A potência americana emerge dos escombros da Europa
A supremacia do dólar e o domínio da economia mundial pelos Estados Unidos estão entre as principais consequências da guerra que devastou a Europa entre 1914 e 1918, acabando com séculos de hegemonia europeia no planeta.
De fato, os Estados Unidos já eram desde o fim do século XIX a maior potência industrial do mundo, e em 1913 tinham um PIB per capita cerca de 30% maior do que o da Grã-Bretanha, país mais rico da Europa.
Mas, com o isolacionismo americano, a Europa se tornava o principal banqueiro do planeta, com todo o poder político ligado a essa posição. Às vésperas da guerra, os investimentos externos da Grã-Bretanha, da França e, em menor medida, da Alemanha juntas representavam dez vezes os dos Estados Unidos, afirma o historiador francês Antoine Prost.
A situação foi totalmente revertida cinco anos depois. A Europa foi financeiramente arrasada por um conflito cuja duração seus líderes não conseguiram prever e que custou cinquenta vezes mais do que os especialistas calculavam em 1914. O historiador e economista francês Alain Plessis estima o custo direto da guerra entre 150 e 170 bilhões de dólares para os seis principais beligerantes europeus, ou seja, de três a quatro vezes o seu PIB. E os europeus ainda tiveram que lidar com os custos, também astronômicos, do pós-guerra: reconstrução de regiões devastadas; pensões para milhões de mutilados, viúvas de guerra e órfãos; recuperação industrial.
– Metade do ouro mundial –
As potências europeias perderam no conflito a maior parte de suas reservas de ouro. Por outro lado, de 1913 a 1919, os Estados Unidos dobraram seus estoques de metais preciosos. Eles detinham 40% do ouro mundial no fim da guerra, e 50% em 1923.
“Não há sombra de dúvida que a Primeira Guerra Mundial, ao redistribuir as reservas metálicas, está na origem da supremacia internacional da moeda americana, que marcaria o século XX”, considera o historiador e economista francês Olivier Feiertag.
Essa nova supremacia foi reforçada pelo fato de os Estados Unidos terem se tornado ao fim do conflito o maior fornecedor de recursos do mundo, superando seus aliados europeus que tinham pegado emprestado mais de dez bilhões de dólares para financiar seus esforços de guerra.
“A Europa passou, entre 1914 e 1919, de grande credora do resto do mundo a principal devedora”, ressalta Feiertag.
– Europa mergulhada em dívidas –
A dívida, externa e interna, vai comprometer por um longo tempo as economias europeias. O serviço da dívida pública contraída durante e depois da guerra, assim como as pensões às vítimas representaram 52% do orçamento estatal francês em 1931.
Essa situação, acompanhada de um aumento substancial das despesas públicas, alimentou uma inflação galopante, sem precedentes: os preços, que durante o conflito dobraram na França e na Grã-Bretanha e quadruplicaram na Alemanha e na Áustria-Hungria, disparam ainda mais ao fim da guerra, enfraquecendo definitivamente as moedas europeias, à exceção notável da libra esterlina inglesa.
A Grã-Bretanha investiu antes da guerra principalmente na América do Norte, não financiou a reconstrução de seu território poupado pelos combates, e ainda recorreu à cobrança de impostos para financiar o conflito. Levando-se em consideração essas condições, os britânicos saíram melhor do conflito do que os demais países europeus, mesmo os vencedores, como a França, onde a destruição foi imensa e houve uma grande perda de capitais externos – que tinham sido investidos na Europa Central e na Rússia.
O franco perdeu dois terços de seu valor entre 1919 e 1928, enquanto o marco alemão afundou diante de uma hiperinflação que deixou a economia em situação caótica em 1922 e 1923.
– Estados Unidos à frente –
A desordem econômica e monetária se instalou de forma mais prolongada nos países herdeiros dos impérios derrotados: Rússia bolchevique, Hungria, Áustria, Tchecoslováquia, Finlândia…
Ao arruinar a Europa, o conflito “contribuiu para redefinir a hierarquia das potências econômicas mundiais, colocando os Estados Unidos no topo, e estabeleceu linhas globalmente inalteradas até os dias de hoje”, indica Olivier Feiertag.
Ele também “assentou as bases de uma economia de endividamento” em escala mundial, em um modelo de desenvolvimento que se mantém um século depois, considera.
A Primeira Guerra Mundial “marca a chegada dos Estados Unidos à vida internacional, de onde não sairão mais e, além disso, vão se consolidar progressivamente como os líderes”, em detrimento da Europa, resume o historiador francês Jean-Jacques Becker.