Kosovo: missão de paz suíça é polêmica
Comissões de política externa do Parlamento propõem ao governo suíço o reconhecimento da independência do Kosovo, que ainda gera protestos dos sérvios no país.
Parlamentares afirmam que reconhecimento não fere o princípio da neutralidade suíça, mas peritos já questionam base jurídica da missão da Swisscoy no Kosovo.
Desde 1999, a Suíça participa da Força Internacional de Paz para o Kosovo (Kfor), comandada pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Atualmente, 220 soldados da Swisscoy atuam junto com o contingente alemão e austríaco, a maioria deles estacionados em Suva Reka, uma cidade industrial de 80 mil habitantes no sul da ex-província sérvia.
A tarefa da Swisscoy é apoiar a Kfor nas áreas de logística, infantaria, polícia militar e transporte aéreo (com helicópteros). Políticos e especialistas questionam, porém, se a presença militar suíça no Kosovo ainda é legal.
Precedente perigoso
Para Thomas Fleiner, professor de Direito da Universidade de Friburgo, é evidente que, “com a declaração unilateral de independência do Kosovo, não há mais fundamento jurídico internacional para essa missão”.
Ele adverte que a independência do Kosovo pode se tornar um precedente perigoso para a Suíça. Assim, por exemplo, os sérvios na Bósnia poderiam exigir sua separação da Bósnia e a anexação à Sérvia. O mesmo vale para os croatas na Bósnia.
“Isso pode desestabilizar toda a região. Também as regiões da Abkházia e da Ossétia do Sul, de maioria russa, na Geórgia; o Transdniester, de maioria russa, na Moldávia; ou regiões da África e da Ásia poderiam pedir sua independência”, afirma.
Segundo Fleiner, o mandato da Kfor baseia-se na resolução 1244 de 1999 da ONU, que garante ampla autonomia para a província do Kosovo, a integridade territorial da Sérvia e permite o envio de tropas internacionais.
Neutralidade ameaçada
O professor de Estudos Estratégicos da Universidade de Zurique, Albert Stahel, vê na continuidade da missão da Swisscoy no Kosovo uma séria ameaça à neutralidade suíça.
O Partido Verde e a União Democrática de Centro (UDC) pedem a interrupção da missão. O deputado federal Alexander Baumann (UDC) propõe a retirada imediata das tropas suíças do Kosovo. Não se deve esperar até que a situação na região piore, argumenta.
“Nossa presença no Kosovo não faz mais sentido e coloca em risco a posição internacional da Suíça”, diz Baumann.
Base jurídica
No final de janeiro passado, a Comissão de Segurança da Câmara dos Deputados propôs a prorrogação da missão até 2011. Para a Comissão e o governo suíço, a declaração de independência do Kosovo não invalida a resolução 1244 da ONU.
“Somente o Conselho de Segurança (CS) da ONU tem o direito de revogar a resolução”, diz Bruno Roesli, comandante do Centro de Competência Swissint das Forças Armadas. “Só se o CS baixar uma nova resolução o governo suíço teria de esclarecer, se a base jurídica para a manutenção da presença da Swisscoy continua valendo”, explica.
Espiral da violência
Caso o Parlamento apóie a interpretação do Conselho Federal (Executivo), esse dilema teoricamente estaria resolvido. Mas, na avaliação do deputado verde Josef Lang, a declaração de independência do Kosovo pode desencadear uma espiral da violência.
Nesse caso, se levantaria a questão de uma intervenção militar numa situação de guerrilha ou de guerra, o que é proibida pela lei militar suíça.
Interesses econômicos
A questão não é apenas política. Sérvia, Azerbaijão, Quirguízia, Polônia, Tadjiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão fazem parte do grupo de países representados pela Suíça no Banco Mundial e no Fundo Monetário Internacional.
Com o reconhecimento da independência do Kosovo, o governo suíço poderia irritar a Sérvia, que eventualmente se retiraria desse grupo e assim enfraqueceria a posição da Suíça.
“Essa preocupação é pertinente”, diz Tânia Kocher, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores. Ela acrescenta, porém, que “as relações com a Sérvia são excelentes. O governo em Belgrado está muito satisfeito com nosso trabalho junto às instituições financeiras internacionais. Por isso, descarto uma desistência da Sérvia”.
Tanta certeza contrasta com a posição do ministro das Finanças, Rudolf Merz, que criticou sua colega de gabinete Micheline Calmy-Rey (Relações Exteriores) por defender o reconhecimento do Kosovo.
swissinfo, Paolo Bertossa
Cerca de 5 mil de pessoas – a maioria imigrantes sérvios – participaram neste final de semana de protestos em Genebra e Zurique contra a independência do Kosovo.
O embaixador sérvio em Berna, Dragan Marsicanin, disse ao jornal Sonntag que a Suíça ameaçaria, com um reconhecimento da independência do Kosovo, as relações tradicionalmente boas com Belgrado.
O primeiro-ministro do Kosovo, Hashim Thaci, que nos anos de 1990 estudou em Zurique, disse em entrevista ao Neue Zürcher Zeitung AM Sonntag que o Kosovo em breve abrirá uma embaixada em Berna.
Na Suíça vivem entre 170 mil e 190 mil kosovares (cerca de 10% da população do Kosovo).
O orçamento do governo federal para 2008 prevê 13,9 milhões de francos suíços para programas de ajuda ao Kosovo.
As comissões de política externa da Câmara e do Senado recomendaram ao governo suíço que reconheça a independência do Kosovo, mas também se empenhe pela defesa das minorias étnicas na ex-província sérvia.
O Conselho Federal (Executivo) deve tomar uma decisão sobre o assunto ainda esta semana.
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