Uma família de Berna no meio da catástrofe serrana
Uma família de suíços emigrou há 30 anos para Nova Friburgo, Brasil. Eles também viveram a catástrofe natural que se abateu sobre essa cidade montanhosa no início do ano.
Em entrevista à swissinfo, Urs Ammann conta os momentos dramáticos que viveu e também a esperança em relação ao futuro.
Yvonne e Urs Ammann, um simpático casal de suíços originários do Cantão de Berna – ela de Feutersoeg, um pequeno vilarejo da região do Saanenland, ele da cidade de Berna – jamais imaginaram testemunhar, naquela segunda semana de janeiro de 2011, tamanha devastação em Nova Friburgo, cidade que escolheram para viver.
Empreendedores por excelência, aqui iniciaram, há 30 anos, um próspero negócio. Eles sonhavam em construir, bem no âmago da Mata Atlântica brasileira, um estabelecimento diferenciado no ramo de hotelaria, um dos ramos de negócio mais tradicionais e bem conceituados em sua pátria.
A ideia essencial era criar algo diferente, aliando o “background” da exuberante paisagem tropical à possibilidade de prestar um serviço de excepcional qualidade, padrão cinco estrelas, aos mesmos níveis dos melhores “resorts” de categoria internacional.
Com efeito, o projeto arquitetônico e paisagístico procurou obedecer tal concepção, entremeando-se doze bangalôs ao lado de pequenos lagos, cascatas, bosques com plantas exóticas brasileiras, contidos no espaço de um imenso jardim em área de 500 mil metros quadrados.
Luxo alpino
Por se tratar de uma parte mais fria da região de Nova Friburgo, cada bangalô possui o aconchego da maioria dos estabelecimentos dos Alpes Suíços, notadamente a vista privilegiada dos vales em redor, janelas panorâmicas e lareiras, que fazem a alegria dos turistas, principalmente cariocas, que procuram algo diferente para curtir em seus períodos de férias e fins de semana.
As áreas comuns são uma atração à parte: saunas, piscinas, salas de leitura, TV, bares, e um restaurante que oferece especialidades brasileiras e suíças sob o comando pessoal da Yvonne, que não abre mão de cultivar, ela mesma, os temperos, verduras e legumes, tudo sob o mais exclusivo critério de preservação e proteção ao meio ambiente. E mais, a maioria dos produtos ali servidos são de sua própria fabricação, como os deliciosos pães, geleias, “chutneys”, molhos e queijo de cabra, sem contar os drinques especiais do Urs.
Com o advento das chuvas torrenciais que abalaram Nova Friburgo, o Distrito do Amparo, onde está localizada a propriedade da família Ammann – mais conhecida como Auberge Suisse, foi um dos que praticamente nada sofreu, em comparação com outros lugares mais atingidos.
Em todo o Distrito perderam-se algumas casas, notadamente aquelas construídas em condições precárias, nas partes mais baixas à beira dos rios e nas encostas mais acentuadas. O registro de casos fatais talvez tenha sido ali de quatro ou cinco, dos quase 500 mortos já contados (informação oficial de 4/2/2011).
As dependências do Auberge Suisse permaneceram intactas, com suas vias de acesso em perfeitas condições de tráfego.
Incerteza do futuro
Apesar de ter sido inteiramente preservada pelas intempéries, algumas incertezas quanto ao seu futuro certamente preocupa a família Ammann, preocupação essa que também incomoda a população friburguense em sua totalidade, mas muito especialmente aos que ganham sua vida exercendo atividades ligadas ao turismo.
Num primeiro momento, as pessoas se questionam quanto à possível perda de confiança, pelos turistas, no que concerne às condições de segurança da região. A indagação que tem se colocado com frequência é: “Quando os turistas voltarão?”. Não mais neste verão, provavelmente. Este é um aspecto do problema cuja superação independe de qualquer ajuda ou incentivo governamental imediato. Trata-se do restabelecimento da credibilidade e da confiabilidade que somente o tempo vai realizar.
Num segundo momento, o fator que poderá afetar o cotidiano da cidade, por um período de médio a longo prazo, é o estado econômico-financeiro do município que foi seriamente atingido, mas que pode ser razoavelmente revertido em pouco tempo, e assim mesmo com muito empenho e muito trabalho, caso venham a se concretizar as promessas de aporte de recursos financeiros por parte dos governos estadual e federal, amplamente divulgadas na mídia.
Nesse contexto inquietante há que se levar em conta, felizmente, a capacidade de iniciativa da população, fato que, convém ressaltar, tem-se testemunhado por toda a cidade. Também é muito importante, nesse momento, saber que se pode contar com a sua incrível capacidade de improvisação.
Mesmo assim, é possível que o setor hoteleiro e o turístico, em geral, venham a ter por algum tempo, uma inibição de suas atividades. Essa parece ser, também, a opinião de Urs Ammann, muito preocupado com a situação.
swissinfo.ch: Como está a situação dos comerciantes e empresários em Nova Friburgo após a catástrofe?
Urs Amman: Esse é um momento muito ruim para as atividades ligadas ao turismo e à hotelaria. Aqui em nosso estabelecimento não registramos sequer um único hospede, nos últimos trinta dias. E no restaurante, apenas uma meia dúzia de clientes.
swissinfo.ch: Sabe-se que sua clientela é de classe A e B. Então, o que se poderia fazer, em sua opinião? Passar a trabalhar com a classe “C”, que é a grande maioria, na estratificação social do Brasil?
U.A.: Notamos que uma nova perspectiva se abriu. A gente tem que reinventar. É curioso que mesmo depois de 30 anos de Brasil nós não nos tornamos brasileiros, naquele sentido em que o brasileiro tem de mais característico, isto é, improvisar quase sempre, principalmente nas dificuldades. Se ele não acerta numa profissão, ele se “transforma” em outro tipo de profissional.
Nós suíços não fazemos isso, porque na Suíça não é necessário. A nossa índole é proceder sempre perseguindo um objetivo, que quase sempre logramos conseguir, com esforço sustentável, olhando sempre para uma mesma direção, e a cada ano o trabalhador tem um ganho adicional, crescendo um pouco. Esta é a forma como o governo da Suíça faz seu planejamento, e o trabalhador suíço está habituado a este estado de coisas.
Explicando um pouco melhor: o brasileiro em geral não se importa de trocar de profissão, as mudanças ocorrem a toda hora, e ele é obrigado a se adaptar rapidamente a cada nova situação. Já no caso da Suíça e dos suíços, prevalece a sua persistência no que acontece em longo prazo, virtude, aliás, reconhecida pelos brasileiros.
swissinfo.ch: Você acha que seria possível atingir simultaneamente as classes A, B, e C?
U.A.: Como princípio básico é necessário dizer que um estabelecimento suíço não pode baixar de qualidade. É uma temeridade fazê-lo, sob pena de desmentir e desqualificar o conceito e a reputação da renomada qualidade suíça, conhecida no mundo inteiro.
swissinfo.ch: É possível popularizar sem perder a classe e a sofisticação?
U.A.: Vamos tentar implantar uma mudança “light” na filosofia do Auberge Suisse. Pretendemos dar grandes descontos para as diárias do hotel, assim como introduzir promoções especiais no restaurante, por exemplo, do tipo três ou mais especialidades a um preço bastante acessível, de maneira que possamos atingir a clientela da classe C.
swissinfo.ch: Qual sua opinião a respeito da reconstrução da cidade de Nova Friburgo? Seria possível uma recuperação econômica rápida, a curto e em médio prazo?
U.A.: Minha opinião é que a recuperação econômica da cidade vai demorar bastante, embora já possamos observar que a reconstrução física (limpeza, desobstrução de ruas e rios, encostas de montanhas, etc.) já esteja em franco desenvolvimento. Minha experiência com relação ao poder público não tem sido das melhores, mas mesmo assim, acho que temos que fazer a nossa parte, e é o que já estamos fazendo.
Em 12 de fevereiro, trinta dias após a catástrofe, Nova Friburgo parou para homenagear seus mortos.
Um grande número de pessoas compareceu às dez horas da manhã na Praça do Suspiro para prestar uma homenagem às quase 500 vítimas da maior tragédia ambiental de todos os tempos no Brasil, que atingiu Nova Friburgo.
Populares lotaram a praça, juntamente com o prefeito, Demerval Barbosa Moreira, seu secretariado e outras autoridades, assim como representantes do governo do Estado do Rio de Janeiro, instituições em geral, entidades e representantes de classe e da sociedade civil.
Estiveram presentes o Comando da Polícia Militar, Marinha e Exército, e um contingente do Corpo de Bombeiros da cidade de Nova Friburgo, que compareceu para homenagear quatro de seus companheiros, mortos durante a prestação de socorro às vítimas de um edifício que desabara.
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