Resultados podem ser manipulados no Mundial, diz perito
Contrariamente ao que diz a Fifa, é grande a possibilidade de manipulação de alguns jogos da Copa do Mundo na África do Sul, diz o jornalista canadense Declan Hill.
“Não estou certo a 100%, mas as redes de apostadores estarão lá, com milhões para investir, e tentarão manipular jogos”, afirma Hill, maior especialista do assunto, em entrevista à swissinfo.ch.
A própria Fifa, pela primeira vez, se diz preocupada com a possibilidade de manipulação de resultados na Copa do Mundo, embora um pouco tardiamente.
Na segunda-feira (7/6), a entidade assinou um acordo com a ESSA (Associação Europeia para a Segurança e Integridade no Esporte), que reúne, segundo a Fifa, grandes operadoras europeias do esporte on-line.
A Fifa afirma que ainda que um acordo anterior havia sido firmado entre a entidade e a ESSA para vigiar a Copa do Mundo da Alemanha-2006, quando não foram detectadas irregularidades.
Segundo Declan Hill, não vai adiantar nada porque o grosso das apostas hoje não vem da Europa e sim da Ásia, cuja máfia investe 450 bilhões de dólares no futebol. Ele investigou as máfias de apostas e publicou, em 2008, o livro Soccer & Organized Crime? (Futebol & Crime Organizado).
Em entrevista à swissinfo.ch, quando passou recentemente por Genebra, Hill foi categórico: houve manipulação na Copa da Alemanha, em 2006, inclusive em um jogo do Brasil e, muito provavelmente, haverá também na África do Sul.
swissinfo.ch: A manipulação de resultados é recente?
Delclan Hill: Não, tem uma longa história. Começou no século 19, na Inglaterra, quando o remo era um esporte profissional. Os apostadores e a corrupção mataram o remo profissional e agora podem matar o futebol. Já existia também no futebol, mas nos últimos anos mudou de escala.
swissinfo.ch: Como assim, o que mudou?
D.H.: Até mesmo as apostas legais influenciavam o futebol. Na Inglaterra, as apostas são legais e vi milionários apostando 10 milhões de libras em jogo da Liga dos Campeões entre Manchester United e AC Milan. O que mudou completamente de escala foi a entrada no mercado, de maneira ilegal, dos apostadores asiáticos que movimentam, segundo estimativas de fontes policiais dos Estados Unidos, em torno de 450 bilhões de dólares por ano.
swissinfo.ch: Isso é um volume enorme, não é exagerado? E como funciona?
D.H.: É a realidade. Para se ter uma ideia, a Fifa vai ganhar em direitos de transmissão aproximadamente 3 bilhões de francos suíços nesta Copa. Somente para três países asiáticos – Cingapura, Malásia e Indonésia – a soma das apostas é avaliada em 8 bilhões. Funciona como uma teia de aranha. Tem os apostadores de um lado e uma rede enorme de contatos de outro, envolvendo empresários de jogadores, juízes, técnicos, administradores, fedederações etc. Não faz muito tempo, foram presas duas pessoas na Alemanha que trabalhavam para apostadores asiáticos para manipular jogos na Turquia.
swissinfo.ch: Na Copa do Mundo, quem pode ser corrompido para vender um jogo?
D.H.: As seleções que têm bons jogadores que ganham mal e têm poucas chances de ganhar a Copa. É o a caso de algumas seleções africanas e de países do Leste Europeu. Não posso afirmar com certeza que é assim que vai acontecer, mas a probabilidade é grande. Entrevistei bastante gente das máfias e mantive contatos. Na Copa da Alemanha, me avisaram dos resultados de quatro jogos com antecedência. Chorei quando vi que o Brasil ganhou de Gana por 3 a 0. Tinham me avisado antes. Tenho certeza que jogadores ganenses foram pagos para perder o jogo. Isso nada a tinha a ver com os brasileiros ou a CBF, mas com jogadores e dirigentes de Gana.
swissinfo.ch: Quando e quem paga para manipular o resultado de um jogo?
D.H.: Depende, mas no mínimo 50 mil dólares para cada jogador. Pode chegar a 100 ou 150 mil e dois ou três jogadores envolvidos. Pode haver corrupção de técnicos, juízes e membros de federações nacionais. Em mais de 90% dos casos, imagino que o favorito vai ganhar, mas isso impede o efeito-surpresa que faz a beleza do esporte.
swissinfo.ch: No grupo da Suíça tem algum adversário suspeito?
D.H.: Tem Honduras. Eu não tenho qualquer suspeita com o país, mas alguns jogadores ganham 100 dólares por mês e a federação ainda não pagou o bicho pela classificação. São alvos ideais para os apostadores. E o risco é ainda maior no terceiro jogo da primeira fase, onde “pequenas” seleções ainda estão na competição. No exemplo de Honduras, imaginemos que ela perde para a Espanha e para o Chile. O último jogo é contra a Suíça, e Honduras não teria mais chance de se classificar. Quem apostasse milhões na Suíça gostaria de ter certeza da derrota de Honduras.
swissinfo.ch: E nas oitavas de final?
D.H.: É imaginável, se houver confronto entre uma grande e uma pequena equipe, mas não entre duas grandes como Brasil, Itália, Alemanha, França.
E o que faz a Fifa nisso tudo?
D.H.: Praticamente nada. Assinou um contrato visando detectar anomalias de apostadores on-line e uma linha para que jogadores que forem contatados denunciem anonimamente. As duas medidas não servem para nada. Sinceramente não sei porque não tomam medidas mais eficazes.
swissinfo.ch: Que medidas?
D.H.: Primeiro, criar uma espécie de polícia, como fez a Uefa – União Europeia de Futebol. Segundo, a Fifa deveria pagar diretamente os jogadores das seleções “menores” e não entregar o dinheiro às federações.
Claudinê Gonçalves, swissinfo.ch
é canadense e jornalista de investigação, especialista em máfias de apostadores que manipulam resultados esportivos.
Publicou em 2008, Soccer & Organized Crime (Futebol & Crime Organizado), traduzido em oito línguas. Em francês, Comment truquer um match de foot (Como trucar um jogo de futebol).
Depois de escrever o livro, ele mantém contatos com redes de apostadores ilegais.
Ele afirma que quatro jogos foram trucados na Copa de 2006, na Alemanha: Gana (contra o Brasil e a Itália, Equador (contra a Inglaterra) e Ucrânia (contra a Itália). Ele diz que soube dos resultados antes dos jogos, mas que não aposta.
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