Um passeio às prisões suíças
Durante doze meses o fotógrafo suíço Peter Schulthess visitou 28 penitenciárias no país, incluindo uma de segurança máxima. O trabalho resultou num livro que descreve com detalhes o sistema penal helvético.
Destaque no trabalho são fotos panorâmicas tiradas das celas, mostrando que até na Suíça prisão não deixa de ser prisão.
A maior parte das pessoas não gosta de penitenciárias. Os que não são obrigados pela justiça a passar uma temporada numa cela, só vão voluntariamente visitar uma prisão quando têm parentes detidos nela ou para trabalhar. Porém esse não é o caso de Peter Schulthess, um suíço que decidiu conhecê-las de perto sem cometer um crime.
“Tudo começou em 2002 através de um estagiário que trabalhava na nossa agência. Como o seu trabalho final era sobre a penitenciária da Basiléia, ele me convidou para tirar umas fotos do local. Quando entrei na prisão pela primeira vez, tive um grande choque. Não imaginava o que significava perder a liberdade”, conta.
Schulthess é um originário da Basiléia e tem 40 anos. Depois de trabalhar por treze anos em diversas agências de publicidade, o fotógrafo profissional decidiu em 2005 dar uma reviravolta na sua vida. Ele se demitiu e abriu a própria editora, batizando-a de “Themaschweiz” (Tema Suíço). “Meu principal objetivo era produzir livros com fotos e textos sobre aspectos pouco conhecidos do meu país, mas relevantes, e viver disso”, conta.
O segundo livro da jovem editora acaba de ser lançado. A reação da mídia foi imediata: várias matérias foram publicadas, com destaque para as fotos coloridas de Schulthess. “Atrás das grades” é uma obra de 200 páginas que não apenas descreve o sistema penal helvético, mas que também coloca o leitor dentro das prisões. Centenas de imagens documentam até os detalhes mais íntimos dos detentos, inclusive com perspectivas incomuns como as fotos tiradas de uma câmara fixada no teto das celas.
Dificuldades
“Até hoje só haviam publicado um livro jurídico sobre as prisões suíças, porém sem fotos”, conta orgulhoso o fotógrafo.
Durante um ano Schulthess visitou 28 prisões suíças. O trabalho não foi fácil, pois a burocracia para se visitar essas instituições é grande. É necessário sempre enviar pedidos aos diretores e explicar a razão de um trabalho artístico nos estabelecimentos, algo incomum até para a maioria dos profissionais da área penal. Com o tempo, o fotógrafo passou a ser conhecido no meio, o que terminou facilitando seu trabalho.
“Os diretores de penitenciárias se conhecem, mesmo os de outros países. Dou um exemplo: quando quis visitar a prisão de Freiburg im Breisgau, na Alemanha, um diretor suíço ligou para o chefe desse estabelecimento e resolveu tudo num piscar de olhos. Assim eu pude entrar nas celas, fotografar os detentos e até os guardas”, explica.
Obviamente visitar uma penitenciária não é como passear num museu. Existem regras de segurança que são seguidas à risca por todos aqueles que penetram nesse mundo atrás dos muros. “Em alguns casos eu não tinha contato com os presos, pois eles realmente podem ser perigosos. Sempre tinham guardas atrás de mim”, conta. Porém muitos diretores permitiam até que ele entrasse nas celas e tirasse fotos delas. Para mostrar o maior número possível de detalhes, ele teve uma boa idéia: fixar a câmara fotográfica com uma lente especial no alto da cela através de um cabo.
O resultado aparece no livro e tem o interessante efeito de mostrar como é pequeno e estreito o mundo vivido por pessoas como um detento de 70 anos na prisão de Thorberg, cantão de Berna. Na foto, a cela onde ele vive há dezessete anos, árida e triste como um banheiro público, está do mesmo jeito do que no dia em que o detento chegou.
Características
O livro “Atrás das grades” faz um passeio pelas prisões suíças e mostra detalhes quase desconhecidos do público. Na penitenciária de Zurique, criada para receber suspeitos de crime e outras pessoas cujos processos ainda estão em andamento, existem quatro celas chamadas “Body Packer”. Elas são destinadas às “mulas”, geralmente estrangeiros que carregam cápsulas de drogas no estômago e que foram presos nos aeroportos. A principal característica das celas é o fato da pia e o vaso sanitário estarem bloqueados, para evitar que o suspeito jogue fora as drogas. Sanitários especiais localizados ao lado têm filtros especiais, para separar as provas dos dejetos. Elas são levadas depois para o juiz.
Outras fotos revelam que os prisioneiros já condenados na Suíça precisam entrar numa lista de espera para ter direito a uma cela individual. Na prisão de Champ-Dollon, em Genebra, a superlotação chega a níveis semelhantes ao de países do Terceiro Mundo, o que frequentemente provoca revolta e incidentes graves, como quando um prisioneiro colocou fogo na sua cela e morrendo.
Quando o detento consegue sua própria cela e têm muitos anos para cumprir, muitas delas podem se parecer até com quartos comuns, com computador, livros, quadros na parede e plantas. Televisão também é quase um item obrigatório. “Você pode imaginar essa é a única forma de escapar das grades. O aparelho é considerado por muitos diretores como fundamental para a higiene mental dos prisioneiros”, explica o fotógrafo.
O leitor pode se espantar ao descobrir que, em muitas prisões suíças, o detentos têm animais domésticos. Assim com em várias outras penitenciárias, em Hindelbank e Grosshof o programa chama-se “Pet therapy”, uma terapia para ensinar sensibilização aos presos através de gatos e outros bichos. “Me contaram que detento havia cometido um crime sexual e que, por essa razão, era detestado por outros. Sem o seu gato ele teria se matado há muito tempo. Tratava-se de uma pessoa que não gostava de si próprio, de dentes ruins. Porém com os gatos ele tinha sucesso. São animais sem preconceitos e que se deixam acariciar”, explica Schulthess, lembrando de uma história que o comoveu.
Um mundo à parte
Algumas prisões até tem seções para mães. Existem muitas delas. A penitenciária de Hindelbank foi construída em 1720 e reformada várias vezes. Localizada no cantão de Berna, ela é a única apenas para mulheres. Uma das fotos tiradas por Schulthess mostra uma cela com móveis modernos, pinturas à óleo na parede e a cobertura da cama em estilo de pele de zebra, combinando com o abajur. Desavisados pensariam estar se tratando de um mostruário da IKEA ou de outra empresa de design.
“Pelas fotos você vê o toque feminino, porém trata-se de uma prisão como as outras”, lembra Schulthess. No mesmo capítulo ele mostra fotos de carrinhos de bebê e grades, muitas grades. Desde 1962, Hildelbank dispõe de um setor especiais para detentas grávidas ou mães. As mulheres ficam presas num pavilhão especial, mas com as celas abertas. Durante o dia elas cuidam dos bebês. Quando estes completam três anos, ou as mulheres são liberadas para cumprir o resto da pena em domicílio ou são separadas das crianças. Elas podem viver na prisão até completar três anos.
Prisão é sempre prisão
Peter Schulthess esteve em muitas prisões. Ele passou pela má-afamada penitenciária de Thorberg (cantão de Berna), também conhecida como a “Alcatraz da Suíça”; pela bonita La Stampa (cantão do Tessin), onde prisioneiros costumam tomar banho de sol no campo de futebol; pela triste prisão do aeroporto de Zurique, onde os estrangeiros passam seus últimos meses na Suíça antes de ser expulso para seus países. Más lembranças também ficaram de Lenzburg, onde “quando você grita, todo mundo escuta”, como conta o fotógrafo.
No final do seu trabalho, as reações de muitas pessoas são diversas, sobretudo devido à beleza estética de muitas das fotos. “Alguns me dizem – ah, como vivem bem os criminosos nas prisões suíças. Outro diretor até pediu que eu não publicasse as fotos da sua penitenciária, para que não viessem pessoas de fora viver nela”. De fato, as condições no país dos Alpes são muito diferentes do que em países como o Brasil ou na África. Mas de qualquer maneira, uma coisa não difere.
“Uma cela é sempre uma cela. E quem sai da prisão, mesmo na Suíça, fica para sempre marcado na vida”, analisa Schulthess. O livro “Atrás das grades” pode ser encomendado pela Internet e custa 80 francos.
swissinfo, Alexander Thoele
Em 2005, o governo dispunha de 122 instituições penais e 6.540 vagas.
As prisões são variadas. Existem aquelas com apenas dois lugares (prisão de Wollerau, próximo à Zurique) e 466 vagas (penitenciária de Pöschwies).
Grande parte delas sofre problemas de superlotação.
54% dos detentos são estrangeiros.
Em algumas prisões, até 80% dos detentos não têm o passaporte suíço.
Taxa de reincidência: homens (48%) e mulheres (44%)
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