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O Brasil não é só corrupção

Duas malas e uma bandeira do Brasil
Quando a vontade de retornar à pátria é prejudicada pelas más notícias publicadas na imprensa. swissinfo.ch

Uma psicóloga intercultural fala sobre a importância de não deixar a crise manchar o orgulho nacional, principalmente quando se mora no exterior.

Muitos brasileiros estão vendendo tudo, fazendo as malas e indo para o aeroporto só com uma passagem de ida. A maioria dos veículos de comunicação já noticiou o fenômeno, que não para de crescer. A Revista Exame, em artigo publicado em junho deste ano, noticia que pouco mais de 18,5 mil pessoas deixaram o país em definitivo no último ano, mais do que o dobro dos quase 8 mil que foram viver no exterior em 2011, de acordo com dados da Receita Federal. São cidadãos com carreiras consolidadas, alto nível educacional, mas que vão embora desiludidos com o país.

Ruim para o Brasil, que perde cérebros importantes; tampouco ideal para os que deixam a pátria com a sensação de vergonha. Esse desencontro com a própria cultura atrapalha a adaptação no exterior. A crise atravessada nesse momento traz à tona algumas mazelas da cultura, e uma delas é, com certeza, a corrupção. Levando-se em consideração que a valorização da identidade nacional é imprescindível para adaptação em outro ambiente cultural, fica a pergunta: como manter essa boa relação quando tudo conspira contra? 

* Artigo do blog “Suíça de portas abertas” da jornalista Liliana Tinoco Baeckert.

A psicóloga intercultural Simone Torres Costa defende a manutenção desse brio por uma questão de saúde psicológica. Vivendo no exterior há 18 anos (EUA, Suécia, Polônia e Itália), é especialista no tema: escreveu tese de mestrado sobre o assunto e é autora do livro Deconstructing Brazil beyond Carnaval Soccer and Girls in Small Bikinis – Desconstruindo o Brasil: entre Carnaval, futebol e garotas em pequenos biquínis. Pelo seu currículo, Simone foi convidada pela Swissinfo para falar sobre o desafio ir embora sem perder a dignidade. 

swissinfo.ch: Se a Senhora e outros interculturalistas defendem a valorização da cultura nacional para melhor adaptação em outro país, como um brasileiro, nesse momento de crise moral, pode ainda carregar o orgulho de sua bandeira?

Simone Torres Costa: Em primeiro lugar, temos que diferenciar entre ter orgulho da nossa cultura e saber discordar dos defeitos da sociedade brasileira. Temos que dissociar esse respeito do estágio de desenvolvimento do Brasil. Ter uma relação saudável com a própria cultura implica em ver e aceitar qualidades e defeitos, e também entender o contexto histórico e sócio econômico da nossa sociedade. Ter orgulho da própria cultura, independentemente de crise e indicadores sócio econômicos, quer dizer respeitar o que somos de uma maneira adulta e realista.

Somo um país emergente apenas começando a questionar seriamente as relações coloniais onde a corrupção sempre se fez presente. Estar surpreso e em choque com as notícias da crise brasileira atual demonstra certa ingenuidade e um esquecimento da nossa história, que teve escravidão, ditadura militar e muita corrupção desde o início. Uma coisa é ficar indignado e desapontado com a situação atual do país e a outra é manter sua identidade brasileira psicologicamente saudável.

Encarar os defeitos da nossa sociedade é positivo, mas não necessariamente temos que reprovar nossas qualidades. Existem evidências científicas que comprovam que ter uma identidade saudável e equilibrada da nossa cultura de origem ajudar a nos adaptarmos melhor em outras culturas. Nossa identidade funciona como um pilar invisível, precisamos dele para saber como nos comportar socialmente. A minha pesquisa recente, trabalho da tese de mestrado que escrevi, comprova isso. Eu entrevistei 708 participantes em 69 países, e apresentei na conferência Families in Global Transition (FIGT 2017) – Famílias em Transição Global, em português – em março, na Holanda.

swissinfo.ch: Se a corrupção é uma cultura institucionalizada e embrenhada na sociedade brasileira, como os brasileiros que moram no exterior devem agir para se defender dessa imagem negativa?

S.T.C.: Esta pergunta é muito relevante e foi exatamente por isso que escrevi meu livro Deconstructing Brazil beyond Carnaval Soccer and Girls in Small Bikinis. Depois de 18 anos no exterior ainda luto para manter imagem equilibrada com minha própria identidade. Para isso precisamos conhecer melhor nossa história colonial e reavaliar nossos próprios conceitos sobre quem somos. A identidade brasileira é geralmente distorcida, pois aprendemos desde cedo a negar nossas origens africanas e indígenas e também nosso contexto histórico. Enquanto não valorizarmos e respeitarmos estes dois terços da nossa cultura fica difícil alcançar uma autoconfiança estável. Fora do Brasil somos diariamente confrontados com estereótipos e precisamos ter lucidez para nos desvincular deles.

swissinfo.ch: Lucidez em que sentido?

S.T.C.: Para não tomar somente os pontos negativos da nossa cultura. Todas têm pontos positivos e negativos. Muitas sociedades, hoje no topo do ranking das economias mais avançadas, já tiveram passados sombrios. Eu digo que é importante ter discernimento para saber que a corrupção não integra a prática de toda uma nação e que o Brasil, culturalmente falando, tem aspectos maravilhosos expressados em nossos comportamentos sociais (amigável, caloroso, aberto e carismático) e na capacidade de sobreviver e improvisar (muito comum entre os empresários brasileiros) que faz de nós um país tão apreciado em todo o mundo.

Simone Torres Costa
Simone Torres Costa. swissinfo.ch

swissinfo.ch: O que a Senhora diria para um brasileiro que é questionado sobre a situação de seu país? O que ele deveria dizer, sem entrar na questão política e partidária?

S.T.C.: A polarização de opiniões que acontece hoje no Brasil demostra uma imaturidade política típica de sociedades onde as pessoas têm pouco envolvimento político. As pessoas reclamam, mas não sabem ainda como participar mais ativamente de processos decisórios importantes para o país. Existe uma distância grande entre a sociedade civil e a política no que se refere à participação, monitoramento e engajamento. Estamos aprendendo isso agora, precisamos exercitar o pensamento político e saber discutir estas questões sem desrespeito à opinião do outro.

O essencial aqui é focar nas decisões que precisam ser tomadas e não em partidos.  Moro atualmente na Suécia e aprendo muito sobre comportamentos dos jovens na política. É lindo ver o engajamento deles e como uma discussão pode ser acalorada e intensa, mas com respeito. É possível aprender a agir assim, mas precisamos de maturidade. Eu diria a quem sai do país decepcionado que não é necessário amar o Brasil, porque o amor advém naturalmente do respeito e da admiração. Mas há que se preservar a dignidade.


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