Não há proteção total contra enchentes
Nas últimas três décadas, as enchentes causaram prejuízos de mais de 10 bilhões de dólares na Suíça. Para reduzir os danos, o país adota uma "estratégia integral de prevenção às cheias".
Ela combina obras de construção civil com medidas de organização e planejamento, controle rígido da ocupação do solo e proteção ao meio-ambiente. Um seguro obrigatório cobre os prejuízos em caso de catástrofe.
Os governos federal, estaduais e municipais da Suíça investem anualmente em torno de 3 bilhões de dólares em medidas de proteção contra riscos naturais, especialmente contra enchentes e avalanches de neve.
Mas isso ainda não torna o país imune a catástrofes. As enchentes de 2005 e 2007 mostraram que a prevenção ainda pode ser melhorada, sobretudo diante das previsões de que intempéries extremas podem se tornar mais freqüentes com a mudança climática.
Para o quadriênio 2008-2011, somente o governo federal prevê investimentos de 708 milhões de dólares na proteção contra cheias. Os 26 estados pedem um aumento desse montante para 1,3 bilhão. Mas, devido aos gastos adicionais com as duas últimas cheias, o máximo que Berna está disposta a dar é em torno de 1 bilhão de dólares.
Mais mortes no esquí do que nas cheias
Apesar de investir muito em prevenção, o país teve grandes prejuízos materiais decorrentes das enchentes nas últimas três décadas. Na do ano passado, que atingiu o centro, oeste e noroeste do país, houve também vários feridos, mas nenhuma morte.
“Na Suíça morrem menos pessoas por causa de enchentes do que por desrespeito às regras nas pistas de esqui”, compara o secretário-adjunto de Meio Ambiente do país, Andreas Götz. “Como temos uma longa experiência com cheias, a consciência dos riscos é muito forte”, acrescenta.
Ele contou à swissinfo que recebeu de um funcionário de sua secretaria fotos da tragédia no Vale do Itajaí com o seguinte comentário: “Veja o que pode acontecer quando não se tem um sistema de proteção contra cheias”. Götz diz que não se surpreendeu com o número de mortes em Santa Catarina. “Na China, mais de um milhão de pessoas morreram devido a enchentes nos últimos anos.”
Götz admite não conhecer as medidas preventivas adotadas no Brasil, mas acredita que o know how da Suíça, considerado um país modelo em proteção contra enchentes na região dos Alpes, pode ser adaptado a qualquer país.
“Temos estreitos contatos nessa área com o Japão. E acabamos de fazer um workshop com o ministro da Água da China. Ele disse que vai aplicar em seu país o que aprendeu conosco.”
Sistema integral de proteção
Com base nas experiências feitas durantes as catástrofes dos anos de 1980, o governo suíço reviu sua estratégia e adotou um “sistema integral de prevenção às cheias”. Ele considera toda uma cadeia de fatores que podem influenciar uma enchente, desde a queda da chuva até o dano, e aponta as medidas que podem ser tomadas para diminuir os prejuízos. (clique no gráfico ao lado)
O sistema inclui a construção de muros, diques, pontes móveis, corredores de escoamento, bacias de retenção da água, desassoreamento e renaturalização dos rios, proteção das matas ciliares e áreas ribeirinhas.
Essas obras são combinadas com medidas de planejamento (p.ex., proibir construções em áreas de risco) e de organização (planos para evacuar atingidos), o aprimoramento dos sistemas de avaliação de riscos, de medição e de alerta do nível das águas, bem como com planos de emergência nacionais, estaduais e municipais (veja alguns exemplos de medidas contra cheias na galeria de fotos ao lado).
Mapas das áreas de risco
Além disso, a Secretaria Federal de Meio Ambiente (Bafu, na sigla em alemão) está mapeando todas as áreas de risco do país (a metade já está feita), uma medida que enfrenta a resistência de proprietários que temem a desvalorização de seus imóveis. Contra esse temor, Götz tem um argumento simples: “A proteção contra cheias é sempre melhor do que de repente perder a vida. O poder público tem a obrigação de proteger os cidadãos contra riscos”.
Segundo Götz, os mapas de risco são indispensáveis para aperfeiçoar constantemente o sistema de proteção e usar os recursos públicos da melhor maneira possível. “Com essas informações, é possível até simular a possível evolução de uma enchente e ensaiar a reação das autoridades nos três níveis de governo”, explica.
A Suíça também usa dois sistemas de alerta contra catástrofes naturais: além de um serviço federal, agências de meteorologia privadas disparam alertas via SMS. “Quanto melhor a previsão tanto mais rápido pode ser a reação. Mas o alerta sozinho não basta. O importante é que, com base no alarme, sejam tomadas as decisões corretas”, afirma Götz.
Seguro obrigatório
Quando, apesar de todas as medidas preventivas, ocorrem prejuízos, como foi o caso em 2005 e 2007, um seguro obrigatório contra incêndio e riscos naturais repõe as perdas privadas (fora estragos no terreno) e o Estado reconstrói a infra-estrutura, explica Olivier Overnay, diretor do Departamento Nacional de Proteção contra Enchentes da Suíça.
Sem esse seguro, ninguém pode construir na Suíça. Pelo fato de ser obrigatório para todos os proprietários de imóveis, é relativamente barato para os padrões suíços. Overnay ilustra isso com um exemplo.
Para uma casa no valor de 500 mil francos (413 mil dólares), situada no cantão (estado) de Friburgo, no oeste da Suíça, o seguro é de 210 francos (173 dólares) ao ano. A taxa corresponde a 42 centavos de franco por 1.000 francos segurados. Se o imóvel for destruído por incêndio ou catástrofe natural, o seguro repõe um de mesmo valor de mercado.
A taxa do seguro varia de cantão para cantão, porque a prevenção às cheias na Suíça é principalmente uma tarefa dos estados, mas a idéia que está por trás é a mesma em todo o país: “criar um máximo de solidariedade a um custo mínimo para que ninguém passe necessidade ou fique sem teto depois de uma catástrofe”, explica Overnay.
“Não se pode impedir completamente os prejuízos, mas a meta tem de ser, pelo menos, reduzi-los ao mínimo”, diz Overnay. E Andreas Götz completa: “A melhor proteção contra cheias é dar espaço suficiente à água, tanto nos rios quanto em áreas de retenção. Cada metro colocado à disposição da água também significa um espaço de vida a mais para a natureza.”
swissinfo, Geraldo Hoffmann
Thomas Müller, deputado federal do Partido Democrata Cristão (PDC) suíço e prefeito de Rorschach (à beira do Lago de Constança), é casado há 30 anos com uma brasileira e tem uma casa em Navegantes. Sobre a enchente no Vale do Itajaí, ele disse à swissinfo:
“Conheço bem a região. É preciso ver o tomanho da área atingida. É impossível prestar ajuda simultaneamente em todo lugar. Vi as imagens dos deslizamentos na TV. O que me deixa perplexo, às vezes, quando viajo de Navegantes para Blumenau ou Benedito Novo, é como as pessoas se aventuram a construir nos morros e nas encostas. Nem sempre estou seguro de que isso seja um bom terreno para construir. Os controles para autorizar uma construção na Suíça são muito mais rígidos do que no Brasil.”
Rorschach é uma cidade de 8,5 mil habitantes que corre risco de inundações por dois lados (pelo Lago de Constança e da água que vem das montanhas). A cada intervalo de 10 a 12 anos, há uma cheia que alaga a rua principal. O prefeito explica que todas as casas na área de risco têm bombas de sucção instaladas no porão. O alerta de que vem uma enchente é dado com 15 a 20 horas de antecedência. Nesse tempo, é levantada uma barreira de mais ou menos um metro de altura na porta de todas as casas.
Müller afirma que “nenhum país e nenhuma cidade do mundo é inume a catástrofes. O decisivo é que, depois de uma catástrofe, se avalie bem por que ela aconteceu e, conhecendo-se as causas, se tome as devidas providências para o futuro. O importante é que haja um zoneamento que impeça construções em áreas de risco de deslizamentos ou enchentes.” (Müller foi entrevistado por Alexander Thoele)
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