Legista tem dúvidas sobre “suicídio” em Guantânamo
O professor de medicina legal que examinou o corpo de um detento morto na base americana exprime suas dúvidas. Ele afirma que muitas perguntas continuam sem resposta.
Para Patrice Mangin, as provas à disposição parecem indicar a tese do suicidio mas o legista não pode ter certeza a 100%.
“O que acho lamentável, explicou o professor Mangin à imprensa, é que mesmo se não há razões de duvidar da tese do suicídio, não nos forneceram todas as provas que permitiriam estabelecer claramente essa tese”.
Segundo as autoridades dos Estados Unidos, o iemenita Ahmed Ali Abdullah, homem de cerca de 30 anos, foi encontrado enforcado em sua célula, dia 20 de junho de 2006. Na mesma noite, outros dois prisioneiros da base, dois sauditas, também morreram. Para eles, a tese oficial também é de suicídio por enforcamento.
Na época, o governo de Washington provocara uma onda de cólera quando oficiais de alto galão qualificaram esses suicídios de “atos de guerra”.
A família do jovem iemenita recusou os resultados da primeira autópsia, feita em Guantânamo, alegando que jamais Ahmed Ali Abdullah suprimiria sua própria vida.
Então ela contatou Alkarama, uma ONG de defesa dos direitos humanos sediada em Genebra, que mandatou o Instituto Universitário de Medicina Legal de Lausanne (IUML), oeste da Suíça, para fazer uma segunda autópsia. Esta foi feita em um hospital militar de Saana, capital do Iêmem, por uma equipe dirigida por Patrice Mangin.
A causa da morte
Seu relatório, apresentado à imprensa, em Genebra, indica claramente que o suicídio é a causa mais provável da morte do detento. Mas o professor Mangin não exclui outras hipóteses porque não teve acesso certas partes do corpo e a certas informações vitais.
Nesse sentido, foi feito um pedido formal às autoridades médicas militares dos Estados Unidos, solicitando uma cópia dos resultados da primeira autópsia, amostras histológicas e biológicas e também explicações adicionais sobre a morte de Ahmed Ali Abdullah, mas o legista suíço não obteve resposta.
Na segunda autópsia, os especialistas suíços detectaram traços de marcas no pescoço, porém a ausência de órgãos nas regiões da faringe, laringe e traquéia. Esses órgãos são portanto os mais importantes a examinar em caso de enforcamento.
Aliás, a equipe do professor Mangin ainda não sabe como o corpo foi encontrado, qual era a natureza exata do material em volta do pescoço e que medidas foram tomadas para reanimá-lo. Equimoses nas costas da mão direita podem sugerir que houve punção por via venosa.
Os especialistas suíços não foram autorizados a examinar os corpos dos outros detentos mortos na mesma noite mas, segundo eles, o legista saudita que realizou a segunda autópsia disse ter econtrado os mesmos problemas.
A resistência dos prisioneiros
Ahmed Ali Abdullah passou quatro anos em Guantânamo. Segundo as organizações de defesa dos dieitos humanos, ele e os dois sauditas lideravam a resistência entre os prisioneiros.
De acordo com Rachid Mesli, diretor jurídico da Alkarama, muitas testemunhas não acreditam na tese do suicídio. Ele acha que a tese de um “suicídio coletivo” também não tem fundamento e isso por várias razões. Além disso, os prisioneiros são alvo de vigilância quase constante e é praticamente impossível amarrar uma corda em uma cela de Guantânamo.
Dan Wendell, porta-voz da embaixada dos Estados Unidos em Berna, insiste no fato que Washinton leva muito a sério suas responsabilidades em Guantânamo.
“Fazemos todo o possível para proteger os detentos, mesmo contra suas próprias tentativas de automutilação”, explica ele a swissinfo.
E o porta-voz acrescenta que os corpos dos prisioneiros mortos foram tratados como humanidade e no respeito de suas tradições culturais.
swissinfo, Adam Beaumont em Genebra
A ONG Alkarama vai transmitir o dossiê dos supostos suicidas de Guantânamo aos relatores especiais das Nações Unidas para as execuções extrajudiciais sumárias ou arbitrárias e pelos direitos humanos na luta contra o terrorismo.
A família de Ahmed Ali Abdullah pretende mover uma ação na justiça dos Estados Unidos para obter informações sobre as circunstâncias de sua morte.
Desde 2002, os Estados Unidos detêm base de Guantânamo, em Cuba, pessoas suspeitas de ligações aos movimentos terroristas.
Esses prisioneiros serão aproximadamente 400, originários de mais de 30 países. O governo suíço e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha fazem parte das numerosoas instâncias que se dizem preocupadas pelo respeito dos direitos humanos em Guantânamo.
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