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Lenzburg, a penitenciária mais severa da Suíça

Lenzburg é tão segura que até a secretária do diretor pode passear por ela e mostrá-la ao repórter. swissinfo.ch

Celas de sete metros quadrados, trabalho obrigatório, um código de conduta que regula a vida dos detentos nos mínimos detalhes e penaliza à menor falha: a penitenciária de Lenzburg, construída em 1864, é a mais antiga e a mais severa da Suíça.

Os 180 detentos que vivem atrás dos seus muros vêm de todas as partes do mundo. swissinfo esteve por lá e mostra como uma prisão helvética consegue ser diferente das outras.

A cela é tão apertada, que seu ocupante, um iraquiano, precisa sair dela para deixar o visitante entrar. Por trás da porta de aço está o mundo em que ele vive há mais de dois anos, desde que foi condenado por tráfico de drogas: um pequeno cubículo com 2 metros de largura, 3,6 metros de comprimento e 3 metros de altura, um espaço pouco ideal para claustrofóbicos.

A janela tem grades duplas e só dá visão para o céu. “No século XIX, as janelas foram construídas dessa forma para permitir que só o nosso Senhor pudesse ser visto”, brinca o diretor da prisão. A pequena latrina está escondida dentro de um armário.

Salah (n.r.: nome criado pela redação) é disciplinado e preza pela a limpeza. Para dar um ar caseiro à sua cela, ele cobriu com plásticos e um pano a mesa e a estante, os poucos móveis de que dispõe além da cama, que pode ser levantada e fixada na parede durante o dia. As cores combinam com a cortina azul que cobre a janela. A pequena televisão e o aparelho de som são o seu único luxo.

Ao contrário do que se vê na maioria das outras celas, o iraquiano não gosta de cartazes impressos. Assim pregou apenas um pequeno calendário no armário pendurado na parede. “É para contar os dias que faltam para cumprir a pena”, diz ele laconicamente com um alemão rudimentar que aprendeu com os agentes carcerários.

Sua sorte é que muitos outros detentos falam árabe. Muitos vêm de países como Palestina, Marrocos, Líbano, Argélia ou Mauritânia. No total, a penitenciária de Lenzburg conta com presos de 42 diferentes nações. Apenas 20% são suíços. O número elevado de estrangeiros não se deve a taxas anormais de criminalidade, mas sim ao risco maior de fuga que representa essa população, ao contrário dos criminosos suíços.

Em forma de estrela

Quando foi construída, em 1864, a penitenciária de Lenzburg era a mais moderna da Suíça. Hoje ela é a mais antiga. Nas suas 182 celas vivem, em média, 175 detentos que cumprem, em sua grande maioria, penas de até cinco anos. Além dos criminosos comuns, ela abriga também algumas “celebridades” consideradas extremamente perigosas para a sociedade, como o pederasta e assassino serial de crianças Werner Ferrari. Para vigiá-los e garantir a segurança do complexo, um batalhão de 130 agentes trabalham dia e noite em Lenzburg.

Localizada nos arredores de um pequeno povoado com o mesmo nome no cantão da Argóvia (centro da Suíça), a penitenciária é um prédio em forma de estrela com cinco braços. Em cada um dos pavilhões, as celas estão dispostas em três andares, uma fileira ao lado da outra. No centro do complexo está a torre de controle, uma construção que se assemelha com um jardim de inverno e também conhecida pela expressão de “Panopticum”. Ela é uma das principais características de penitenciárias construídas nessa época, por permitir o máximo de controle com o mínimo de pessoal. Dela, os agentes têm visão total de tudo o que se passa nos corredores e nas celas graças a câmaras internas de TV e sensores especiais.

A entrada principal da penitenciária é guardada por um sistema de portas de segurança. Visitantes e funcionários precisam passar por detectores de metal e deixar seus pertences serem controlados por aparelhos de raios-X. Os funcionários e as visitas masculinas ainda são registrados e controlados por um sistema de escaneamento eletrônico da íris dos olhos. “Isso é para impedir troca de identidade e fugas. Nossa penitenciária já está no século XXI”, afirma orgulhosa Heidi Gautschi, assistente do diretor e responsável muitas vezes pelas visitas da imprensa.

Controle nos mínimos detalhes

Cada penitenciária na Suíça têm suas próprias regras, assim como Lenzburg. “Logo ao chegar, o detento recebe um livreto traduzido em vários idiomas onde estão escritos seus direitos e deveres. Com isso, os conflitos são evitados e a vida atrás dos muros se torna mais suportável”, explica Gautschi.

Na penitenciária de Lenzburg, o detento pode telefonar no máximo doze minutos por semana – celulares são proibidos e também não funcionam graças a um sistema israelense ultramoderno de bloqueio, que custou 350 mil francos (US$ 314 mil) aos cofres públicos. As visitas estão limitadas a duas horas por semana. Elas são reguladas através de um conjunto de regras impresso em quinze páginas. Os detentos só podem receber cinqüenta francos como presente e os pacotes são permitidos, mas todos passam por um controle no aparelho de raios-X.

Nas celas são permitidos apenas alguns objetos pessoais, como aparelhos de som, televisores e computadores – alugados da própria instituição – ilustrações, livros, plantas (com exceção de maconha e pimenta, que pode ser jogada nos olhos dos agentes). Pornografia é proibida, assim como escovas de dente eletrônicas (podem ser utilizadas para fabricar aparelhos estranhos) e animais. A lista se estende por vários capítulos. Recentemente, os guardas começaram a aprender a vasculhar computadores. “Para evitar que material proibido entre no presídio”, explica Marcel Ruf, diretor da penitenciária e há seis anos no cargo.

Tanto rigor transparece na relativa tranqüilidade que reina em Lenzburg. “Em 2007, tivemos apenas seis casos de pancadaria. A última fuga ocorreu em 2006. Em média, temos apenas duas tentativas por ano”, conta orgulhoso Ruf. O diretor revela que o segredo da irrepreensível disciplina e limpeza deve-se à aplicação de um simples princípio. “Regalias na prisão, como o direito de visita, telefone ou mesmo a televisão no quarto, dependem do comportamento do detento. Se este não condiz com as nossas regras, então cortamos”, conta.

Dependendo da origem étnica do detento, penalizações simples podem ter efeitos surpreendentes. “Africanos, por exemplo, que são pessoas geralmente muito sociáveis e que necessitam estar em companhia de outros, sofrem extremamente se ficam trancados nas suas celas individuais. A punição fica mais dura se retiramos por duas semanas a sua televisão. O aparelho é para muitos a única janela para o mundo. Quem passa por isso, geralmente muda seu comportamento”, explica Marcel Ruf.

Regras como forma de socialização

Para o diretor de Lenzburg, as regras estritas da penitenciária ajudam a socializar. “Aqui muitos têm pela primeira vez na vida um cotidiano com horários fixos e tarefas para cumprir”.

O programa diário começa – 365 dias por ano – pontualmente às seis da manhã. As sirenes tocam e os detentos acordam para esperar o café-da-manhã, trazido às 06h45min por outros detentos e passado através de pequenas janelas basculantes das portas de metal das celas. Quinze minutos depois, as portas são abertas e os detentos se dirigem aos seus postos de trabalho.

“Aqui o trabalho é obrigatório e não um programa voluntário. Apenas os doentes e os detentos mais velhos estão liberados. Quem se recusa, pode perder também seus privilégios”, revela Ruf. As atividades ocorrem em uma das quatorze oficinas ou unidades de produção agrícola que funcionam no complexo penitenciário.

Como numa pequena cidade, a prisão de Lenzburg dispõe de marcenaria, serralheria, gráfica, sapataria, tinturaria, padaria, cozinha, uma oficina para receber encomendas rápidas da indústria e até mesmo uma loja para vender os produtos de artesanato e agrícolas. Estes últimos vêm da fazenda, com 70,63 alqueires, onde são plantadas e colhidas frutas e legumes, além da produção de oito mil litros anuais de leite ou mesmo vinho, vendido na lojinha ao lado.

Os detentos não trabalham de graça. Eles recebem salário – em média 25 francos por dia (US$ 22) – que é dividido em três partes. Uma é destinada ao próprio detento. “Eles utilizam o dinheiro para comprar produtos de higiene, cigarros e alimentos no mercadinho da prisão ou para pagar o aluguel dos aparelhos e computadores”, explica Heidi Gautschi, a assistente do diretor. A segunda parte é destinada a pagar os custos da “hospedagem” na prisão, e o outro terço é depositado numa conta bloqueada, cujos fundos poderão servir de poupança para o detento quando ele sai da prisão. “Mas se a pessoa vai ser expulsa da Suíça, o que ocorre com a maior parte dos estrangeiros, podemos utilizar o dinheiro para custear a passagem”, acrescenta Ruf.

Pratos para vegetarianos

Às 11h, os detentos interrompem o trabalho e retornam às suas celas. As portas são então trancadas e, depois de alguns minutos de relativa calma, a campainha toca pontualmente às 11h25min. Nesse momento dois guardas penitenciários postados nos corredores em cada um dos andares vão de porta e porta para abrir as pequenas janelas basculantes das celas. Através delas os detentos especialmente encarregados dessa função passam a bandeja com a comida. A cela deles é a única que permanece aberta durante todo o tempo de distribuição. Terminada a entrega da refeição, eles retornam à cela e esta é trancada.

Cada preso come o que mais se adéqua à sua dieta ou à sua cultura. A alimentação se diferencia entre “Vegi” para vegetarianos, “Moslem” para muçulmanos, “Diät” para os que estão de dieta especial e comida normal. Como Lenzburg não dispõe de uma cantina, todas as refeições são feitas de forma solitária nas celas.

O que choca muitos visitantes da penitenciária é quando os detentos colocam as cabeças para fora da cela, através das janelas basculantes. A cena lembra uma baia de cavalos. “Eles ficam curiosos para saber o que está acontecendo do lado de fora. Outros querem simplesmente bater um papo”, explica Heidi Gautschi.

Nos seus sete anos de trabalho em Lenzburg, ela nunca se sentiu ameaçada. Ser mulher não é um problema na penitenciária. “Você é até mais respeitada e bem tratada do que os guardas”, diz Gautschi”. Porém, existem momentos em que a assistente preferiria estar em outro lugar. “Ver essas cabeças para fora da cela te observando me deprime. São seres humanos como eu, que estão trancados como animais. Infelizmente essa é a realidade”, diz ela.

Fim do dia

O dia de trabalho dos presos termina por volta das quatro e meia da tarde. Todos retornam às suas celas para o “Abspeisen”, a última refeição do dia, servida às 17h. Quando termina, o detento tem duas horas de lazer “orientado”: esporte ou formação profissional.

Alguns preferem não fazer nenhum dos dois. Eles vão para uma sala no segundo andar de um dos pavilhões, onde podem sentar com os colegas e fumar um cigarro. Nessa sala também há uma pequena biblioteca com livros em vários idiomas. “Porém, eles quase não são utilizados”, lamenta Gautschi. Outra forma de lazer é a mesa de bilhar, que parece praticamente nova. “É que ela foi reformada há pouco tempo, depois de ter sido depredada. Por dois anos os presos ficaram sem ela, como punição. Agora ela voltou e está sendo bem conservada”.

A partir de 2010, Lenzburg receberá uma nova penitenciária com 106 lugares. A maior parte será destinada a criminosos comuns e pessoas com penas curtas. Doze vagas serão de segurança máxima e 12 para o novo setor intitulado “60 plus”, o “asilo de idosos” da prisão. “De fato, o processo natural de envelhecimento transforma muitos detentos em idosos, com problemas típicos da idade, como dificuldade de locomoção e outras doenças”, explica Ruf e completa: “A prisão é, afinal, reflexo da nossa sociedade”.

swissinfo, Alexander Thoele

Dados de 2006 do Depto. Federal de Estatísticas
Número de instituições penais na Suíça: 119
Número de vagas nas instituições penais: 6.741
Número de vagas por 100 mil habitantes: 90
Número concreto de presos registrados em 2006: 5.888
Taxa de ocupação: 87,3%
Percentagem de mulheres entre os detentos: 5,7%
Percentagem de estrangeiros entre os detentos: 69,0%
Percentagem de menores. 0,9%

Construída em 1864, a penitenciária de Lenzburg segue o estilo arquitetônico clássico das prisões da época através do seu desenho “pan-óptico”, ou seja, uma construção em forma de estrela com cinco corredores que permitem a visão de todas as partes ou elementos.
Ela já foi reformada e ampliada diversas vezes. Em 1973, as portas de madeira foram trocadas por outras de aço. Em 2005, o antigo muro foi substituído por um de concreto com oito metros de altura.
Desde 1997, a penitenciária está sendo renovada. Nas obras ela deve receber em 2009 um novo complexo penitenciário com mais 106 celas.

Número de detentos: 175
Média de idade dos detentos: 20 a 35 anos (50,8%)
Duração média da pena: entre 2 a 10 anos (58%), mais de 10 anos (22%)
Custo diário por detento: 329,89 francos
Número de guardas penitenciários: 60
Número total de funcionários: 130

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