Língua morta perde seu latim na Suíça
A tendência em excluir o latim como requisito para a universidade vem diminuindo o interesse pelo antigo idioma nas escolas suíças. Os professores de latim estão tentando novas formas de "vender" o tradicional curso para pais e alunos.
A Suíça vem debatendo ultimamente a posição do latim no sistema educacional. Como em outros países europeus, a matéria ainda faz parte do currículo do ensino secundário. No entanto, uma proposta do governo cantonal de Genebra, no ano passado, de retirar a língua morta do currículo escolar provocou a indignação dos professores clássicos, que consideram o vernáculo dos antigos romanos um patrimônio cultural do Ocidente.
Por outro lado, as universidades suíças, que costumavam exigir o latim como um pré-requisito para os estudantes de graduação, estão pondo a matéria de lado. O idioma antigo não é mais necessário para os estudos em medicina ou direito. A partir deste semestre, a Universidade da Basileia também não requer mais o latim como pré-requisito para estudar história.
Por sua vez, a Faculdade de Letras da Universidade de Zurique, diante de uma decisão semelhante, optou por manter a exigência do latim. Na verdade, muitos estudantes começam seus estudos sem conhecimentos de latim e são obrigados a fazer um curso intensivo na universidade para conseguir o nível exigido pela instituição.
Mundo estranho
Na tentativa de dar uma segunda vida à língua morta, alguns professores de latim começaram a procurar tornar o assunto mais relevante para as preocupações atuais. Em um folheto, eles enfatizam o caráter remoto do latim e dizem que, apesar de morta, a língua pode ainda desempenhar um papel no desenvolvimento da competência intercultural e até mesmo na integração dos imigrantes.
Gabriela Trutmann é presidente de um fórum de professores de línguas clássicas de Zurique: “Na aula de latim os alunos são constantemente confrontados com estrangeirismos. No entanto, este elemento ‘estrangeiro’ está próximo deles, porque moldaram decisivamente nossa cultura ocidental e visão do mundo. Assim, eles ganham um entendimento diferente da nossa cultura e das culturas estrangeiras”, disse.
Andreas Külling, que lidera um grupo de professores de latim da Basileia e cantões vizinhos, concorda:
“Abordamos o vocabulário latino e os conteúdos de textos latinos como um encontro com um estranho mundo do passado, quando damos uma segunda olhada, no entanto, percebemos que há muita coisa bem próxima de nós, que nos ajuda a compreender melhor nosso próprio mundo.”
Abordagem multilingue
De forma mais prática, os professores também têm propostas para usar a língua morta como uma ponte para ajudar os jovens a aprender línguas modernas, através da aquisição de um quadro geral de aprendizagem de línguas.
“Estruturas gramaticais básicas podem ser demonstradas de forma exemplar usando o latim”, diz Külling. “Combinações de latim com uma língua estrangeira moderna foram tentadas com sucesso, mas eram casos isolados. Agora estamos fazendo isso de forma mais intensa com uma didática multilíngue.”
Segundo Külling, a didática multilíngue se concentra nos pontos comuns dos idiomas, de forma que eles só precisam ser aprendidos uma vez, permitindo assim a aprendizagem de várias línguas para proceder de forma mais rápida e eficiente.
Esta abordagem tem particular relevância para a Suíça, tradicionalmente um país multilíngue onde saber duas ou três línguas é rotina. Para os germanófonos em particular, o ensino do latim pode oferecer uma estrutura útil para o aprendizado das línguas românicas faladas na Suíça, como francês, italiano e romanche, ou mesmo o inglês.
Pensamento analítico
“No ensino do latim no nível mais baixo (os dois primeiros anos do ensino secundário) olhamos para a linguagem de forma intensa e geral”, diz Trutmann. “Como a linguagem funciona? Quais os problemas que eu tenho que resolver quando eu construo uma frase? Quais são os componentes das sentenças? Que coisas posso expressar com estruturas Que frases? Como os tempos são usados? “
Assim, a aula de latim se torna um lugar de estudo da linguagem comparativa.
“Isso é realmente interessante porque agora estamos recebendo um grande número de crianças que não falam alemão como língua nativa, mas francês, italiano ou inglês”. O latim lhes dá um meio de comparar o segundo idioma com a língua materna delas.
Trutmann acha que os professores de línguas modernas agem bem “deixando a reflexão sobre a linguagem para o latim e se concentrando mais na comunicação oral no idioma estrangeiro”.
Ela insiste no ponto de que o latim ensina os alunos a pensar de forma analítica e cita um estudo de Zurique mostrando que as regras de latim têm ótima correlação com outras disciplinas. Em outras palavras, o aluno bom em latim também é bom nas outras matérias.
“A razão pode estar nas habilidades gerais que ensino do latim provavelmente trasmite”, acredita.
Mesmo assim, na Suíça e em outros países, defender o latim continua sendo uma batalha difícil, principalmente para aqueles que defendem o seu uso corrente. O latim está em declínio, mesmo em seu último bastião, a Igreja Católica Romana. O Concílio Vaticano II, que ocorreu há 50 anos neste mês de outubro, foi realizada em grande parte em latim. Foi provavelmente sua última ocasião na história. De fato, o Papa Bento XVI acaba de decidir, pela primeira vez, na criação de uma Academia Pontifícia para o Estudo do Latim. Antes, não havia necessidade de uma.
O latim sempre teve um lugar especial na Suíça. A abreviatura do país, que deixa muitos estrangeiros perplexos, é CH, para “Confoederatio Helvetica” ou Confederação Suíça.
Com quatro línguas nacionais, o latim representa um campo neutro. Isso se reflete nos nomes de várias organizações nacionais, como “Pro Juventute” para crianças e jovens, “Pro Senectute” para pessoas de idade.
A Associação Médica Suíça é abreviada em FMH, que significa “Foederatio Medicorum Helveticorum”. Hoje, o inglês está sendo utilizado para o mesmo fim e já proliferam nomes como “Swissmedic”.
O latim foi usado em toda a Europa por filósofos e cientistas, alcançando um público internacional. Muitas personalidades suíças usaram o latim, como reformador Calvino, em Genebra, o humanista Gesner, de Zurique, no século XVI, até o versátil cientista Albrecht von Haller, de Berna, no século XVIII.
Apesar desta tradição, o ensino do latim na Suíça diminuiu drasticamente nos últimos anos. De acordo com a Secretaria Federal de Estatísticas, cerca de 18.000 alunos se formaram nas escolas secundárias, em 2011. Entre eles, apenas 1.000 escolheram as línguas clássicas latim ou grego. Em 1999, eles eram cerca de 4.000.
Adaptação: Fernando Hirschy
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