeiro obstáculo. Uma barreira que, aos poucos, foi se tornando mais maleável com as ondas sucessivas de espanhóis e portugueses, entre outros.

“Nos início, os italianos não eram vistos com simpatia. Com o tempo, eles fizeram um importante salto socioeconômico. Antes eram garçons, operários, poucos iam para a escola; hoje são proprietários de restaurantes, de empreiteiras e os seus filhos formam-se na universidade”, diz à swissinfo.ch o autor Renato Martinoni. Em seu livro “A Itália na Suíça”, ele investiga o fenômeno do italianismo, da língua, sob um atento olhar cultural e antropológico.

Italianos na Suíça

Na Europa, a Suíça é a segunda pátria de italianos imigrantes, com cerca de 220 mil, ficando atrás apenas da Alemanha, com pouco mais do dobro. E se hoje o perfil do imigrante revela a presença de empresários e pesquisadores, a primeira geração era formada por pessoas de baixo grau de escolaridade que buscavam uma vida melhor.

O documentário “Somos Italianos” (1964), realizado por Cinema Alexander J. Seiler e exibido na Semana Milanesa, mostra bem como os italianos, que na década de 1960 eram cerca de meio milhão, sofriam nos alojamentos e com a separação da família, imposta por uma complexa legislação trabalhista.

O terceiro milênio é ainda uma incógnita mas alguns sinais indicam uma leve retomada da imigração. Os dados de 2007, depois de 35 anos de saldo negativo, revelaram a entrada na Suíça de 8.540 italianos e a de 6.327. Mas quem faz as malas de volta, na sua maioria, é o italiano em idade de aposentadoria, que retorna para casa.

Para muitos destes, este é um amargo regresso. “O lugar de origem mudou muito em relação ao mito que eles próprios tinham construído; e muitos tinham se acostumado com o tipo de vida que levavam no país que os hospedou. Outros voltam, mas mantém uma estreita relação com os descendentes que ficaram e os visitam, e também com os locais aonde trabalharam”, conta Renato Martinoni.

Nova geração

Por outro lado, os filhos e netos desses imigrantes sentem-se em casa na Suíça. “Existe uma grande integração da segunda e terceiras gerações; eles estudaram, aprenderam as línguas helvéticas, criaram amizades e relações humanas. Muitos de meus alunos em St. Gallen têm nomes e sobrenomes italianos, mas falam apenas o alemão, ainda que o interesse deles pela Itália seja enorme”, explica Renato Martinoni, filho de pai suíço e mãe veneziana, nascido na Suíça italiana, no cantão Ticino (sul).

Os pais e avós italianos que viajaram, décadas atrás, em busca de uma melhor qualidade de vida deixaram legados que influenciaram a cultura do país. A Suíça é a segunda nação consumidora de massa italiana e a primeira em quantidade de jogadores de futebol italianos.

O suíço Mauro Nicastro, um dos técnicos responsáveis pela escavação do túnel do San Gottardo, é filho de pais italianos imigrados e afirmou à swissinfo: “meu coração é italiano mas a minha pátria é a Suíça. Nasci aqui. No cantão Ticino, por exemplo, quem fala alemão não tem problema para conseguir emprego. Fico feliz que o meu pai tenha escolhido este país para trabalhar e melhorar de vida.”

Na temporada passada, 20 italianos jogavam na primeira divisão do futebol suíço, a Superleague. O número chegava a 86, considerando as ligas inferiores. E mais do que nunca, a imagem do italiano na Suíça está associada ao prestígio internacional dos produtos e do estilo de vida “made in Italy”, a começar pela moda.

“Somos um povo conservador, mas somos, antes de tudo, abertos e prontos ao diálogo. Assumir, respeitar compromissos é um traço típico do caráter suíço. E isto nos ajuda a não nos isolarmos demais e a entender que as fronteiras existem para serem atravessadas”, conta o professor Renato Matinoni.

“A história da imigração italiana na Suíça permitiu ao país um desenvolvimento econômico de grande relevância, mas, certamente, a experiência, por mais dura que tenha sido, seria reiterada” , continua o autor do livro “A Itália na Suíça”.

Fronteiras

Martinoni cita o grande viajante e explorador norueguês, Thor Heyderdal (1914-2002): “atravessei muitos confins, mas as fronteiras eu as encontrei apenas na cabeça das pessoas”. Uma reflexão que vale para as barreiras mentais, linguísticas, culturais, sociais e econômicas e políticas.

Os italianos na Suíça se integraram, mas, mantém vivas as características que os diferenciam, como a personalidade extrovertida e a criatividade. “Esses são valores vistos com simpatia e algum ciúme por nós que nutrimos uma grande admiração pela cultura, pela história e uma certa desconfiança por conta da política”, explica o professor Matinoni.

Ao longo dos dois últimos séculos, italianos e suíços costuraram uma união duradoura, feita com muito sacrifício e esforço, de ambos os lados, ainda que em posições diferentes.

Tem sido assim desde que as primeiras mãos italianas começaram a escavar o túnel do Gottardo, no século XIX, e ainda continuam, com modernos equipamentos, a abrir a nova galeria para os trens de carga. O filme “San Gottardo”, da Cinemateca Suíça e exibido na Semana em Milão, compara as forças de trabalho na abertura ferroviária (1872-1882) e na rodoviária (1969-1976).

No entanto, poucos sabem que, enquanto os operários analfabetos abriam o enorme buraco na montanha, Francesco De Sanctis, intelectual italiano, assumia a cátedra de professor na Escola Politécnica Federal de Zurique, entre os anos de 1856 e 1860. Sem querer, já naquela época, ele lançava as bases da “Swiss, made in Italy”.

Guilherme Aquino, Milão, swissinfo.ch

O livro” A Itália na Suíça: Língua, cultura, literatura e viagens”, de Renato Martinoni foi publicado pela editora Marsilio. Ele redescobre os passos de italianos renomados em terra suíça, como Dino Campana, Salvatore Quasimodo, Piero Chiara, Ugo Foscolo, Poggio Bracciolini, Benedetto Croce.

A Cinemateca Suíça foi fundada em 1948. É sediada em Lausanne (oeste) e seu objetivo é conservar o patrimônio cinematográfico, restaurar filmes e promover a difusão do arquivo através de programações diárias e colaborações com outras cinematecas.

O acervo conta com 70 mil filmes, 2.300.000 fotografias, 230 mil cartazes, incontáveis livros, revistas e roteiros.
É considerado o sexto mais completo do mundo, segundo a Federação Internacional de Arquivos de Filmes (Fiaf).

O cinejornal suíço chega às telas pela primeira vez em 1923 e dura até 1930, quando perde terreno para as “atualidades” internacionais.

Foi retomado em 1939 e abandonado, definitivamente, em 1975 com a concorrência dos telejornais.

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