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Solar Impulse torna-se um projeto de alcance militar

solar impulse
O Solar Impulse sobrevoando a São Francisco, EUA, em 24 de abril de 2016. Keystone / Jean Revillard / Handout

Apresentada como o futuro da aviação limpa, o projeto Solar Impulse foi vendido no ano passado a uma startup e servirá como base para o desenvolvimento de uma aeronave de vigilância voltada ao setor militar. 

Ao contrário da aventura do Solar Impulse, amplamente noticiada na imprensa, a operação de venda foi concluída sem alarde. Em 11 de setembro de 2019, um breve comunicadoLink externo enviado à imprensa anunciou a venda do avião solar que permitiu a Bertrand Piccard e André Borschberg completar sua inédita volta ao mundo em 2016.

Citado no texto do comunicado, Piccard se congratula que “o Solar Impulse 2, nesta segunda vida, continua a demonstrar que as tecnologias limpas podem realizar o impossível e também ajudar a construir um futuro sustentável”. Com o Skydweller, o avião solar trará benefícios à todos.”

No entanto, como mostra uma pesquisaLink externo, a jovem empresa hispano-americana Skydweller Aero, cujo siteLink externo é bastante lacônico, considera que o Solar Impulse 2 pode ser utilizado também para fins militares. A aeronave servirá como base para o desenvolvimento de aeronaves autônomas de vigilância e telecomunicações, capazes de voo contínuo.

O principal acionista da Skydweller, o grupo de defesa italiano Leonardo (ex-Finmeccanica), evocou um conceito de uma aeronave autônoma baseada no Solar Impulse no último show aéreo de Dubai. Um projeto capaz de “transportar radar, ótica eletrônica, equipamento de telecomunicações, sistemas de escutas e interceptação telefônica”.

Leonardo, que detém quase 20% do capital da Skydweller, acredita nestes desenvolvimentos futuros. “O tamanho do mercado é enorme”, disse Laurent Sissmann, um dos gerentes de projeto, acrescentando que “só para a aplicação militar, estamos falando de várias centenas de milhões que poderiam ser capturados pela Skydweller”. Para aplicações civis, ele citou “um sistema de revezamento para telecomunicações, observação de desastres naturais e cartografia”.

Hoje, o avião está baseado no aeroporto de Albacete, na Espanha. A Skydweller, cuja matriz está registrada em Delaware, um estado americano considerado paraíso fiscal, anunciou que o avião voltará aos céus em breve. Mas a empresa não conversa com jornalistas.

O piloto Solar Impulse ainda está encarregado de manter a aeronave no ar. Porém o objetivo anunciado da Skydweller é substituir o ser humano por um sistema autônomo e aproveitar o ganho de peso para instalar instrumentos de monitoramento e observação.

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Avião solar suíço chega ao final do percurso

Este conteúdo foi publicado em O avião Solar Impulse 2 pousou às 04h05 locais de terça-feira em Abu Dabi (21h05 de segunda-feira, hora de Brasília), concluindo a última etapa de sua inédita viagem de volta ao mundo, de mais de 42.000 km, usando o sol como única fonte de energia.

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“Solar Impulse nunca será armado”

Questionado sobre os objetivos do projeto, Bertrand Piccard declarou em entrevista no canal RTS que o contrato de venda incluí salvaguardas proibindo a transformação do Solar Impulse em um drone militar ofensivo. “É um avião que nunca será armado. Isso está claro e é contratual”, disse.

De acordo com nossas informações, não há risco de que o avião solar atravesse o céu com mísseis sob suas asas; um cenário tecnicamente inviável.

Um engenheiro familiarizado com as ambições da Skydweller nos explicou que a empresa adquiriu o Solar Impulse principalmente como uma “plataforma de teste, com suas tecnologias já testadas”, e que há interesse na “forma de publicidade” que o passado do avião pode trazer. “Se eles conseguirem desenvolver algo, ele não será mais necessariamente na forma do Solar Impulse, mas sim incorporará parte do know-how adquirido durante a aventura ao redor do mundo”, disse ele.

Uma coisa permanece certa: nossa pesquisa mostra que as ligações entre a administração da Skydweller e a indústria de armas são óbvias. A possibilidade de que o legado da Solar Impulse possa assumir uma dimensão parcialmente militar não pode, portanto, ser uma surpresa para Bertrand Piccard e André Bortschberg.

Skydweller vem da indústria de armamentos

O diretor da Skydweller, o americano Robert Miller, descreve a si mesmo como tendo “décadas de experiência na comunidade de defesa aérea”. Seu currículo mostra que passou por gigantes de armamentos americanos: da Northrop Grumman às subsidiárias da Lockheed Martin, sempre no setor de drones. Marwan Lahoud, engenheiro de armas e ex-executivo do Grupo Airbus, também foi recentemente nomeado para a administração da startup.

Uma fonte familiarizada com as negociações de venda entre Skydweller e Solar Impulse nos disse que Robert Miller havia apresentado seus contatos com o Departamento de Defesa dos EUA para ilustrar a solidez de sua oferta. A atividade de lobby da Skydweller nos Estados Unidos é voltada para os temas de defesa e inteligência.

Esta proximidade com o setor de defesa dos EUA é evidente nas atividades de lobby da Skydweller. O novo proprietário do Solar Impulse 2 mandatou assim o antigo lobista da Associação Nacional do Rifle (n.r.: “National Rifle Association” – NRA), a famosa organização a favor das armas de fogo, para Washington para influenciar as discussões no Congresso Americano sobre drones e vigilância.

Apesar desses elementos, Bertrand Piccard ainda diz acreditar nas futuras aplicações comerciais e industriais do projeto, citando telecomunicações, meteorologia e serviços de fotografia aérea. Ele também exorta “a não ser hipócrita”, lembrando que, por outro lado, “muitos sistemas que agora são pacíficos foram desenvolvidos pelos militares”.

Questão do financiamento

Esta venda, que contrasta fortemente com a luta original do Solar Impulse pela transição energética e sua promoção de valores humanistas, também levanta questões financeiras.

Como lembrete, o custo da aventura do Solar Impulse foi de 170 milhões de francos ao longo de 15 anos. A maior parte da soma veio de patrocinadores privados, mas também pela participação direta e indireta do governo suíço. Hoje, os lucros são coletados apenas pela Solar Impulse SA, uma empresa de propriedade de Bertrand Piccard e André Borschberg.

Solar impulse
Bertrand Piccard (à direita) e André Borschberg (esq.) ao lado do “Solar Impulse 2” após o pouso em Abu Dhabi, em 26 de julho de 2016. © Keystone / Peter Klaunzer

Os dois homens não revelam o valor da transação, argumentando que o contrato os proíbe de falar sobre ela. Mas Bertrand Piccard define seu ganho como “um retorno do investimento no qual se investiu durante 15 anos”. O aeronauta insiste que “não ganhou nada durante este período”. Embora ele não fosse de fato remunerado diretamente pelo Solar Impulse, Bertrand Piccard pôde aproveitar sua imagem para aumentar o número de conferências, que foram faturadas em até 30 mil francos cada uma.

Hoje, ele diz estar “aliviado que a empresa criada com André Borschberg esteja faturando algo”.

A venda daquela joia tecnológica trouxe assim dinheiro para os fundadores, mas não para os patrocinadores, tais como a Confederação Suíça. Isto não estava previsto nos contratos. Os acordos consistiam essencialmente no usufruto da publicidade em torno da aventura ao redor do mundo.

Participação direta e indireta do governo

Nicolas Bideau, diretor da Presença Suíça, a agência oficial de promoção da imagem da Suíça ligada ao ministério de Relações Exteriores (EDA) que centralizou a participação pública suíça, estima o apoio público em seis milhões de francos. “Uma grande parte disto foi na forma de provisão de hangares de aeronaves em Dübendorf (ZH) e Payerne (VD). Também houve subsídios do Departamento Federal de Energia para promover as energias renováveis, e a Presença Suíça investiu 1,25 milhões de francos em dinheiro para ser um parceiro nesta aventura”.

Nicolas Bideau ressalta que a participação dos Institutos Federais de Tecnologia da Suíça e a disponibilização de seus engenheiros também deve ser acrescentada. Isto aumenta a proporção da participação pública suíça.

Como a Suíça se beneficiou com isso? Para Nicolas Bideau, o retorno não é financeiro, mas é igualmente importante. “O know-how da Solar Impulse não está tanto no avião que hoje voou para a Espanha, mas nas firmas de engenharia e em nossas faculdades politécnicas. Isto não deve ser subestimado”, argumenta ele. Para ele, “o destino atual do avião é uma pena (…), mas nós aproveitamos ao máximo do Solar Impulse na Suíça”.

>> Vídeo promocional da organização Presença Suíça (abril 2016)

Conteúdo externo

Vendas fracassadas

Este entusiasmo não é compartilhado por todos. O ex-parlamentar Fathi Derder não abranda suas palavras e fala de “um fracasso completo” por parte da Confederação. “Há anos eu venho lutando para conscientizá-los de toda a incrível tecnologia envolvida no Solar Impulse”, diz este membro do Partido Liberal-Democrata, que queria ver a Suíça mantendo este know-how em seu território.

“Agora está indo para mãos estrangeiras, obviamente americanas”. Seja qual for o destino, é dramático para nosso país”, lamenta Fathi Derder, que não culpa André Borschberg e Bertrand Piccard. “A partir do momento em que os promotores se voltam para as autoridades federais, que lhes viram as costas com uma espécie de recusa educada, mesmo ligeiramente humilhante, não deve ser nenhuma surpresa que uma empresa privada se volte para o exterior”.

Em sua infância, a segunda vida do Solar Impulse em um projeto tecnológico com duplo uso militar e civil, ainda não se materializou. Mas a Skydweller vê o panorama geral. Sua gerência anunciou a contratação de 120 funcionários entre a Espanha e os Estados Unidos, a maioria engenheiros. Uma vez concluídos os estudos, o avião poderia terminar sua vida na Suíça, exposto em um museu.

>> A reportagem investigativa realizada pela televisão da Suíça francófona RTS

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Correção: artigo foi corrigido em 23 de novembro para deixar claro que Leonardo detém quase 15% do capital da Skydweller e não 20%, como originalmente indicado.

Adaptação: DvSperling

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