Uma história de amor que começou nos Alpes
O Major Series de Gstaad, etapa cinco estrelas do Circuito Mundial de Vôlei de Praia terminou no domingo, com o Brasil mantendo a tradição no pódio suíço com a prata no feminino e o bronze no masculino. Mas a pequena cidade dos Alpes suíços traz outras alegrias que vão bem além do esporte.
Como os próprios organizadores do Major de vôlei de praia da Suíça reconhecem, “o Brasil se sente em casa em Gstaad”. A cidadezinha, que abriga no inverno uma das estações de esqui mais chiques da Suíça, acolhe no verão uma das etapas do Circuito Mundial de Vôlei de Praia, este ano disputado entre os dias 4 e 9 de julho.
Este foi o 18° ano consecutivo que a pequena cidade organiza o evento, sendo um dos torneios mais tradicionais do circuito e um dos preferidos dos atletas, aos pés dos Alpes suíços.
O clima quente atraiu milhares de espectadores à arena de areia montada no centro da cidade e deixou os jogadores brasileiros bem à vontade. “Um calor igual ao do Brasil, o clima estava perfeito”, disse Álvaro Filho, da dupla Álvaro/Saymon, ao vencer os suíços Kissling/Strasser, na quarta-feira (5).
Pódio suíço
Os brasileiros do vôlei de praia têm mesmo ótimas razões para gostar de Gstaad. O Brasil é o maior vencedor na Suíça, com 17 ouros, sendo nove entre as mulheres e oito entre os homens.
Em 2017, Álvaro Filho e Saymon conseguiram garantir a medalha de bronze, vencendo no domingo os compatriotas Evandro e André com placar de 2 a 0, parciais de 21/12 e 21/18. O ouro ficou dessa vez com os americanos Dalhausser e Lucena, dos EUA, que bateram Losiak e Kantor, da Polônia, por 2 a 0 (21/18 e 21/19).
No feminino, a dupla Larissa/Talita já havia vencido essa etapa do Circuito Mundial de vôlei de praia tanto em 2015 quanto em 2016, mas não conseguiram o tricampeonato em 2017. Na decisão da competição, na tarde de sábado na Suíça, elas encontraram as alemãs Chantal Laboureur e Julia Sude e acabaram derrotadas pelo placar de 2 a 0, parciais de 21/18 e 22/20.
Em cinco encontros, esta foi a primeira derrota de Larissa e Talita para as alemãs. As brasileiras receberam 32 mil dólares pela medalha de prata e somaram 960 pontos no ranking com a segunda colocação, chegando aos 3800 na liderança geral que soma todas as etapas.
Mas esse histórico de ouro e prata cobre com seu brilho uma outra história, uma relação amorosa que começou aqui, nos pés dos Alpes, há exatamente 7 anos.
Dupla fora do esporte
“Foi aqui que começamos a namorar”, conta a também jogadora de vôlei de praia Lili Maestrini, casada com Larissa desde 2013.
Lili foi vice-campeã do Grand Slam de Gstaad em 2013, mas este ano a dupla Josi/Lili não teve muita sorte e acabou sendo eliminada já na country quota feminino pela dupla Taiana Lima/Elize Maia.
“A country quota é uma prova muito difícil, uma disputa com o próprio país, que no caso tem as melhores duplas do mundo”, disse para swissinfo.ch.
A atleta aproveitou dessa vez o calor tropical que estava fazendo nos Alpes para experimentar o “banho nas águas de degelo”, uma tradição para os jogadores que passam por Gstaad. O ritual consiste em entrar no rio formado pelo “suco de neve” que escorre das geleiras dos Alpes em direção aos afluentes de alguns dos maiores rios da Europa, como o Reno e o Ródano.
Talvez esse “banho de degelo” tenha ajudado a abordar um pouco da vida íntima das atletas, que formam na vida privada uma dupla forte e corajosa, como as que os fãs admiram nas areias do vôlei de praia.
Casamento para todos
Lili e Larissa assumiram oficialmente a relação amorosa casando-se em 2013. O reconhecimento de casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil como entidade familiar, por analogia à união estável, foi declarado possível pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2011.
Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma resolução que obriga todos os cartórios do país a celebrar casamentos entre casais homoafetivos. Com a resolução, tabeliães e juízes ficaram proibidos de se recusar a registrar a união. Até então, eles ainda podiam negar os pedidos baseando-se em uma legislação que garantia o direito ‘apenas a casais’, o que na prática seria um homem e uma mulher.
No mesmo ano, na Suíça, o Partido Democrata Cristão (PDC) lançou uma iniciativa que tentava gravar na constituição do país a definição do casamento como a união entre um homem e uma mulher. A iniciativa acabou sendo recusada por um fio, em fevereiro de 2016, com 50,8% de votos contra.
Apesar de ter sido o primeiro país a ter reconhecido, pelo povo, os casais homossexuais através da parceria civil registrada, a Suíça tarda a reconhecer o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
O Partido Verde Liberal (Vert’libéraux) apresentou uma iniciativa parlamentar em dezembro de 2013 para abrir o casamento civil para todos. Uma batalha decisiva para os setores em causa que querem ver reconhecidos à parceria civil registrada todos os direitos conferidos ao casamento entre um homem e uma mulher, como o direito à adoção assim como todos os benefícios e regras do casamento, como pensões, herança fiscal, imposto de renda, segurança social, benefícios de saúde, imigração, propriedade conjunta, fertilização in vitro e outros.
“Novas Famílias”
A adoção de crianças por casais homossexuais é o que parece assustar ainda algumas pessoas na Suíça. O primeiro passo, no entanto, já foi dado com uma decisão federal que concede o direito de adotar o filho de um cônjuge.
A recente legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo na Alemanha, país onde a partir de agora o matrimônio pode acontecer entre “duas pessoas de sexo diferente ou do mesmo sexo”, conforme a redação do documento, relançou o debate na Suíça.
Para os partidários do “casamento para todos”, a Suíça deveria seguir os passos da vizinha Alemanha e legalizar definitivamente a questão. No entanto, uma ala conservadora do parlamento suíço formada por 71 deputados do PDC e do SVP (Partido do Povo Suíço) pretende barrar a iniciativa dos verdes liberais.
Para o porta-voz da diocese de Coira, uma das mais tradicionalistas do país, “casamento para todos é casamento para ninguém”, disse Giuseppe Gracia (49 anos) em carta aberta publicada pelo tabloide “Blick”, de língua alemã.
Gracia gostaria que o Estado lavasse em consideração a compreensão religiosa do casamento, mas acaba desejando que essas “novas famílias” deem mesmo certo. “Que elas se integrem bem e tragam ao Estado mais receitas do que despesas”.
Compreensão e respeito é o que esperam ambos os lados da questão. Lili Maestrini diz que o casal sempre recebeu muito carinho e compreensão de seus próximos, tanto no esporte quanto de seus familiares. “A gente vive com muito amor. As pessoas sentem isso”, conta.
Lili garante que as duas nunca passaram por uma situação de preconceito e que a questão nem é um problema para elas. “O amor é mais forte do que qualquer outra coisa”.
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