O revolucionário que transformou protestos em estilo de vida
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Dieter Bäumli se politizou durante os anos 1968, percorreu o mundo, se casou e acompanhou dois filhos enquanto eles cresciam. Ele também passou um tempo na prisão, mas, ao contrário de muitos de seus companheiros de luta, mantém até hoje suas convicções políticas e, com elas, uma alegria de viver.
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Dieter Bäumli está sentado em um sofá em sua pequena sala de estar. Nas paredes, decoradas quase inteiramente em tons de vermelho e preto, pendem diversos retratos: Lenin, Ho Chi Minh, Angela Davis. Entre eles, uma imagem de Karl Marx impressa em tecido.
Na mesa de centro repousa um livro da cientista política albanesa Lea Ypi. Bäumli o pega e comenta: “Adoro ler. Se há uma letra em algum lugar, eu preciso lê-la – seja literatura, livros de não-ficção ou notícias”.
Bäumli veio ao mundo em 1951, em Basileia. Hoje, ele vive em um apartamento de dois quartos no bairro de Klybeck. “Nunca morei em outro lugar além desta cidade, Basileia”, diz ele, com um certo orgulho.
Ele nasceu e cresceu em uma família “de classe média baixa”. É o mais novo de três irmãos, tendo um irmão e uma irmã.
“Eu cresci com um pai que era muito interessado em política, mas que não tinha ninguém na família com quem pudesse realmente conversar sobre essas ideias”, conta Bäumli. “Comigo, ele finalmente encontrou alguém a quem podia explicar o mundo”.
“Ainda acredito que é a coisa certa a fazer. Acredito na prevenção da injustiça e que uma vida boa é possível para todas as pessoas – simplesmente”
Dieter Bäumli
Foi o pai, então, quem despertou o interesse de Dieter Bäumli por questões sociais. A partir daí, a convicção pela política de esquerda tornou-se sua força motriz pessoal.
Em 1967, ele organizou uma exposição em um espaço de escoteiros sobre os levantes da população negra na cidade americana de Detroit, que ocorriam naquela época. “Essa foi provavelmente minha primeira ação política”, diz ele. “Eu queria informar as pessoas sobre o que estava acontecendo lá, quais injustiças estavam sendo cometidas”. A injustiça, e a questão de como superá-la, ele afirma, têm sido preocupações suas desde muito jovem.
Coca-Cola e a revolução mundial
Sua carreira escolar, segundo ele próprio, foi “linear”, mas o interesse precoce por política e organização política encontrou pouca aceitação durante seu aprendizado como despachante.
“Naquela época, meus supervisores não gostavam das minhas atividades políticas – e, como resultado, eu fui o único aprendiz daquela empresa que não conseguiu uma vaga de emprego após a formação”.
E os outros aprendizes também não mostravam muito entusiasmo por suas ideias e agitações, conta Bäumli: “Eles eram até a favor de que a Coca-Cola na máquina de lanches durante o intervalo deveria custar 50 centavos em vez de um franco suíço, mas a relação disso com a revolução mundial não era algo que interessava a eles”.
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Bäumli encontrou, logo a seguir, trabalho na POCH (Organização Progressista Suíça), um partido com orientação comunista fundado no contexto dos movimentos de 1968. Ele trabalhou cerca de um ano e meio como secretário do partido. “Foi a única época da minha vida em que estive 100% politicamente ativo. E, além disso, em um cargo remunerado”.
Ele conta que ganhava 500 francos por mês. “Naquela época, isso era mais que suficiente”. Mais tarde, ele retornou à sua profissão original como despachante, mas permaneceu como membro ativo da POCH até sua dissolução em 1991.
Formação política atrás das grades
Desde então, Bäumli esteve envolvido em diferentes projetos políticos. Ele afirma que o que sempre foi particularmente próximo ao seu coração foi a ecologia. “Em 1971, subi em árvores pela primeira vez. Na época, queriam construir uma estrada no Schützengraben, em Basileia. Essa estrada ainda não existe até hoje, mas as árvores ainda estão de pé lá!”
Bäumli atuou ativamente na política de asilo e refugiados, ocupou casas e florestas, protestou contra usinas nucleares e guerras.
No início dos anos 1970, ele foi preso por se recusar a prestar o serviço militar – uma pena de seis meses, mais um mês adicional por um comentário insolente dirigido ao juiz.
Bäumli ri maliciosamente e conta: “Aquela era uma época em que o Estado tinha um grande problema com os objetores de consciência. Então, nos concentraram na prisão preventiva de Olten, esperando que isso nos servisse de lição”.
Mas o plano saiu pela culatra: “Todos nós éramos camaradas que estávamos presos ali. Então, simplesmente transformamos aqueles seis meses em um curso intensivo de formação partidária!”
De bicicleta até o Mar Negro
Outra grande paixão de Bäumli sempre foi viajar. Com a esposa, Christine Studer, ele explorou quase todo o mundo. Por mais de seis anos, o casal não teve residência fixa, passando meses na estrada, hospedando-se temporariamente em casa de amigos e partindo novamente.
Na parede do quarto de Bäumli está pendurado um enorme mapa-múndi, coberto com pequenos marcadores em todos os continentes.
Quanto tempo mais e por quê? Com a idade, as questões fundamentais sobre a vida se tornam mais agudas. Na série “Vidas que valem a pena ser vividas“, apresentamos perfis de suíços e suíças que têm algo a contar.
“No começo, viajávamos como mochileiros, pegando carona e usando transporte público. Depois que me aposentei, decidimos tentar viajar de bicicleta. Uma vez pedalamos até a Finlândia, e outra vez até o Mar Negro”.
Ele conheceu sua futura esposa, Christine Studer, em meados dos anos 1970 no trabalho. “Durante três meses, ainda nos tratávamos por senhor e senhorita”, lembra ele.
Além da paixão compartilhada por viagens, eles participavam juntos de manifestações e dividiam opiniões e ideais. Em 1981, o casal se casou, e nos dois anos seguintes nasceram seus dois filhos.
Com os filhos, surgiu um terceiro grande projeto na vida de Dieter e Christine, além das viagens e da política: “A questão de ter e criar filhos me fascinou profundamente! Mesmo naquela época, como pessoas politizadas, nos perguntávamos: que tipo de mundo é esse em que estamos trazendo essas crianças? E como podemos garantir que elas se tornem pessoas decentes?”
Catástrofe e naturalidade
Por 18 anos, o casal dividiu igualmente as tarefas domésticas, os cuidados com os filhos e o trabalho remunerado. Isso era algo muito importante para eles, conta Bäumli.
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Assim que os filhos cresceram o suficiente, o casal os levou para participar de manifestações e protestos. Até hoje, diz Bäumli com orgulho, os filhos não faltam a “mobilizações importantes”.
Ele nunca teve medo de que seus filhos se opusessem politicamente a ele. “É algo que se pode evitar. Eu acredito que meus argumentos têm fundamento e sentido”.
Para os filhos, o fato de o pai ainda ser tão ativo politicamente é algo natural. “Para eles, o mais importante é que eu esteja bem”.
Christine Studer faleceu há cerca de dez anos em decorrência de uma doença. Ela tinha 59 anos. Quando fala sobre sua esposa, o geralmente animado Dieter Bäumli fica um pouco mais calmo. As respostas já não vêm tão rápidas e seguras.
Como foi para ele naquela época, quando sua esposa faleceu? “Foi um sentimento entre uma catástrofe absoluta e a naturalidade de saber: isso também faz parte da vida.” Naquele período, Dieter se mudou para o apartamento de dois quartos no bairro de Klybeck, onde mora até hoje.
Uma foto de Christine Bäumli está pendurada na entrada do apartamento. “Nós éramos um casal simbiótico”, diz Bäumli olhando para o retrato. “Ninguém jamais ocuparia o lugar dela na minha vida; ninguém suportaria essa comparação”.
No entanto, Dieter Bäumli não se sente solitário desde então – muito pelo contrário.
Quando chifres se iluminam
Durante uma breve caminhada pelo bairro, ele fala sobre seus vizinhos e amigos, aponta os lugares onde já foi ativo e onde “algo aconteceu”, além de mostrar o bar de verão que administra sazonalmente com amigas e amigos, que também serve como ponto de encontro do bairro.
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Mais tarde, no jardim de sua casa, Dieter Bäumli conta sobre as pessoas da casa em frente, todas suas amigas. “No verão, eles penduram uns chifres de cervo super kitsch, movidos a bateria, do lado de fora. Quando está iluminado, significa que você pode passar lá para tomar uma cerveja”.
E então, é claro, ainda há a política, que traz estrutura à vida de Bäumli. Atualmente, ele está ativo no Bloco Grauer, um grupo de cerca de 60 pessoas entre 50 e 75 anos, todas já engajadas politicamente em Basel, mas sem um lar político.
Dieter Bäumli é um dos membros fundadores: “O evento que nos deu uma razão para formar uma estrutura foi a grande manifestação livre dos nazistas em Basileia no final de 2018, quando cerca de 60, 70 pessoas entre 18 e 30 anos foram presas por sua resistência contra a reunião de neonazistas no centro de Basileia”, conta ele.
“Então, nós, os mais velhos, reunimos 60 pessoas que também estavam na manifestação, fomos até a delegacia de polícia e dissemos: ‘Olá, nós também estávamos nessa manifestação. Prendam a gente também, nos acusem também’”.
O grupo foi ignorado; não houve prisões nem acusações. “O efeito educativo que o Estado espera de uma ação tão dura contra jovens politicamente ativos não tem mais efeito sobre nós”, diz Bäumli, rindo. “Com isso, eles se desmascararam”.
A cada duas ou três semanas, há uma assembleia geral do grupo Bloco Grauer, que se organiza em diversas subgrupos e unidades de ação com seus próprios ciclos de reuniões.
“Neste momento, o que mais me importa é fazer parte e continuar fazendo parte. Mesmo que eu não faça grandes avanços: eu quero estar presente quando realmente acontecer algo”. E, além disso, todos no Bloco Grauer são bons amigos, conta ele.
De suas companheiras e companheiros de caminhada dos primeiros tempos de sua carreira política, porém, “nenhum deles” ficou. Alguns já faleceram, mas a maioria se retirou para o parlamentarismo, como diz Bäumli, ou desistiu de qualquer projeto político.
Quais seriam as razões pelas quais ele não desistiu, ainda vai às ruas? “Eu ainda acredito que é a coisa certa a fazer. Eu acredito na prevenção da injustiça e que uma vida boa para todas as pessoas é possível – simples assim”, diz Bäumli. “E sempre gostei disso, ainda gosto”.
Então, ele se levanta e pega um broche. Nele, está uma citação da anarquista americana Emma Goldman: “Se eu não posso dançar, não é a minha revolução”.
“Eu nunca fui o mais sério”, diz Dieter Bäumli. “Fui politizado em uma época em que essa coisa de hippies e hedonistas, de sair do sistema, também estava em alta. Mesmo que eu tenha seguido um caminho político diferente, mais radical, esse estilo de vida também me influenciou. E eu o mantive ao longo das décadas – mesmo quando às vezes parece que tudo é em vão”.
Edição: Marc Leutenegger
Adaptação: Karleno Bocarro
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