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Pacto com o diabo

General Henri Guisan (sentado na frente) e o capitão Paul Meyer (em roupas civis), atores importantes na conexão Berlim-Suíça. Robert Brooks

Como livro de espionagem, a obra recém-publicada Canal secreto para Berlim, do historiador e ex-diplomata suíço Pierre Th. Braunschweig, tem uma grande vantagem:

A história não é ficção, mas sim uma descrição real das atividades dos serviços secretos de vários países na Suíça, durante a Segunda Guerra Mundial.

Em particular, o livro focaliza uma das operações mais controversas do serviço secreto do país dos Alpes: a conexão entre o chefe da inteligência, o general-de-brigada Roger Masson, e o chefe do serviço secreto alemão, o general da SS Walter Schellenberg.

Masson, considerado o criador desse serviço desde o seu esboço, estava convencido em 1941 do “estado crítico das relações com o inconstante e superior vizinho do norte”. Afinal, na época a Alemanha acusava a Suíça de não estar respeitando sua neutralidade.

O risco era grande de que os alemães lançassem um ataque preventivo, pois haviam perdido sua confiança nos suíços.

Braunschweig gastou sete anos em pesquisas para escrever o livro. Ele vasculhou milhares de documentos em arquivos na Europa e nos Estados Unidos e entrevistou participantes e testemunhas da época.

O resultado do trabalho é uma descrição excitante do contato de Masson com seu opositor alemão, o general Schellenberg.

Riscos

Masson assumiu um risco considerável ao cruzar as fronteiras para ir à Alemanha, onde teve seu primeiro encontro com Schellenberg em setembro de 1942. O principal objetivo da empreitada era comunicar que a Suíça estava disposta a se defender contra qualquer agressor.

Porém a obra revela que a ligação secreta de Masson com Berlim teve um papel menos importante do que ele imaginava.

– Se Masson fosse questionado sobre o tema, ele não hesitaria em dizer que acreditou até o final da sua vida que esse contato foi de vital importância – conta Braunschweig.

– Por outro lado, o oponentes dessa conexão, um grupo formado pela maior parte dos membros de alto escalão do serviço secreto, iriam dizer que o contato com os alemães não teve essa importância e que foi um risco desnecessário mantê-lo – acrescenta.

O que Masson conseguiu obter de Schellenberg foi a liberação de um número considerável de suíços de campos de concentração. Ao mesmo tempo o pesquisador suíça questiona um dos seus maiores sucessos: convencer os alemães que a Suíça queria manter sua neutralidade a qualquer preço.

– Eu acho que consegui provar no meu livro que esse plano não funcionou como Masson havia planejado. Ele havia escolhido para isso uma pessoa, Schellenberg no caso, que na realidade não tinha o acesso a Hitler que ele imaginava – explica.

Encontro secreto

Uma das revelações mais interessantes fala sobre um encontro secreto que Masson, Schellenberg e o comandante-em-chefe das forças armadas suíças, o general Henri Guisan, tiveram num restaurante chamado Bären, na localidade de Biglen, em março de 1943.

– Do ponto de vista da espionagem isso foi um pouco estranho, pois Guisan não queria que o encontro se tornasse público. Mas em Biglen o risco de ser reconhecido por alguém era muito alto, sobretudo se você fosse o general Guisan – conta Braunschweig.

O autor também observa que um pequeno detalhe ocorrido durante o encontro acabaria tendo grandes conseqüências.

Os gerentes do Bären pediram aos participantes do encontro para assinar o livro de visitantes. Porém a última pessoa a colocar seu nome, um criminólogo suíço, acabou percebendo que o livro poderia ser um testemunho comprometedor: a assinatura do general suíço estava ao lado da do general da SS.

Quando os visitantes se despediram, esse funcionário arrancou a página com sua faca de bolso e colocou-a no bolso da sua jaqueta. Posteriormente, quando o gerente procurou saber quem havia jantado com o conhecido general, ele percebeu que a página estava faltando.

Para encurtar a história, investigações foram realizadas e quando elas chegaram nos altos escalões, possivelmente o próprio general Guisan deu a sua reprimenda e acabou com a história.

Estudo exaustivo

A história de Braunschweig é capaz de entreter qualquer pessoa interessada em assuntos de espionagem, pois é também um estudo exaustivo, iluminando o patriotismo das pessoas envolvidas.

Após a guerra, como escreve o pesquisador suíço, elas não foram reconhecidas como heróis apesar de terem assumido muitos riscos pessoais.

– É confortante de tratar esse tema de forma correta e não mostrar apenas os erros que essas pessoas cometeram – isso seria fácil na ótica atual – mas também como elas viveram esse tempo. Muitas dessas autoridades não podiam imaginar que a Segunda Guerra Mundial iria terminar em 8 de maio de 1945. E mesmo nesses últimos dias do conflito, o fim do Terceiro Reich poderia até significar o fim da guerra, mas ninguém estava seguro na época que a Suíça não iria afundar junto com esse barco.

O livro mostra um período interessante na história da espionagem, retratado muitas passagens de forma aventurosa, assim como nos filmes de James Bond.

Mas Braunschweig está convencido que, mesmo na atualidade, o trabalho de espionagem é muito mais a coleta teimosa e tediosa de informações. Como num quebra-cabeças, essas pequenas peças precisam ser coladas até formar um quadro único. Dessa forma é possível compreender a realidade.

– Existe uma quantidade muito de trabalho inglorioso por trás das grandes descobertas. Não devemos imaginar que qualquer espião anda por aí com uma pistola ou veneno no bolso – completa.

swissinfo, Robert Brookes
traduzido por Alexander Thoele

Durante a Segunda Guerra Mundial, o serviço secreto suíço perdeu 48 agentes:
31 foram sentenciados à morte e executados.
11 morreram na prisão.
6 morreram em acidentes.
7 dos 48 agentes eram suíços.

Em setembro de 1945, poucos meses depois de terminar a guerra, Masson foi entrevistado por uma agência de notícias. O conteúdo da entrevista acabou causando uma tempestade de indignação na imprensa helvética.

Masson afirmou que os alemães tinham a intenção de atacar a Suíça em marco de 1943. Depois eles iriam anexá-la ao terminar a campanha européia.

Na sua opinião, o plano foi abandonado depois que o general Schellenberg convenceu Hitler de que a Suíça seria mais útil como país neutro do que ocupada, pois ela estaria cobrindo o flanco sul da Alemanha.

O governo na época descreveu as declarações de Masson como “sem tato, para não dizer o pior”.

Masson foi reabilitado depois de um inquérito administrativo, mas perdeu o posto de chefe de espionagem da Suíça.

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