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Ministra suíça tem missão difícil na Colômbia

Protestos de ativistas dos direitos humanos pelas vítimas da guerra entre governo e Farc na Colômbia. Keystone

Em sua viagem à América do Sul, a ministra suíça das Relações Exteriores, Micheline Calmy-Rey, vai pisar em terreno minado em Bogotá e fechar uma parceira estratégica com o Brasil.

O especialista suíço Thomas Fischer analisa a mediação suíça na guerra civil na Colômbia e a atual crise diplomática entre Berna e Bogotá. Ele também aponta a parceria suíço-brasileira como primeiro passo para um acordo de livre comércio entre os dois países.

swissinfo: Qual é o balanço que o senhor faz dos 100 de relações entre a Suíça e a Colômbia?

Thomas Fischer: O principal interesse da Suíça sempre foi por mercados para seus produtos. As grandes empresas suíças atuam na Colômbia, mas nunca viram o país como centro de produção. Além disso, durante o conflito de fronteira com a Venezuela, nos anos de 1920, a Suíça prestou seus bons serviços. Para a Colômbia, a Suíça é um país amigo, mas não um parceiro estratégico.

swissinfo: Nos últimos 10 anos, essas relações se restringiram à mediação suíça entre as Farc e o governo colombiano. Até que ponto elas foram abaladas pelo caso Gontard? Calmy-Rey poderá aparar as arestas em Bogotá?

T. F.: O presidente colombiano, Álvaro Uribe, sempre apostou num confronto militar com a guerrilha e teve relativo sucesso com essa estratégia. Ele, no entanto, teve de ceder à pressão internacional, principalmente da França, e aceitar negociações para a libertação dos reféns, por motivos humanitários.

Uribe até agora conseguiu se livrar de todos os mediadores – também Jean-Pierre Gontard foi descartado. A visita de Calmy-Rey à Colômbia foi minuciosamente planejada e nenhuma das partes quer comprometer o outro lado. Mas depois que a Procuradoria Geral da Colômbia transformou a mediação suíça num “caso Gontard”, só é possível resolver a crise se o processo contra ele (n.d.r: por suposta cumplicidade com as Farc) for arquivado por falta de provas – o que no momento parece provável.

swissinfo: Porque Gontard continua sendo atacado por Bogotá?

T. F: Com base no raciocínio de que “quem não é meu amigo é meu inimigo”, o governo de Álvaro Uribe nunca escondeu sua rejeição ao trabalho de organizações não governamentais e defensores de uma paz negociada.

Também a guerrilha nunca conseguiu comunicar de forma confiável que procura uma paz negociada. Nesse clima antagônico, é difícil propor outras soluções, sobretudo quando elas vêm do exterior. Isso é o que mediador suíço agora sente na pele. Numa coluna do oficioso jornal El Tiempo, ele foi chamado de “idiota útil”.

swissinfo: Apesar dos atritos diplomáticos, Berna quer continuar a mediação na Colômbia. O que a Suíça ainda pode fazer?

T. F.: A Suíça só pode fazer o que o governo Uribe e a população colombiana permitirem. Ela deve continuar prestando seus bons serviços para o diálogo entre o governo e os rebeldes e mostrar presença na ajuda humanitária. Ela deve disponibilizar sua competência jurídica para a superação do problema da violência, bem como para uma indenização de milhares de refugiados internos. Mas os recursos materiais da Confederação Helvética são limitados e é difícil convencer a população a prestar ajuda humanitária a países fora da Europa.

swissinfo: Como o senhor avalia a acusação da Colômbia de que há um grupo de apoio às Farc na Europa, que estaria atuando também na Suíça?

T. F.: É bem possível que haja representantes das Farc em países europeus – também na Suíça. Além disso, provavelmente há no mundo inteiro simpatizantes cegos que vêem nas Farc a realização dos românticos ideais guerrilheiros de Che Guevara.

Mas isso é uma minoria. A maioria das pessoas na Europa não pensa assim. O apoio material e ideológico europeu às Farc não é decisivo para a sua luta. O conflito colombiano não é influenciado à distância, ele tem causas internas. Outro tema naturalmente é que as Farc arrecadam dinheiro com o tráfico de drogas, também na Europa.

swissinfo: A guerra na Colômbia já dura mais de 40 anos. A paz ainda é possível ou a política de Uribe para acabar com as Farc gera ainda mais violência?

T. F.: Pela primeira vez, posso imaginar que a organização da guerrilha pode ser desmantelada por meios militares. Antes do governo Uribe, os militares fracassaram vergonhosamente. Agora eles enfraqueceram os rebeldes. Uma vitória significaria o fim do projeto socialista deles, mas não o fim da violência na Colômbia.

Em outros países da América Latina que tiveram guerras civis, como El Salvador, Guatemala e Nicarágua, ficou evidente que, sem uma política de paz sustentável, sem reformas institucionais e medidas em favor dos pobres, a violência social até aumenta. Isso ameaça ocorrer também na Colômbia. Como o Estado social e de direito não atinge muitas pessoas, a cultura da auto-ajuda violenta é profundamente arraigada na Colômbia.

swissinfo: Na operação de libertação de Betancourt, até o símbolo da Cruz Vermelha foi usado ilegalmente. Que outros tipos de violações ocorrem nessa guerra?

T. F.: A meta prioritária do governo Uribe é acabar com a guerrilha. Para isso, ele não tem qualquer escrúpulo na escolha dos meios. Ele não se importa com os danos duradouros causados pelo abuso do emblema do Comitê Internacional da Cruz Vermelha nem com sua perda de credibilidade junto a atores internacionais. Os governos colombianos há muito tempo têm dificuldades para respeitar os direitos humanos. Isso vale também para os guerrilheiros, senão eles não fariam seqüestros nem transformariam crianças em soldados.

swissinfo: Qual é o papel que Ingrid Betancourt pode desempenhar para solucionar o conflito e para o futuro do país?

T. F.: Eu temo que a mensagem de Ingrid Betancourts seja abafada pelos dominantes “uribistas”. No exterior, no entanto, devido ao seu conhecimento de causa e por sua fama, ela pode desempenhar um papel importante como representante de seu país. Mas eu não conheço os seus planos.

swissinfo: Uribe, as Farc e a máfia das drogas dominam o noticiário sobre a Colômbia. A oposição e os movimentos sociais ainda têm chances de serem ouvidos?

T. F.: Existe um forte movimento contra a violência das Farc e, em parte, também contra a violência dos paramilitares e militares. Contra a máfia e o tráfico de drogas nunca houve grandes demonstrações. Contra eles parece não haver remédio. A oposição burguesa se “queimou” devido ao clientelismo praticado durante anos para se manter no poder. E a oposição esquerdista, democrática, tem dificuldades para ser ouvida no cenário político interno atual. Seu tempo pode chegar depois que a guerra acabar.

swissinfo: Após sua visita à Colômbia, Calmy-Rey vai à Brasília para assinar um acordo de parceria estratégica entre a Suíça e o Brasil. O que os dois países ganham com esse acordo?

T. F.: Ao contrário da Colômbia, o Brasil realmente é um parceiro comercial interessante e um importante centro industrial para firmas suíças. Uma parceria dessas pode ser importante, por exemplo, na pesquisa sobre bioetanol e energia solar. No campo humanitário, Berna e Brasília poderiam aprofundar a cooperação em organismos internacionais.

Uma carta de intenções pode ser o primeiro passo para um acordo de livre comércio. Como a Suíça não é país-membro da União Européia, ela precisa fazer um esforço especial por cada parceiro. O Brasil, o maior país da América do Sul, com sua economia relativamente estável, com certeza não é um mau endereço.

Entrevista swissinfo, Geraldo Hoffmann

A ministra suíça das Relações Exteriores, Micheline Calmy-Rey, viaja de 11 a 15 de agosto à Colômbia e ao Brasil.

As relações entre a Suíça e a Colômbia estão abaladas, depois que o governo em Bogotá, após a libertação da ex-candidata à presidência do país, Ingrid Betancourt, e de outros 14 reféns, acusou o mediador suíço Jean-Pierre Gontard de cumplicidade com as Farc e descartou a mediação européia no conflito com a guerrilha.

A Procuradoria Pública colombiana abriu inquérito contra Gontard. A Suíça rechaça as acusações e quer continuar a mediação.

Em Brasília, Calmy-Rey vai se encontrar no dia 14 com seu colega Celso Amorim e assinará um memorando de entendimento para uma parceria estratégica entre a Suíça e o Brasil.

Com esse acordo, os dois países iniciam um processo de consultas bilaterais e pretendem intensificar a cooperação em áreas de interesse comum.

Thomas Fischer nasceu em 1959, em St-Gallen (nordeste da Suíça). Formou-se História, Germanística e Ciências da Mídia na Universidade de Berna. Escreveu sua tese de doutorado sobre América Latina e a Liga das Nações – Estados fracos e segurança coletiva, 1920-1936. Foi docente nas universidades de Nurembergue e Hamburgo e atualmente é professor de História da América Latina na Universidade Católica de Eicchtätt-Ingolstadt, na Baviera.

É co-autor e co-editor dos livros Colômbia hoje e Colômbia – País da Solidão. Escreveu vários artigos científicos sobre o país sul-americano, entre outros, “Guerra e Paz na Colômbia” e “Movimentos Sociais na Colômbia” (veja link abaixo).

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