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A saudade que machuca o cidadão globalizado

Mulher olhando o filho em uma fotografia
Saudades: um sentimento que acompanha o migrante em todos os seus momento. swissinfo.ch

O sentimento se mostra tão arrebatador que pode comprometer os planos de uma vida plena longe do país de origem.

Saudade é uma emoção com diversas faces. Segundo especialistas, até um determinado estágio, funciona como sintoma de vida bem vivida. Quando demasiadamente fantasiosa, maquia a realidade e remete a um passado inventivo, mas não necessariamente verdadeiro. Se exagerada e paralisante, pode se transformar em doença ou em uma série de problemas de cunho psicológico. A sensação atinge pessoas de todo mundo e com mais força viajantes menos experientes. De tão traiçoeira, desafia os ideais de uma filosofia cosmopolita que prega um mundo sem fronteiras, onde pessoas deveriam se sentir em casa em qualquer lugar do globo terrestre.

* Artigo do blog “Suíça de portas abertas” da jornalista Liliana Tinoco Baeckert.

Segundo o dicionário Aurélio, saudade significa lembrança grata de pessoa ausente ou de alguma coisa de que alguém se vê privado. Pode ser definida por pesar e mágoa que essa privação causa e boas lembranças ou recordações. De acordo com a página de internet da Universidade inglesa de Warwick, que tem seção dedicada a minorar a dificuldade, o ser humano nasce com necessidade de fazer ligações emocionais com pessoas, coisas e lugares. Gradualmente, essas conexões se acumulam para formar um ambiente confortavelmente estável.

“Quando saímos de casa, experimentamos um real senso de perda, como uma tristeza pela perda da morte de um amigo. O problema é que muitos ficam paralisados ou sentem de forma muito intensa”, relata a autora do texto opinativo intitulado O novo globalista sente saudades (em inglês The New Globalist is Homesick), publicado no jornal americano The Times em 2012. A autora do artigo, Susan J. Matt é professora de história da Universidade Estadual de Weber, nos Estados Unidos, e autora do livro Saudades: uma história americana. Ela argumenta que outro obstáculo para quem vive a situação é a tendência ao duro autojulgamento, porque acredita-se que deveria ser capaz de lidar com o transtorno, mas não pode. Ela afirma que saudade não é sinal de fraqueza.

A necessidade de se estabelecer laços – Segundo Susan Matt, a intensa mobilidade dos dias de hoje tem custos psicológicos, mas poucos apresentam coragem de assumir. “As pessoas abraçam a visão cosmopolita que dita que indivíduos podem e devem sentir-se em casa em qualquer parte do mundo e que não há necessidade de se estabelecer laços em nenhum lugar”, escreve a autora.

O problema já foi considerado mais comum em crianças ou em jovens que se mudam para estudar em universidades. Com o aumento das migrações e funcionários expatriados, o sentimento está sendo cada vez mais ligada a adultos. De acordo com estudo do psicólogo Terence Hannigan, no livro Aspectos Psicológicos de Mudanças Geográficas (em inglês Psychological Aspects of Geographical Moves), a saudade está mais relacionada à proficiência da língua do país de acolhida e também o quão distante a nova cultura se apresenta em relação à antiga. Dessa forma, conclui-se que brasileiros e portugueses na Suíça, principalmente na parte alemã, devam sofrer com o problema. As duas culturas de origem são muito diferentes; e a língua germânica bem mais difícil de ser aprendida, ao contrário da francesa e italiana.

O desafio dos expatriados – As estatísticas constatam que o mundo moderno estará cada vez mais habitado pelo sentimento. Pesquisa pelo Instituto Gallup em 2012, 1.1 bilhão de adultos no mundo querem se mudar temporariamente para outro país para encontrar um trabalho mais rentável. O Brasil, por exemplo, vive um momento parecido: a crise econômica leva a uma saída recorde de brasileiros: entre 2011 e 2015, houve um aumento de 67% no total de Declarações de Saída Definitiva do País. Muitos, no entanto, gostariam de emigrar, mas não sabem como.

O estudo do acadêmico Hack-Polay realizado em 2012, confirma que mudanças de lar sempre levaram pessoas a sentir saudade. Mais que isso, a pesquisa provou que a questão não é tão simples – em entrevistas feitas em 15 companhias com 30 expatriados demostrou que todos provaram do sentimento em algum momento, até mesmo os que já tinham experiência com a vida no exterior, ou que tinha noções básicas da língua do país ou que contavam com a presença da família.  E o pior, foi tida como causa de problemas psicológicos e rupturas sociais em imigrantes.

Impossível fugir do sentimento – Estatísticas sinalizam que cerca de 70% dos estudantes irão experimentar nostalgia nos mais recentes dias da universidade. Estudo conduzido pela agência de pesquisa voltada para o público jovem, a britânica YouthSight mostra que a sensação atinge pelo menos um terço de todos os universitários britânicos, que se sentiram deprimidos ou com tristeza por estar longe de casa.

A carioca Carolina Peixoto Monteiro veio diretamente da Austrália, onde ficou por dois anos e meio, para Wettingen, na Suíça. Há cinco meses no país, diz que hoje tem saudades do Brasil e da Austrália. Quando estava na Oceania, sentia falta da sua vida no Rio de Janeiro. O sentimento de Carolina ilustra bem o significado do sentimento de estar fora de casa. A gaúcha Flavia Loureiro, que vive na cidade de St. Gallen há um pouco mais de um ano, diz que tem saudades da família e dos amigos, do churrasco, do feijão que sua mãe cozinha e dos lanches que faziam em uma lanchonete especial de sua cidade. Para compensar a falta de tudo que deixou para morar com o marido na Suíça, ela trouxe a sua cachorrinha Mel. “Ela é um presente na minha vida, uma companheira que já me abriu várias portas. Além de nos exercitarmos em longas caminhadas, com ela acabo ainda conhecendo várias pessoas, pois sua beleza e doçura chamam a atenção”, explica.

O lado bom da saudade

“Você já parou para pensar que sentir saudades é um dos bens mais preciosos da alma? Se você pretende morar em outro país, prepare-se: ela será uma das primeiras a dar boas-vindas em seu novo lar. Sentir a ausência de casa, de alguém, de momentos, cheiros e gostos ou do nosso canto é, certamente, um indicador de uma vida “bem vivida”. Se você sente muito a falta de alguém querido, é sinal de que tem o coração cheio de amor e de que muitas pessoas especiais já passaram pela sua vida deixando marcas. Isso deve ser motivo para sentir muita gratidão.

Um coração vazio, que não chora a ausência de algo especial, que não se reporta a uma memória confortável e ao desejo de ter aquilo perto de novo, me dá a impressão de um coração desatento e preguiçoso para as coisas mais simples e bonitas da vida. É dolorido acordar com aquele desejo, que não pode ser atendido.

Gabriela Broll Ribeiro
Gabriela Broll Ribeiro swissinfo.ch

A saudade faz parte de nossa existência. Mas, claro, todas as sensações que ela traz são potencializadas quando estamos em terras estrangeiras… fisicamente bem longe de tudo aquilo que nos referencia. Do outro lado do oceano, é fácil se pegar com um olhar distante, num buraco profundo, com uma ferida aberta.

Para tornar a saudade mais palatável, é preciso se dar conta de como você pensa sobre ela. Não tenha medo e nem lute contra. O sentimento quer dizer que você dá valor às suas conquistas ao longo da vida: sejam pessoas, espaços e, principalmente, ao significado à sua existência. Portanto, quando a saudade chegar, tente comemorar as lembranças e depois congele em um arquivo na mente, para não se paralisar.

Onde quer que você esteja, é essencial criar estratégias para ter uma rotina agradável e com sentido. O melhor a fazer, pelo seu bem-estar e saúde mental, é deixar as ausências de lado e passar a valorizar mais o que está perto no momento atual.

Quanto mais apreciamos o que está ao redor, maiores são as nossas fontes de alegria e satisfação. Por mais que as pessoas amadas e lugares adorados estejam longe, seu dia a dia terá mais sentido se criar laços no ambiente onde se está. Recomendo alimentar o lado da gratidão pelo acesso ao novo. Mas sabe o que é mais importante? Abrir os olhos e saber que existe gente amada por perto – que eu posso tocar, olhar nos olhos e dar um abraço. Como psicóloga intercultural, tenho o dever de alertar os que estão longe: a adaptação ao novo é proporcional ao se desligar do que ficou para trás. Porque depois, e de qualquer modo, outras e outras ligações e religações serão feitas. O verdadeiro lar é onde nos sentimos bem, e, principalmente, onde fazemos os outros se sentirem bem com nossa presença.

Depoimento de Gabriela Broll Ribeiro, que é psicóloga intercultural, com mestrado em Comunicação Intercultural pela Universidade de Lugano. Ela vive em Londres atende migrantes há 11 anos.

www.interculturando.com.br



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