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Pesquisadores falam do pífano no Brasil

Grupo Catavendoré se apresenta em Olinda swissinfo.ch

O II Tocando Pífanos realizado em Olinda também foi a ocasião de encontrar estudiosos do instrumento, como Regina Cajazeira e Daniel Magalhães.

Na entrevista a seguir, ambos contam um pouco do muito que sabem da história do pífano.












swissinfo.ch: O que significa hoje o pífano na música brasileira? Onde é tocado e por quem?

Daniel Magalhães: O pífano chegou ao Brasil provavelmente pelas mãos dos jesuítas e militares portugueses, sendo em seguida introduzido aos indígenas e chegou aos sertões levado pelas populações miscigenadas, isto na altura dos 1500-1600. Atualmente existem centenas de grupos pelo Brasil formados, em grande parte por descendentes dos primeiros tocadores de pífano, que guardam similaridade com o que existia há alguns séculos. Interessante observar que o pífano foi introduzido junto à população por duas vias: a via indígena, que vem da época da colonização, da introdução do pífano pelos índios e tem a segunda via – em Minas, por exemplo, onde ele é vinculado aos negros, sem qualquer traço indígena e com um toque militar.

Hoje em dia é possível encontrar grupos de pífanos em grande número de cidades do nordeste, norte de Minas, notadamente no interior. Nas capitais ou nas grandes cidades já não se guarda a mesma tradição. Estes grupos são conhecidos por diversos nomes, dependendo da região onde atuam: Banda de Pífanos, Banda de Pife, Música de Pife, Zabumba, Cabaçal, Esquenta-Mulher, Banda de Negro, Terno, Banda de Couro (Goiás), Musga do Mato, Pipiruí ( Minas Gerais). Assim como a sua denominação varia, a sua composição também tem sensíveis diferenças, mas seus instrumentos básicos são dois pífanos, um surdo, um tarol e um bombo ou zabumba. Mais recentemente, o pífano deixou de ter conotação mais religiosa e passou a fazer parte do mercado comercial de músicas, ganhando espaço através de discos, CDs, vídeos, shows, etc..

 

swissinfo.ch: Onde o pífano é mais utilizado?

Regina Cajazeira: Praticamente todos os estados do nordeste têm bandas de pífanos, embora não tenha certeza sobre o Maranhão e Piauí, onde desconheço sua existência. Segundo o pesquisador alagoano José Tenório Rocha, praticamente cada uma das 94 cidades de Alagoas tinha pelo menos uma banda de pífano. Na Bahia, as bandas de pífanos estão mais na região do Sertão. No Recôncavo Baiano já se observa mais as bandas de músicas, com flauta, clarineta, formadas antigamente por escravos. Mesmo em Goiás encontra-se bandas de pífanos que são chamadas de Banda de Couro. Como vimos no Encontro de Olinda, algumas cidades no interior de São Paulo possuem grupos de pífanos e no Rio de Janeiro temos o “Pife Muderno”, de Carlos Malta. Até onde sei, este é o quadro brasileiro onde o pífano é praticado.

 

swissinfo.ch: Qual é o perfil do tocador de pífano no Brasil, ou mais precisamente no nordeste?

Regina/Daniel: É um músico autodidata, sabe as músicas, as melodias oralmente, muitas delas criadas por ele mesmo, por outras bandas ou por alguém que ele conhece e sabe de ouvido. Em geral ele é membro de uma família de pifeiros, ou está dentro de uma comunidade onde ele aprende de ouvido. Suas referências são visuais e auditivas. Os componentes das bandas são, na sua maioria, trabalhadores rurais que se ocupam da agricultura de subsistência, trabalhando no “alugado”, ou cultivando sua pequena roça. Reúnem-se antes de cada apresentação e repassam o repertório. O pifeiro tradicional, está mais ligado ao ambiente rural. São pessoas simples, que lidam com o campo, plantações, gado, situados em um nível social às vezes menos favorecido. Mas isto não é uma característica apenas dos pifeiros porque também, antigamente quem tocava nas bandas de música eram escravos que faziam outros serviços e além disso tocavam outros instrumentos. De uns tempos para cá existe também o pifeiro urbano que aprendeu o pífano pelos discos, pelos CDs e outras mídias.

 

swissinfo: Quando e onde se toca pífano, atualmente no Brasil?

Daniel/Regina: Basicamente em cidades do interior, notadamente no nordeste. Em capitais é difícil, a não ser em shows. Toca-se muito no interior em festas religiosas e eventos cívicos, quando não há uma banda de música na cidade. Nas cidades grandes as bandas de pífanos quase nunca estão presentes nos eventos de maior expressão. No nordeste, toca-se pífanos nas cavalhadas, levantamento do mastro, procissões, leilões, bem como animação de festas. O pífano praticado na Suíça tem um contexto bastante diferente do nosso.

 

swissinfo.ch: O pífano no Brasil não está mais associado à área militar, correto?

Daniel: Atualmente não, mas já esteve. Até o século 19, ele era o instrumento militar, ligado à infantaria, dentro das forças portuguesas. O pífano, tal como nos exércitos europeus ia à frente da infantaria enquanto na cavalaria havia o trompete. Há inúmeros documentos que mencionam o pífano, inclusive no tempo de Dom João VI, que em sua guarda de honra tinha pífanos e caixas (tambores). Atualmente ele não possui mais esta conotação militar, pelo menos, utilizado por corporações militares.

 

swissinfo.ch: O pífano está deixando de ser um instrumento nordestino para se tornar nacional?

Daniel: Sim, pode-se dizer que ele está ganhando paulatinamente cada vez mais espaço fora do nordeste. No Rio de Janeiro temos o “Pife Muderno”, comandado por Carlos Malta, que tocou muito tempo com Hermeto Pascoal que é alagoano, e que o influenciou muito. Tem movimento em Botucatu, São Paulo, com o Zé Cláudio, outro em Campinas, com o Carlos Valverde. Em Minas Gerais temos o grupo Cataventoré, tem o grupo “Cor de Fubá” e em Uberlândia há outro grupo chamado “Pifarinha”, que chegou a gravar um CD. Mais para o sul, tenho notícias de pifeiros no Paraná. No Rio Grande do Sul tenho notícia de execução do pífano no período colonial associado aos militares portugueses mas é bem provável que tenha gente mexendo com o instrumento por lá, hoje em dia. De qualquer forma, pode-se dizer, sim, que ele tem avançado nos últimos anos.

 

swissinfo.ch: Já é possível dizer que o pífano seja um instrumento conhecido nacionalmente?

Daniel: muito precariamente, em nível nacional. Mesmo no Nordeste não se pode dizer que ele seja conhecido pela massa popular. Nas grandes cidades, então, quase nada. Além disso, é preciso lembrar que em alguns lugares o pífano atende por outros nomes, como por exemplo gaita, em algumas partes do nordeste ou flauta, em Minas Gerais.

 

swissinfo.ch: Que importância teve este Encontro de Olinda para vocês?

Regina.: Foi um evento mais eclético porque não ficou apenas no entretenimento ou conversas com os mestres de pífanos, coisas mais da cultura oral. Houve muitas atividades que trouxeram mais conhecimento aos pifeiros, como a sua apresentação sobre o pífano na Suíça e pelo mundo afora. Da mesma forma outras palestras ilustraram bastante sobre o mundo atual do pífano. As duas oficinas, bastante concorridas, foram de grande importância. Além disso, houve também entretenimento, com shows na praça. Outro ponto importante foi a feira de produtos que funcionou durante o evento, vendendo publicações, métodos para levar o pífano para as escolas, CDs, assim como amostras de trabalhos trazendo uma parte de conhecimento teórico do assunto

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Daniel: Como participei do primeiro encontro, posso dizer que houve uma teorização em torno do pífano, com uma preocupação de colocar o pífano na perspectiva da educação musical. Isto ficou mais claro no evento, com trabalhos materializados. Dá para ver, efetivamente o surgimento mais palpável destes movimentos. Julgo importante o intercâmbio de informações havido entre os participantes, que foi bem mais representativo. Isto tudo me deixa mais convicto da caminhada que está em curso de afirmação do pífano como um instrumento efetivamente de integração nacional.

baiana de Salvador, professora aposentada da Universidade Federal de Alagoas, doutora em educação musical, etmusicóloga e flautista, desenvolveu pesquisa sobre educação e cultura procurando métodos, repertórios e materiais didáticos que possibilitem aproximação entre as manifestações culturais e a educação musical. É autora do livro “Tradição e Modernidade – o perfil das Bandas de Pífanos de Marechal Deodoro, Alagoas”.

Músico, pós-graduado pela Escola de Musica da Universidade Federal de Minas Gerais, autor dos livros “Canudos, Gaitas e Pífanos – As flautas do norte de Minas” e “Cancioneiro do Jequitinhonha: 160 partituras para flauta”, lançados este ano e da dissertação de mestrado “Pipiruí e Caixa de Assovio: Tocadores de pífanos e caixas nas festas de reinado”, de 2009. Ele mesmo “pifeiro”, integrante e fundador do grupo Cataventoré, formado em 2000, em Belo Horizonte.

Olinda

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