Tortura sistemática nas prisões brasileiras
O Comitê contra a tortura alerta: a tortura continua sistemática nas prisões brasileiras. O tema está documentado num relatório preparado pelo órgão da ONU e cuja publicação foi combatida pelo governo brasileiro.
Enquanto a Suíça intensifica as relações econômicas com o Brasil, o tema dos direitos humanos continua marginal no diálogo entre os dois países. Isso apesar dos apelos de ONGs como a Amnesty International.
“Superpopulação endêmica, condições abomináveis de reclusão, calor sufocante, pouca luminosidade, violência e confinamento permanente”. Esse é o clima nas prisões do Brasil, segundo um relatório do Comitê da ONU contra a tortura. Uma situação que continua atual, segundo Manon Schick, porta-voz da filial helvética da ONG Amnesty International.
“A tortura e os maus tratos são ainda generalizados e sistemáticos”, afirma ainda o documento, redigido por dois dos dez especialistas do comitê, o espanhol Fernando Mariño Menéndez e o chileno Claudio Grossman.
Os dois especialistas visitaram as prisões e as delegacias de cinco estados brasileiros entre 13 e 29 de julho de 2005, uma visita que havia sido solicitada em 2002 por várias ONGs.
Passividade brasileira
A ausência de resposta do governo brasileiro manteve sob segredo as conclusões da missão de investigação do órgão da ONU. A resposta foi finalmente dada na semana passada em Genebra, durante uma sessão do Comitê contra a tortura, e não contesta os fatos denunciados no relatório (um documento ainda confidencial, do qual a agência de notícias Infosud obteve uma cópia).
De fato, os dois especialistas da ONU se surpreenderam especialmente pela lentidão da tomada de providências por parte do Brasil para melhorar o seu sistema carcerário. Essa passividade também já foi denunciada por ONGs como a Amnesty International. Já se passaram mais de vinte anos desde que o país saiu da ditadura (1965-1985). O Brasil também dispõe de uma constituição democrática desde 1988 e ratificou a Convenção contra a tortura em 28 de setembro de 1989.
Os especialistas da ONU explicam às autoridades brasileiras que “existe a prática sistemática de tortura a partir do momento onde os casos notificados não ocorrem acidentalmente, que não ocorram em apenas um só lugar em um momento preciso mas quando se observam elementos costumazes, uma generalização, pelo menos em uma parte importante do território nacional.
O governo não está diretamente implicado
Eles admitem que “a tortura pode ter um caráter sistemático sem que isso se deva à vontade direta do governo”. Os especialistas também reconhecem que outros fatores devam ser levados em conta como a falta de coordenação das políticas nos diferentes níveis dos Estados e em falhas na legislação.
Porém eles ressaltam que nada justifica o que foi visto no Brasil, incluindo aspectos discriminatórios da tortura que atinge geralmente os detentos afro-brasileiros e a impunidade que vivem os autores desses atos.
Após ter feito todos os esforços para impedir a publicação do relatório, a missão diplomática brasileira terminou aceitando-a, como anunciou na última sexta-feira (23 de novembro) o presidente do Comitê, Andreas Mavrommatis.
Uma Suíça reservada
Resta saber se a Suíça, que colocou os direitos humanos no coração da sua política exterior, evocou essas graves violações no Brasil. Isso no momento que ela decidiu reforçar suas relações econômicas com a maior potência da América do Sul.
Doris Leuthard, ministra suíça da Economia, visitou o Brasil em fevereiro, acompanhada por uma delegação de empresários. Direitos humanos não entraram na agenda dos encontros, apesar dos apelos feitos pela Amnesty International.
“Nós enviamos à ministra um dossiê em que são apontadas as principais violações dos direitos humanos. Ao mesmo tempo solicitamos a ela que levasse essas questões aos representantes do governo brasileiro. Porém o ministério nos respondeu que se tratava de uma visita econômica e não uma visita de Estado, ou seja, dizendo que essas questões não seriam incluídas nas discussões”, diz Manon Schick.
A caminho de um tratado de cooperação jurídica
O ministério suíço de Relações Exteriores não ignora essa questão, como explica seu porta-voz Lars Knuchel. Porém este prefere abordá-la no contexto dos órgãos da ONU relacionados ao tema, como o Conselho dos Direitos Humanos.
Enquanto o Parlamento suíço está prestes a ratificar um tratado de cooperação jurídica com o Brasil, a polícia brasileira ainda está longe de oferecer todas as garantias em termos de respeito aos direitos humanos.
swissinfo Juan Gasparini (InfoSud) e Frédéric Burnand
Segundo o relatório preparado pelos seus especialistas no Brasil, o Comitê contra a tortura recomenda que qualquer acusação de tortura cometida por um representante do Estado seja objeto de um inquérito rápido, imparcial e aprofundado. Os responsáveis devem ser processados em aplicação à lei de 1997 sobre a tortura e punidos, caso a culpa seja provada.
Além disso, o Comitê recomenda que em cada Estado brasileiro, os serviços do procurador sejam capazes de abrir e conduzir inquéritos sobre qualquer queixa de tortura.
Ele recomenda igualmente que a liberdade provisória sob fiança não seja aplicada a pessoas acusadas de crimes de tortura e que os agentes do Estado acusados sejam suspendidos das suas funções até o final do inquérito e até o final do procedimento judiciário ou disciplinar que possam seguir.
O Comitê recomenda que apenas as declarações ou confissões feitas na presença de um juiz sejam aceitas como prova no procedimento penal.
Em caso de alegação de violações dos direitos humanos imputados à polícia militar e onde as vítimas sejam civis, os inquéritos e as ações judiciais devem ser conduzidas por jurisdições penais gerais e não por jurisdições militares.
O Brasil é o mais importante parceiro comercial da Suíça na América Latina. As empresas suíças empregam aproximadamente 90 mil pessoas. As relações econômicas entre os dois países são dominadas hoje em dia através de tratados multilaterais. Eles deveriam ser facilitados pela conclusão de acordos bilaterais.
A Suíça e o Brasil reforçaram a cooperação na luta contra a corrupção, tráfico de drogas e humano. Os dois países já firmaram acordos para intensificar o intercâmbio na área científica.
Na sua estratégia de política econômica exterior para 2007, a ministra suíça da Economia dá uma atenção especial à melhora do acesso aos mercados e à proteção dos investimentos feitos por empresas helvéticas em quatro países de economia emergente: Brasil, Rússia, Índia e China.
Nos quatro países são cometidas violações graves aos direitos humanos, segundo diversas ONGs.
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