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Miró, Giacometti e Klee: uma relação surrealista

Quando falamos de Joan Miró, pensamos inevitavelmente no surrealismo de seus quadros e nas suas figuras peculiares, que são acompanhadas por uma gama pictórica muito particular. O Zentrum Paul Klee de Berna acaba de expor uma seleção de suas obras em homenagem ao artista espanhol.

Joan Miró foi um dos artistas mais influentes e famosos do movimento surrealista que surgiu na primeira metade do século XX. Se pensarmos na sua obra, talvez nos venha à mente o estilo particular que ele utilizou para expressar sua arte. A lua, o sol, as estrelas e a silhueta feminina são figuras que se repetem com frequência nos seus trabalhos e foram particularmente representadas na exposição que no Zentrum Paul Klee.

O que muitas pessoas não conhecem sobre Miró, entretanto, é a influência que Paul Klee exerceu na sua arte e a amizade que ele manteve com o escultor, também suíço, Alberto Giacometti.

Miró e Klee compartilharam 19 exposições durante suas vidas. Embora nunca tenham chegado a se encontrar pessoalmente, eles estiveram unidos por uma relação única de admiração.

“Klee foi o encontro mais importante da minha vida”, disse uma vez Joan Miró sobre o artista suíço. Por sua vez, Paul Klee também o homenageava ocasionalmente em público e mostrava sua admiração pelo catalão.

A arte deliberadamente “infantil”, o mundo da loucura, do circo e o gosto por marionetes são evidentes no estilo de ambos os artistas. De alguma forma, eles estiveram sempre próximos, mas ao mesmo tempo distantes.

E, mais uma vez, a obra de Joan Miró se aproxima novamente do artista suíço. A exposição “Novo Horizonte”Link externo reuniu uma importante coleção do pintor espanhol.

“Miró alcança uma visão cósmica da arte”

Joan Miró é conhecido pelos seus coloridos mundos de sonhos surrealistas. “Seu interesse pela arte anônima e coletiva o levou a colaborar com artesãos, poetas e arquitetos, sempre motivado por um interesse pela natureza, pelas tradições populares etc. Tudo isso lhe permitiu alcançar uma visão cósmica da arte”, disse Teresa Montaner, responsável pelas coleções da Fundació Joan Miró, à SWI swissinfo.ch.

O pintor catalão vivenciou turbulentos eventos políticos e sociais. A cidade de Barcelona testemunhou seus primeiros passos no mundo da arte. No entanto, seriam as paisagens emotivas de Paris dos anos 20, junto com a poesia surrealista, o expressionismo abstrato de Nova York e do Japão e a tranquilidade de Mallorca que acabariam moldando sua obra.

É precisamente esta última etapa de sua carreira que é o ponto de partida para a exposição. A mostra reflete esse momento de autocrítica e novos começos que Joan Miró viveu ao se mudar permanentemente para Palma de Mallorca em 1956. A partir de então, o pintor questionaria todos os seus trabalhos anteriores e retomaria obras inacabadas.

Nessa época, Miró está à procura de novas formas de expressão e decide se afastar dos métodos mais clássicos de pintura. Ele troca o pincel por tesouras e outros instrumentos, utiliza tecidos e produz esculturas gigantescas. O resultado dessa transformação artística pôde ser visto nas 74 obras da exposição, principalmente nas do final dos anos 60 até o início dos anos 80.

Miró e Klee se aproximam novamente

E quando falamos de Paul Klee, em quê pensamos? É possível que lembremos das cores de sua famosa pintura ‘Insula Dulcamara’, ou nas figuras de peixes, como em “Fish Magic”, ou talvez dos olhos, rostos e linhas que podem nos lembrar também de Miró.

Quando os membros do ilustre Clube 49 de Barcelona votaram, em 1957, nos dez melhores pintores do século, os três primeiros lugares foram Picasso, Klee e Miró. Apesar destes dois últimos artistas terem tido um interesse mútuo no trabalho um do outro, eles nunca se encontraram pessoalmente.

“O próprio Miró recorda, em suas entrevistas, da primeira vez que André Masson lhe mostrou algumas reproduções de Klee e o impacto que elas lhe causaram. Isso ocorreu em 1923, momento no qual a sua pintura tomaria outra direção”, destacou Montaner.

Após descobrir Klee, Miró teve acesso à arte do suíço através das inúmeras galerias que frequentava. Durante uma viagem a Berlim no final de 1935, o historiador da arte alemão Will Grohmann lhe mostrou uma pintura de Klee na qual o método disjuntivo de composição já era evidente. Miró tomou essa técnica como inspiração para suas peculiares ‘Constelações’.

Anos mais tarde, em 1948, Miró regressaria a Paris para assistir a uma retrospectiva da obra de Klee no Museu Nacional de Arte Moderna, cuja influência pode ser vista em sua obra nos hieróglifos e signos orientais utilizados.

Essa admiração, contudo, já vinha de longa data. Foi através de seus amigos surrealistas Louis Aragon, Paul Eluard e René Clevel que Miró adquiriu um conhecimento mais profundo do trabalho de Klee.

Miró uma vez compartilhou com o versátil artista húngaro-francês Brassaï: “Klee me fez perceber que uma mancha, uma espiral, até mesmo um ponto, podem ser temas pictóricos tanto quanto um rosto, uma paisagem ou um monumento”.

Joan Miró e Paul Klee coincidiram mais uma vez nesta exposição, onde o visitante pôde encontrar semelhanças e diferenças entre os dois pintores.

Uma amizade por correspondência

Durante sua estadia em Paris, Miró se cercou de uma série de artistas, escritores e pessoas influentes, como Pablo Picasso, André Masson, Paul Éluard, Ernest Hemingway, André Breton e Max Ernst, entre muitos outros.

A capital francesa também testemunharia o primeiro encontro entre Joan Miró e um outro artista suíço, Alberto Giacometti. Foi o início de um intenso relacionamento pessoal e profissional que duraria da década de 1930 até a morte de Giacometti.

A partir do movimento surrealista, ambos os artistas se influenciaram mutuamente, embora com uma diferença essencial: Giacometti escolheu refletir sua arte principalmente através da escultura e Miró através de suas pinturas.

Além disso, eles expuseram juntos em várias ocasiões e compartilharam ao mesmo tempo galeristas renomados, como Bucher, Loeb, Matisse e Maeght.

“Miró era absolutamente perfeito”

“Para mim, Miró era a grande liberdade. Algo mais aéreo, mais solto, mais leve do que qualquer coisa que eu já havia visto. Em certo sentido, ele era absolutamente perfeito.” O artista suíço dedicou inúmeras palavras de admiração ao seu amigo.

No que diz respeito à técnica, muitos especialistas se aventuram a afirmar que foi Miró que influenciou primeiramente o escultor suíço. Na década de 1930, Giacometti já demonstrava interesse pelos objetos poéticos dos cubistas e surrealistas, particularmente Picasso, Dalí e o próprio Miró, o que poderia confirmar essa interpretação da crítica.

Por sua vez, Miró, em uma de suas cartas, observou o seguinte sobre seu amigo suíço: “É o resplendor do homem que mais me comove na sua obra, sendo a obra apenas o resultado lógico disso”. Estas palavras denotam uma admiração e talvez também uma certa influência de Giacometti sobre Miró. E os elogios foram constantes na amizade que seria mantida por correspondência.

Alberto Giacometti chegaria inclusive a visitar Miró em Palma, para onde decidiu se mudar permanentemente em 1956.

Por fim, o surrealismo que permeia a obra de Joan Miró também pode ser facilmente apreciado nas esculturas de Giacometti e na linguagem disjuntiva desenvolvida por Paul Klee, tornando os três artistas grandes mestres do movimento e reunindo-os em uma peculiar relação surrealista.

Adaptação: Clarice Dominguez

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