Questão da independência do Kosovo atinge diretamente a Suíça
A reeleição do pró-europeu Boris Tadic à presidência da Sérvia fortalece as esperanças do Kosovo de que sua provável independência será reconhecida pelo Ocidente.
A declaração da independência da província sérvia teria conseqüências diretas também para a Suíça, que abriga a maior comunidade de kosovares no exterior.
Entre 170 mil e 190 mil ou cerca de 10% de todos os kosovares vivem Suíça. “O Kosovo vive em boa parte do dinheiro transferido por essa diáspora”, diz Susanne Bolz, porta-voz da Organização Suíça de Ajuda aos Refugiados (Osar).
De acordo com dados da Secretaria Federal de Migração, depois dos italianos e dos alemães, eles formam o terceiro maior grupo de estrangeiros na Suíça.
Não é por nada que os suíços costumam chamar o Kosovo de “cantão” (estado) suíço. E, diante das ambições dessa região em crise de se tornar um país independente, eles se perguntam: “Os imigrantes kosovares então voltarão para sua terra natal? Ou virão em número ainda maior?”
Berna indecisa
Em 2005, a ministra das Relações Exteriores, Micheline Calmy-Rey, causou surpresa dentro e fora do país ao propor a possível indenpendência do Kosovo como solução rápida para definir o status da província sérvia.
Ainda não está claro se o governo em Berna reconheceria imediatamente o Kosovo como Estado soberano. “Sobre isso o Conselho Federal decidirá no momento oportuno”, disse de forma evasiva à swissinfo o porta-voz do Ministério suíço das Relações Exteriores, Lars Knuchel.
Ele confirmou, porém, o interesse da Suíça numa definição do status do Kosovo. „Ela é condição para a estabilidade e a segurança na região, e isso para todos os grupos étnicos”.
Um problema de imagem
Não só a segurança na região parece preocupar os suíços. Na imprensa do país, integrantes da comunidade kosovar frequentemente são vinculados à criminalidade juvenil, ao tráfico de drogas, ao crime organizado e a problemas de integração.
Segundo dados do Departamento Federal de Estatísticas, o número de criminosos da ex-Iugoslávia condenados na Suíça aumentou de 4,4% em 1984 para 12,1% em 2000. Mas uma detalhada estatística criminal por nacionalidade só será publicada em 2010.
Em todo o caso, a virtual independência do Kosovo gera expectativas e receios entre os suíços. Enquanto uns esperam que os albaneses do Kosovo possam ser mandados de volta aos Bálcãs, outros temem que uma crise após a independência traga uma nova onda migratória.
Kfor melhor preparada
Como a que ocorreu durante a guerra nos Bálcãs em 1998/1999, quando a Suíça acolheu provisoriamente 50 mil kosovares. Foi uma onda de refugiados que lembrou um pouco a Segunda Guerra Mundial.
Na avaliação de Susanne Bolz, de fato há um potencial para conflitos envolvendo grupos étnicos minoritários na Sérvia, caso o Kosovo declare sua independência.
Mas tanto a Osar quanto o Ministério das Relações Exteriores partem do princípio de que a comunidade internacional, através da Força Internacional de Paz para o Kosovo (Kfor), está melhor preparada do que nos anos de 1990 para manter a situação sob controle.
Retorno imprevisível
A Secretaria Federal de Migração e a Osar também frustram as expectativas dos suíços que esperam se ver livre dos kosovares. “Não se deve esperar uma grande onda de retorno de exilados ao Kosovo. Quem luta pela independência já voltou e quem tem um emprego e se integrou na Suíça – e esses são a maioria – não voltará, porque no Kosovo não há trabalho”, disse Bolz à swissinfo.
A maioria dos 50 mil refugiados de 1998/1999 retornou até o ano 2000, “por livre e espontânea vontade, com ajuda suíça”, como escreveu o jornal Berner Zeitung.
Segundo a Secretaria Federal de Migração, hoje há cerca de 5 mil candidatos a asilo político oriundos da Sérvia e do Kosovo com o status de “provisoriamente aceitos”. São integrantes de minorias étnicas ou pessoas com problemas de saúde, que não seriam mandados de volta pelas autoridades suíças, acredita Bolz.
Evitar erros do passado
Segundo o deputado federal Ueli Leuenberger, do Partido Verde, esses dados mostram que o “problema do Kosovo” é apresentado de forma distorcida na Suíça. Ele acha que a independência deveria servir de oportunidade para uma avaliação realista da questão.
Profundo conhecedor do Kosovo e da comunidade kosovar na Suíça, Leuenberger diz que alguns dos problemas de hoje resultaram de erros cometidos pelas autoridades suíças no passado.
Os primeiros kosovares chegaram ao país em 1965, como trabalhadores sasonais. Eles pensaram que voltariam logo para casa e não aprenderam alemão, idioma falado pela maioria dos suíços.
Após as guerras na ex-Iugoslávia, eles decidiram permanecer na Suíça e só então trouxeram as suas famílias, num momento em que os imigrantes italanos já haviam se integrado ao país.
A partir de 1990, também vieram jovens desertores, que foram colocados em alojamentos de asilados, sem qualquer controle social. Em 1991, a Suíça mudou sua política para trabalhadores convidados e forçou muitos kosovares a deixar o país.
Para evitar tais erros no futuro, Leuenberger sugeriu em entrevista ao Berner Zeitung a assinatura de um acordo bilateral com o Kosovo, caso ele se torne independente. Uma idéia que deve ter poucas chances na atual Suíça, onde o partido nacionalista União Democrata de Centro (UDC) desfruta de grande popularidade com um discurso xenófobo.
swissinfo, Geraldo Hoffmann
A situação do Kosovo é parecida com a da Palestina. Historicamente diferentes grupos étnicos reivindicam a região para si. Os albaneses consideram-se descendentes dos ilírios, que ocuparam a região na Antiguidade.
Para os sérvios eslavos, o “campo do sabiá”, como o Kosovo é chamado no idioma sérvio, foi o núcleo de seu antigo império.
Com uma derrota legendária em 1389, os sérvios perderam para os turcos o domínio sobre a região, que então foi povoada por albaneses convertidos ao Islã.
Após o fim do Império Otomano, a Sérvia reconquistou em 1913 o domínio sobre a província. Na Iugoslávia socialista de Jossip Tito, o Kosovo fazia parte da República da Sérvia, mas a partir de 1974 desfrutou de ampla autonomia.
Já antes da derrocada da Iugoslávia, a Sérvia havia limitado essa autonomia, suprimindo-a totalmente 1989. O regime discriminatório de Slobodan Milosevic excluiu os albaneses de todas as posições-chave da economia e da administração pública. Estes reagiram com protestos que desembocaram na formação do Exército de Libertação do Kosovo (UCK).
A ocupação pelo exército sérvio em 1999 desencandeou um conflito armado, levou à expulsão de centenas de milhares de pessoas e, no final, à intervenção da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que no verão do mesmo ano conseguiu barrar o regime de Milosevic.
A Força Internacional de Paz para o Kosovo (Kfor) da Otan e a Missão Interina de Administração da ONU foram encarregadas de garantir a segurança e o governo da província. As negociações entre sérvios e albaneses do Kosovo fracassaram em dezembro de 2007. O clima entre os grupos étnicos continua explosivo.
Governo: Administração da ONU sob direção do alemão Joachim Rücker, representante especial do secretário-geral das Nações Unidas.
Presidente: Fatmir Sejdiu; primeiro-ministro: Hashim Thaci
População: 2,2 milhões de habitantes (88% albaneses, 8% sérvios)
Produto Social Bruto: cerca de 1.300 euros per capita (estimativa de 2005). De acordo com o Banco Mundial, um terço da população vive abaixo da linha da pobreza.
Religião: muçulmanos (a maioria dos albaneses, eslavos e turcos); católicos (cerca de 60 mil albaneses); cristãos ortodoxos (sérvios).
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