“O verdadeiro pesadelo de um árbitro de futebol”
O árbitro toma entre 250 e 300 decisões por jogo na Copa do Mundo. Urs Meier, chefe dos juízes de futebol da Suíça e observador de arbitragem da Uefa, vai comentar o desempenho de seus colegas na televisão alemã.
Em entrevista à swissinfo.ch, ele explica a escolha dos árbitros do Mundial, a definição da equipe de arbitragem de cada partida e a pressão exercida sobre a Fifa. E garante que não haverá manipulação de jogos na Copa.
swissinfo.ch: Senhor Meier, como a Fifa seleciona os juízes da Copa?
Urs Meier: Primeiro, eles foram nomeados pelas confederações, como por exemplo a Uefa, de acordo com um sistema próprio de classificação. Isso foi há três anos. Eram 54 equipes de arbitragem que, passo a passo, foram reduzidas a 30 juízes. Destes, 23 ou 24 vão apitar jogos na África do Sul. Os restantes serão auxiliares e substitutos.
swissinfo.ch: Como os árbitros são escalados para cada partida?
U.M.: Há partidas muito importantes, como o jogo de abertura, em que o árbitro indica a linha como deve ser apitado um Mundial de futebol. Aí é preciso ter um homem experiente e bom. Além disso, por exemplo, num jogo entre uma seleção sul-americana e uma europeia, não deve necessariamente apitar um sul-americano ou europeu. Mas, nas partidas pelas semifinais e na final, se abandona essas considerações. Daí se procura escalar o melhor ou os melhores.
swissinfo.ch: Há pressão externa sobre a Fifa neste caso?
U.M.: Naturalmente ocorre que não se quer um árbitro que talvez tenha atuado de forma infeliz em uma partida das eliminatórias. Então se tenta influenciar a comissão de arbitragem neste sentido. Precisa-se de uma comissão forte – e a Fifa a tem – que resista a esta pressão e nomeie realmente o melhor. Isso ocorre na Fifa, mas também no nosso campeonato nacional. Daí se precisa de pessoas que apoiem os árbitros e não se curvem aos clubes, caso contrário estaríamos no caminho errado. Então nós, a comissão de arbitragem seríamos manipuláveis.
swissinfo.ch: Há rumores de que foram manipulados jogos da Copa 2006. O senhor descarta qualquer manipulação pela máfia das apostas com envolvimento de juízes no Mundial na África do Sul?
U.M.: Sim, penso que podemos descartar isso porque o evento está tão no foco da opinião pública mundial que aí uma manipulação seria descoberta. Não acredito que alguém tente chegar nesses árbitros. Os juízes foram escolhidos com muita precaução pela Fifa. São todos personalidades que estão acima disso. Eu diria também que, com certeza, não houve manipulação na Copa do Mundo de 2006.
swissinfo.ch: Os jogadores devem se precaver para algo novo em termos de arbitragem nesta Copa?
U.M.: Não. Desde 2006, não tivemos grande mudança de regras do jogo. Pretende-se deixar jogar futebol, deixar o jogo correr o máximo possível, exigir dos jogadores o fair play. Quer-se que eles tenham um bom caráter esportivo e que tenhamos jogos maravilhosos. Eu estou convencido de que este será o caso nesta Copa do Mundo.
swissinfo.ch: A Fifa anunciou em meados de maio, que o quarto assistente terá mais poder na Copa 2010. O que o senhor acha disso?
U.M.: Ele já tinha muito poder antes. Ele é um membro integral da equipe de arbitragem. O quarto homem deve cobrir exatamente os pontos negros que existem no campo e que nem sempre são vistos pelo árbitro e os assistentes. E deve ter a coragem de tomar decisões. Por exemplo, no caso de uma falta violenta, pedir um cartão vermelho ao juiz através do sistema de comunicação. Trata-se de uma mudança do texto da regra, mas na prática não muda nada.
swissinfo.ch: A paradinha na cobrança de pênalti deve ser punida com cartão amarelo, segundo a Fifa. Isso também é só uma correção do texto?
U.M.: Até agora, quando determinados jogadores faziam a paradinha, não se sabia se isso era correto ou não. Agora a Fifa esclareceu isso, o que acho bom. Isto significa: enquanto corre em direção à bola, o jogador pode parar, mas não quando está perto da bola. Aí ele tem de chutar. Ele não pode ameaçar um chute, fazer a paradinha e daí chutar. Isso agora está claro no texto da regra e ajuda o árbitro.
swissinfo.ch: A Fifa é contra o uso de meios técnicos pelos juízes. Qual é a sua opinião sobre esse assunto
U.M.: O chip na bola é a alternativa que eu defenderia. Se ele funcionar 100%, e esta é a condição, poderia ajudar o árbitro e o assistente. Sem interromper o jogo, ele sabe imediatamente se a bola cruzou a linha do gol ou não. Isso seria uma melhora. Mas duvido que o investimento compense. São poucos os casos que geram dúvida.
Vamos ver o que acontece nesta Copa do Mundo. Se tivermos um novo “gol de Wembley” num jogo importante, talvez até na final, certamente as discussões novamente vão esquentar e pode ser que essa inovação do chip na bola venha. Considero absolutamente correto que a Fifa não aceite outros meios, como prova de vídeo. Futebol deve continuar sendo futebol e não virar um jogo de xadrez, embora eu não tenha nada contra o xadrez. Emoções e também erros fazem parte do futebol.
swissinfo.ch: Qual é o pior erro que um árbitro pode cometer?
U.M.: Em princípio, o pior erro seria apitar algo por pressão dos jogadores, da torcida etc., portanto, fazer uma concessão. Meu pesadelo sempre foi não ver algo. Que eu não visse uma mão e daí resultasse um gol de mão. Em princípio, o “caso Henry” no jogo da França contra a Irlanda* (veja observação abaixo). Isso realmente é um pesadelo para um árbitro.
swissinfo.ch: O senhor arbitrou quase mil jogos e pendurou o apito há cinco anos. Agora comenta na TV o desempenho de seus colegas na Copa. O senhor às vezes sente vontade de voltar ao campo?
Não, o tempo das calças curtas passou, agora uso calças compridas. Eu nunca tive a sensação de que devesse voltar ao gramado. Como chefe dos juízes suíços, estou realmente feliz por termos o melhor árbitro do mundo – Massimo Busacca. Simplesmente me alegro com esta Copa e com boas arbitragens. E depois me contento também com campeonato suíço, com o trabalho com meus árbitros. Esta é a minha vocação no momento.
swissinfo.ch: Seu palpite para a Copa: até onde vai a Suíça e quem será campeão?
Para mim, o Brasil é o favorito este ano. Olhando a constelação, o Brasil provavelmente vai disputar a oitava de final contra a Suíça. Penso que a Suíça passará da primeira fase e enfrentará o Brasil. E, então, o Brasil quase com certeza vai vencer.
Geraldo Hofffmann, swissinfo.ch
* Observação sobre o “caso Henry”: Em 18 de novembro de 2009, no jogo de volta das eliminatórias em Paris, William Gallas marcou aos 8 minutos do segundo tempo da prorrogação o gol que garantiu a classificação da França para a Copa do Mundo 2010. Gallas aproveitou um lance de mão cometido na área por Henry, que admitiu a falta após o jogo.
Urs Meier nasceu em 22 de janeiro de 1959, em Würenlos (Argóvia). De 1977 a 2004, apitou 883 jogos – a partir de 1994 foi árbitro da Fifa, tendo atuado na Copa 2002. Foi eleito sete vezes “Melhor Árbitro Suíço”, de 1995 a 2000 e em 2004.
Na partida entre Inglaterra e Portugal, nas quartas de final da Eurocopa 2004, anulou no penúltimo minuto do tempo regulamentar um gol do inglês Sol Campbell, porque John Terry havia cometido falta contra o goleiro português Ricardo Pereira. A Inglaterra foi eliminada nos pênaltis. Depois disso, Meier recebeu 16 mil emails de protesto, sofreu ameaças de morte e teve de ser protegido pela polícia.
Em 11 de dezembro de 2004, encerrou sua carreira de árbitro. Hoje é chefe dos árbitros suíços e trabalha como observador de arbitragem para a Uefa. Além disso, comenta jogos na televisão pública alemã ZDF, faz palestras para executivos e é dono Urs Meier Haushaltsgeräte AG , uma fábrica de eletrodomésticos em Wettingen (Argóvia).
Entre os 30 árbitros de 28 países que vão apitar os jogos da Copa do Mundo na África do Sul está também o suíço Massimo Busacca, eleito em fevereiro como “melhor árbitro do mundo em 2009”.
Massimo Busacca (Suíça)
Olegário Bartolo (Portugal)
Carlos Eugênio Simon (Brasil)
Carlos Amarilla (Paraguai)
Hector Baldassi (Argentina)
Jorge Larrionda (Uruguai)
Pablo Pozo (Chile)
Oscar Ruiz (Colômbia)
Khalil Ibrahim Al Ghamdi (Arábia Saudita)
Ravshan Irmatov (Usbequistão)
Subkhiddin Mohd Salleh (Malásia)
Yuichi Nishimura (Japão)
Mohamed Benouza (Argélia)
Koman Coulibaly (Mali)
Jerome Damon (África do Sul)
Eddy Allen Maillet (Seychelles)
Joel Aguilar Chicas (El Salvador)
Benito Archundia (México)
Carlos Alberto Batres (Guatemala)
Marco Antonio Rodrigues Moreno (México)
Michael Hester (Nova Zelândia)
Peter O”Leary (Nova Zelândia)
Frank de Bleeckere (Bélgica)
Martin Hansson (Suécia)
Viktor Kassai (Hungria)
Stephane Lannoy (França)
Roberto Rosetti (Itália)
Wolfgang Stark (Alemanha)
Alberto Undiano Mallenco (Espanha)
Howard Webb (Inglaterra)
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