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O preço da indiferença da Europa

Ponto de vista
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O debate sobre a migração na Europa assumiu um caráter preocupante. Tudo começou com a criação do conceito extremamente vago (uma aberração jurídica) de "migrante", que confunde a diferença, essencial ao direito, entre a migração econômica e a migração política, entre as pessoas que fogem à pobreza extrema e as que foram forçadas a abandonar as suas casas devido à guerra.

Ao contrário dos migrantes econômicos, os que fogem à opressão, ao terror e ao massacre beneficiam de um direito inalienável ao asilo, que implica uma obrigação sem reservas por parte da comunidade internacional de lhes proporcionar abrigo.

Mesmo quando esta diferença é reconhecida, faz muitas vezes parte de outro estratagema, o de tentar convencer os mais crédulos de que os homens, mulheres e crianças que pagaram milhares de dólares para viajar numa dessas frágeis embarcações que dão à costa nas ilhas de Lampedusa ou Kos são migrantes econômicos. No entanto, o que é fato é que 80% dessas pessoas são refugiados que tentam escapar ao despotismo, ao terror e ao extremismo religioso de países como a Síria, a Eritreia e o Afeganistão. É por isso que o direito internacional exige que os casos dos requerentes de asilo não sejam analisados a granel, mas sim individualmente.

Bernard-Henri Lévy

Nascido na Argélia em 5 de novembro de 1948, o filósofo, escritor, jornalista e ensaísta francês tornou-se um dos expoentes de um grupo intitulado “Novos Filósofos” – críticos do pós-estruturalismo e do marxismo.

Em 1968 entrou para a Escola Normal Superior francesa, onde teve como professores de filosofia Jacques Derrida e Louis Althusser.

Foi correspondente para o jornal parisiense Combat, trabalhando em Bangladesh durante a guerra de libertação contra o Paquistão.

Um dos seus livros de maior sucesso é “O século de Sartre” (Le siècle de Sartre). 

Mesmo quando se aceita este fato, quando a multiplicidade de pessoas que tenta desembarcar nas praias de Europa mostra que é totalmente impossível negar as barbaridades que as conduzem à fuga, surge uma terceira manobra de diversão. Algumas pessoas, incluindo o Ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, afirmam que os conflitos que geram refugiados ocorrem apenas nos países árabes que estão a ser bombardeados pelo Ocidente.

Mais uma vez, os números não mentem. A principal fonte de refugiados é a Síria, onde a comunidade internacional se recusou a implementar as operações militares previstas ao abrigo da “responsabilidade de protegerLink externo”, embora o direito internacional exija a intervenção armada quando um déspota louco, após ter morto 240.000 membros da sua população, se empenha em esvaziar o seu país. O Ocidente também não está a bombardear a Eritreia, outra grande fonte de refugiados.

Outro mito prejudicial, imortalizado por imagens chocantes de multidões de refugiados que atravessam as vedações das fronteiras e tentam entrar em comboios em Calais, é o de que a “Fortaleza Europa” está sob o ataque de vagas de bárbaros. Esta ideia está errada em dois níveis.

Em primeiro lugar, a Europa está longe de ser o principal destino destes migrantes. Cerca de dois milhões de refugiados oriundos da Síria fugiram para a Turquia, e um milhão fugiu para o Líbano, que tem apenas 3,5 milhões de habitantes. A Jordânia, com uma população de 6,5 milhões de habitantes, já acolheu 700.000 refugiados. Entretanto, a Europa, numa demonstração de egoísmo conjunto, deitou por terra um plano para alojar 40.000 refugiados que tinham requerido asilo nas cidades onde se refugiaram, na Itália e Grécia.

Em segundo lugar, a minoria que escolhe a Alemanha, França, Escandinávia, Reino Unido ou Hungria não é constituída por inimigos que têm o propósito de nos destruir ou de viver à custa dos contribuintes europeus. São requerentes de liberdade, adoram a nossa terra prometida, o nosso modelo social e os nossos valores. São pessoas que clamam “Europa! Europa!” da mesma forma que milhões de europeus, ao chegarem à Ilha de Ellis há um século, aprenderam a canção “America the Beautiful”.

Além disso, existe o vil boato de que este assalto imaginário foi orquestrado clandestinamente por estratégias da “grande substituição”, que defende a substituição dos europeus por estrangeiros, ou pior, por agentes de uma jihad internacional, e que os migrantes de hoje são os terroristas de amanhã em trens de alta velocidade. Deverá salientar-se que esta ideia é pouco razoável.

Consideradas em conjunto, estas distorções e ilusões provocaram graves consequências. Para começar, o Mar Mediterrâneo foi abandonado aos traficantes de seres humanos. O Mare Nostrum está gradualmente a tornar-se na grande vala comum marinha descrita por um poeta distante. Este ano, cerca de 2.350 pessoas morreram afogadas.

Porém, para a maioria dos europeus, estas pessoas são pouco mais do que estatísticas, tal como os homens e as mulheres que sobreviveram à viagem continuam incógnitas e indistinguíveis, uma massa anônima ameaçadora. A nossa sociedade sensacionalista, normalmente tão rápida na produção de celebridades imediatas para servir de “rosto” à crise do momento (desde a gripe suína a uma greve de caminhoneiro), não demonstrou interesse relativamente ao destino destes “migrantes”.

Estas pessoas (cuja viagem até à Europa se assemelha à da princesa fenícia Europa, que veio da cidade de Tiro no dorso de Zeus há muitos milhares de anos) estão a ser totalmente rejeitadas: Na verdade, estão a ser erguidos muros para as manter do lado de fora. O resultado é mais um grupo de pessoas a quem se está a negar direitos fundamentais. Estas pessoas, tal como Hannah Arendt comentou certa vez, irão acabar por encontrar na prática de um crime a sua única via para o mundo das leis e daqueles que beneficiam dos direitos que as leis lhes conferem.

A Europa, assediada pelos seus xenófobos e atormentada por dúvidas sobre si própria, virou as costas aos seus valores. De fato, esqueceu-se do que é. Os sinos dobram não só pelos migrantes, mas também pela Europa, cujo patrimônio humano se está a desmoronar perante os nossos olhos.

Ponto de vista

A nova série da swissinfo.ch acolhe doravante contribuições exteriores escolhidas. Tratam-se de textos de especialistas, observadores privilegiados, a fim de apresentar pontos de vista originais sobre a Suíça ou sobre uma problemática que interessa à Suíça. A intenção é enriquecer o debate de ideias.

As opiniões expressas nesses artigos são da exclusiva responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião de swissinfo.ch.

Tradução: Teresa Bettencourt

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