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Quem são os suíços que gostariam de ser americanos?

No maior Festival Trucker & Country, que reúne caminhoneiros em Interlaken, a admiração pelos EUA é evidente. No entanto, o fascínio pela Rota 66 e pelo Velho Oeste não implica necessariamente em uma visão ingênua do país onde se vive sem plano de saúde e previdência.

O Festival Trucker & CountryLink externo em Interlaken é o maior do gênero na Europa. Em 2024, o evento reuniu 45 mil pessoas.

Em alguns momentos, o visitante tem a impressão de nem estar na Europa – em meio a monster trucks, chapéus de cowboy e um touro artificial de rodeio no hangar do aeroporto. As pessoas comem cachorro-quente, enquanto garotas e garotos do Velho Oeste mais parecem personagens dos quadrinhos Lucky Luke. Entretanto, o apresentador fala alemão com sotaque austríaco e conta como os emigrantes europeus levaram as danças de sua terra natal para os EUA.

“Velho Oeste” de verdade em Interlaken

Os garotos e as garotas do Velho Oeste dançam ao som da canção infantil “Old Mac Donald had a Farm”. Às vezes, o festival parece um Carnaval estadunidense dentro da Suíça. “Um verdadeiro faroeste”, comenta uma visitante.

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Ilustração histórica

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“As repúblicas irmãs”: o que uniu os EUA e a Suíça

Este conteúdo foi publicado em Em tempos passados, a Suíça e os EUA eram conhecidos como “repúblicas irmãs”, o que foi há pouco lembrado por um ex-embaixador americano. De fato, os dois países moldaram e influenciaram um ao outro.

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Alguns dias antes, o cientista cultural Johannes Binotto explicava: “Os fãs de John Wayne podem não gostar de ouvir isso, mas o Velho Oeste só existe como fantasia nostálgica”.

O gênero faroeste exemplifica quais fantasias relacionadas aos EUA despertam sentimentos nostálgicos nas pessoas – estejam elas na Europa ou nos EUA. “As primeiras histórias de faroeste só surgiram quando o Oeste do país, não colonizado por brancos, já havia desaparecido”, diz Binotto.

O especialista sugere uma pergunta para ser respondida em Interlaken: Do que as pessoas falam, quando se referem aos Estados Unidos?

Em muitos casos, a resposta tem referências geográficas. Muitos entusiastas pensam nas regiões campestres dos EUA e falam sobre o trabalho em propriedades rurais com cultivo de laranjas na Flórida. E relatam sobre o Midwest (região centro-oeste do país), onde a liberdade pode, segundo eles, de fato ser sentida – em uma picape ou mesmo em um caminhão.

Eles falam sobre seu fascínio pelos estados do sul dos EUA, que são “controversos, mas também muito interessantes”. E contam a respeito de Dakota do Norte ou Illinois – mas não sobre Chicago, pois: “Estive no campo, de onde vem a comida”. Quase ninguém aqui já esteve em Nova York, relatam.

Mais faroeste que política

No dia seguinte ao debate presidencial nos EUA, em Interlaken pouco se falava de política. Apenas um frequentador do Festival apontava para sua bandeira dos Estados Confederados do Sul dos EUA e dizia apreciar “o fato de os estados do sul terem mantido a escravidão por muito tempo”. Quando perguntamos em tom de crítica se ele está bêbado, ele nega.

As pessoas dançam ao som da música que sai dos alto-falantes em palcos grandes e pequenos. Tanto profissionais quanto amadores dançam em linha – não apenas nos palcos oficiais, mas por todos os lados. Na vilarejo do faroeste, quem ainda não tem um chapéu de cowboy, pode comprar um.

A vida selvagem e dominada pelos homens do Velho Oeste é observada em tom de brincadeira e o senso de humor é às vezes rude: “Too many arseholes, too few bullets” (Muitos idiotas, poucas balas) é o que diz uma placa de lata com o rosto de Clint Eastwood.

Mais divertido para as crianças é o caminhão, totalmente grafitado com spray, que estampa imagens de Terence Hill e Bud Spencer, atores italianos que fizeram comédias de ação e faroestes spaghetti.

Três pessoas na frente de um caminhão.
Um dos quase mil caminhões estacionados na chamada “Truck Mile”. Vera Leysinger / Swi Swissinfo.ch

“Cuidar da própria vida”

Johannes Binotto combinaria com o ambiente do Festival, já que costuma andar com um chapéu de cowboy. Ele confessa ser “totalmente fascinado pelo país e pelas histórias a respeito”.

Binotto comprou seu primeiro chapéu do tipo quando George W. Bush assumiu a presidência dos EUA. Ele não queria “deixar aqueles chapéus legais para as pessoas reacionárias”, explica. A mitologia do Velho Oeste, segundo ele, não pertence a um único campo político, mas é brilhantemente ambígua.

O fato de o maior Festival Trucker & Country da Europa acontecer não Suíça não surpreende Binotto. O especialista em cultura vê similaridades entre os dois países. “O ideal de fazer suas próprias coisas, no seu próprio quintal, existe tanto nos EUA quanto na Suíça”, aponta. Nem o governo nem as autoridades deveriam ter permissão para bisbilhotar a vida de cada pessoa.

Binotto percebe essa busca pela liberdade no vazio também nos Alpes. “Olhando onde os povoados foram fundados, tenho a impressão de que as pessoas se mudaram para esses lugares para evitar o convívio com outras”, diz o especialista. Segundo ele, “os vilarejos suíços nas montanhas também carregam algo de fronteira. Esse mito da fronteira remete à descrição romantizada dos emigrantes europeus que se mudaram para o outro lado do Atlântico no século 19.

Aqueles que se estabeleceram o mais cedo possível e o mais longe possível no Oeste, bem no limite da percepção da natureza selvagem, foram celebrados como heróis pelas culturas pop e popular.

Um homem com chapéu
Johannes Binotto enfatiza que o Velho Oeste é “deslumbrantemente ambíguo”. Ele comprou seu primeiro chapéu de caubói quando George W. Bush era presidente dos EUA. Ivan Engler

Vida assegurada na Suíça

Porém, os admiradores dos EUA em Interlaken veem poucas similaridades entre as mentalidades suíça e estadunidense – além de, talvez, aspectos como a sociabilidade e o bem-estar. “O país me tocou, mas vejo poucas semelhanças com a Suíça”, diz Matthias Steffen, de Emmental.

Nos EUA, o fracasso é permitido. Como empresário, você pode cair e se levantar novamente. Há mais vitalidade e alegria de viver por lá. “Aqui você tem a polícia na frente da sua casa se atirar em uma árvore em um domingo”, diz Steffen. No dia a dia, ele tenta “misturar o que há de melhor da Suíça e dos EUA”. No entanto, admite viver como um suíço “Bünzli” e não pensa em emigrar. “Lá ninguém cuida de você”, completa.

“Bünzli”, uma denominação pejorativa para suíças e suíços conformistas, é um termo que surge várias vezes nas conversas. Segundo Steffen, a Suíça é considerada um país de pessoas de mentalidade restrita – em contraste com o imenso país da liberdade, os EUA. “A segurança você tem aqui, a liberdade você tem lá”, diz Rico Meyer, que passou parte de sua infância nos EUA. Na Suíça, por exemplo, você é rapidamente considerado um “destruidor do meio ambiente” quando dirige um veículo off-road.

Apesar disso, Meyer aprecia a segurança: “Tem muita coisa que é melhor na Suíça: o seguro de saúde, os planos de previdência”, conclui.

“Liberdade que vem dos filmes”

Beat Ruchti, que já experimentou no Velho Oeste estadunidense “a liberdade, aquela que a gente conhece dos filmes”, não pensa seriamente em emigrar.

Ele cruza o Oceano todos os anos e costuma discutir regularmente, do outro lado do mundo, sobre o Estado do bem-estar social, as caixas de previdência ou os seguros de saúde da Suíça. “Há mundos separando a política daqui e a de lá. Aqui vivemos em um país seguro”, diz Ruchti. Dessa segurança ele não pretende abdicar.

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Debate
Moderador: Isabelle Bannerman

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Muita gente que frequenta o Festival Trucker & Country em Interlaken é entusiasta dos EUA e do american way of life. Ao mesmo tempo, praticamente todas as pessoas entrevistadas reconhecem a diferença entre o fascínio e o entusiasmo e a realidade.

Na placa do veículo off-road de Bernd Zay, está escrito: “God bless our Nation”. Zay trabalhou como motorista de caminhão durante 31 anos. “De preferência, ele sairia do país”, conta sua mulher Tatjana Zay. Enquanto isso, Bernd sorri. Ele gostaria, mas isso nunca foi possível. Seu fascínio pelos EUA cresceu junto com sua paixão por carros quando ainda era adolescente.

O fascínio é recíproco. “Os rituais e os hábitos cotidianos são muito diferentes na Suíça”, diz Zay, “mas, assim como os suíços são fascinados pelos EUA, conheço algumas pessoas nos EUA que são totalmente fascinadas pela Suíça”, completa.

O motorista de caminhão de longa data faz observações semelhantes às do especialista em cultura Binotto: “Os EUA cultivam a imagem de países como a Suíça”. E, na Suíça, as pessoas cultivam a imagem dos EUA. “Essas fantasias resultam em influência recíproca”, diz Binotto, “e surtem efeitos reais sobre os debates sociais”, conclui.

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Edição: David Eugster

Adaptação: Soraia Vilela

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