Um olhar fotográfico sobre o Cervino
Um casal publica um livro fotográfico sobre o Cervino, a montanha ao sul do país no cantão do Valais que simboliza a Suíça.
Em entrevista à swissinfo, Beat Perren lembra sua beleza, mas também o seu lado mortífero, sobretudo para muitos alpinistas.
Ela está lá, quase inerte. Move-se apenas durante alguns desmoronamentos que modificam detalhes, mas não comprometem o imponente perfil. A montanha do mundo, como o Cervino (Matterhorn, em alemão) é conhecido, suíça pela geografia e de origem africana pela geologia, ganha um livro fotográfico à altura dos seus 4.478 metros e que desvenda as quatro vias de acesso ao topo.
Elas formam o fio condutor desta publicação realizada com uma visão muito acurada e pura deste símbolo do alpinismo. Os autores são o casal Luisa e Beat H. Perren, amantes do Cervino em todo o seu esplendor. Eles conseguiram capturar o Cervino e deixá-lo livre para a imaginação do leitor que não sofre de vertigem, pois as imagens reproduzem fielmente os abismos, os penhascos debruçados sobre o vazio. “Eu conheço a montanha um pouco como a minha casa”, diz Perren à swissinfo.
Os dois editores retratam a montanha de dentro para fora e vice-versa. Centenas de metros de negativos deram como resultado imagens únicas capazes de revelar o Cervino como uma radiografia completa da sua imponência. Elas servem para documentar, passo a passo, as trilhas, as escaladas, as passagens mais fáceis, os saltos mais difíceis e, principalmente, a magia das paisagens efêmeras e permanentes, ao mesmo tempo.
Tempestades escuras, mantos de neve, nuvens aprisionadas entre um cume e outro, geleiras sinuosas, e diferentes extratos de rochas servem de moldura para um Cervino visto, principalmente, a partir de uma prospectiva aérea. “Ao longo de 25 anos estive na unidade de socorro aéreo de Zermatt que revolucionou o socorro aos escaladores e esquiadores acidentados. Lembro-me ainda do tempo em que os guias alpinos usavam mulas e levavam um ou dois dias para chegar às vítimas”, conta Beat Perren, fundador da Air Zermatt à swissinfo.
Nas fotografias estão ainda imagens do crepúsculo e do alvorecer no topo da montanha realizadas por quem passou a noite no platô pequeno, no topo do Cervino. A montanha chega aos leitores inteira em algumas fotos de incrível beleza e, em outras, esfacelada como se tivesse sido submetida a uma autópsia, tal é a quantidade de imagens que revelam as passagens e os acessos mimetizados nas paredes quase sempre fotografadas em diferentes momentos de um mesmo dia.
O livro é uma espécie de apresentação fotográfica do Cervino e da interação do homem com a montanha. E mais do que isto, ele é um guia que ajuda ao alpinista a escolher o melhor caminho ou aquele mais adaptado às suas condições e exigências técnicas, físicas e psicológicas. As vias são desenhadas em linhas amarelas ao longo das arestas mais salientes da montanha e mostram o traçado elegante, audaz e arriscado percorrido pelos alpinistas. Nas páginas seguintes, o leitor pode examinar cada fase da escalada e de diferentes pontos de vista. “Este é um trabalho de longuíssima data, o conceito é do meu marido. Ele as separou ao longo do tempo. Eu sou uma apaixonada de montanha e o ajudei neste trabalho com muito prazer. É necessário amar muito a montanha antes de fotografa-la”, conta Luisa Perren, à swissinfo.
Passado e presente
Do conforto de um hotel na cidade mais próxima do Cervino é possível planejar a escalada da melhor maneira possível, folheando o livro e descobrindo, por exemplo, as consequências do desmoronamento de 2003, na via italiana da crista do Leão. Telescópios e binóculos nem sempre são suficientes para estudar o percurso fotografado por quem conhece o percurso com a palma da mão, como o editor Beat Perren. “Eu subi o Cervino pela primeira vez aos treze anos de idade com o meu pai”, lembra.
O vilarejo de Zermatt, aos pés do Cervino, cresceu junto com a fama e a atração exercidas pela montanha no imaginário coletivo de quem vivia à sombra ou longe do gigante de pedra e sonhava em “tocar” o céu e olhar para baixo, entre as nuvens, para admirar as montanhas ao redor e a humanidade e a natureza vistas do alto. Dali partem excursões rumo ao colosso de pedra, na realidade, da localidade Hornlihütte onde duas fotos, da velha e da nova ponte, revelam como o Cervino domina a paisagem com grande majestade.
O casal Perren não deixou de ilustrar com raras fotos em preto e branco e desenhos feitos por artistas da época os eventos que acompanharam o início das grandes escaladas. Estão lá, entre uma página e outra, Zermatt, ainda um vilarejo de pastores, o primeiro abrigo de pedras construído em 1868, na crista do Hörnli sobre uma pequena plataforma rochosa e o refúgio aos pés do Cervino, erguido em 1880, a 3.260 metros de altura. Os grupos de “assalto” à montanha com os equipamentos rudimentares se comparados aos atuais também estão presentes. O pioneirismo é celebrado em toda a sua importância de inspiração para explorar novos limites.
Algumas imagens do passado e do presente revelam as condições difíceis dos pernoites nos refúgios e abrigos a mais de quatro mil metros de altura, à beira dos precipícios e desfiladeiros. As fotografias não contemplam apenas as trilhas e os acessos, mas também contam a história das primeiras incursões e as espartanas e precárias construções, como a cabana do empresário belga Ernest Solvay, de 1915, erguida em substituição da precedente destruída num desmoronamento.
Escaladas
O teto deste mundo de terra, neve e gelo seria tocado pela primeira vez m 14 julho de 1865, na rota aberta pelo naturalista e artista inglês Edward Whymper (1840-1911), atraído, antes de tudo, pela beleza pictórica da montanha e, depois, pelo desafio de escalada até o cume ao qual tentou cinco vezes antes do sucesso. Na volta, porém, quatro companheiros morreriam quando um deles escorregou e arrastou outros três por causa de uma corda defeituosa. Ela rompeu-se provocando a queda fatal, de mais de mil metros de altura, dos integrantes da expedição. Depois deste caminho, outras três vias seriam abertas ao longo dos anos, uma mais arriscada do que a outra.
Elas são variantes que tentam tomar posse da montanha como se não fosse ela a aprisionar a alma do alpinista, seduzindo-o com o assovio dos ventos, com a passagem das nuvens, com os costões e os paredões verticais, com o céu tão límpido e claro que ele parece estar ali, ao alcance das mãos. E é a nitidez da captura destas sensações que transparece no livro dedicado ao Cervino. Não por acaso, o cientista irlandês John Tydall (1820-1893), usou os seus dotes de alpinista para escalar o Cervino e estudar as razões pelas quais a cor da atmosfera é azul e descobrir o efeito serra.
As fotografias com maior efeito sobre o leitor são as aéreas e que revelam toda a grandeza do Cervino. Nelas o homem é um ator coadjuvante diante do protagonismo absoluto desta pirâmide natural de rocha e não poucas vezes, mais parece uma formiguinha diante da imensidão do Cervino. O desafio de subir por cristas íngremes e estreitas, atravessar as paredes pendurados por cordas fixas, viciam os alpinistas.
A escalada do Cervino, vista através do objetivo da câmera fotográfica de Luisa e Beat Perren, revela algo de sublime, de profundo amor e respeito pela montanha. Ao longo das décadas ela cobrou o tributo de preciosas vidas de aventureiros que, por um motivo ou outro, acabaram ficando para sempre nas encostas do Cervino. O livro faz uma homenagem ao guia italiano Jean Antonie Carrol (1829-1890) ao imortalizar a cruz na rocha aonde o grande alpinista morreu depois de salvar os clientes de uma tempestade no caminho de descida.
As inúmeras escaladas durante as quatro estações do ano rendem o Cervino um dos primeiros objetivos dos alpinistas e amantes da montanha. Facilmente reconhecida no horizonte alpino, única na sua forma piramidal, ela é um marco, um farol que ilumina o desejo do ser humano de ir sempre mais alto. A montanha é fotogênica, e de todos os ângulos aparece em grande forma, como uma bela mulher, dizem os admiradores do Cervino. “A melhor estação para fotografar o Cervino é o outono, pela luz e jogo de sombras”, explica Beat Perren à swissinfo, sem demérito algum aos outros períodos do ano.
“Cervino, Climbing teh Classic Routes” tem 256 paginas e foi editado pela Edition Matterhorn Zermatt.
A obra custa 65 euros (98 francos suicos) e pode ser comprada através do site da farmácia de Beat Perren.
Beat Perren foi um dos fundadores da Air Zermatt, em 1968, Foi ele que conseguiu mobilizar a sociedade e constituir a Air Zermatt para ajudar a resgatar os turistas acidentados
Três dias depois de Edward Whymper, em 17 de julho de 1865, Jean-Joseph Carrel e Jean Baptiste Bich, subiriam pelo lado italiano, ou Crista Italiana ou a Crista do Leão, com 27 passagens, mas chegariam ao topo pela crista de Zmutt.
A aresta de Zmutt seria percorrida pela primeira vez, em 3 de setembro de 1879 por Albert-Frederick Mummery, com os guias Alexander Burgener, Augustin Gentinetta e Johann Petrus, com 7 passagens.
Já a aresta de Furggen seria aberta apenas em 22 de setembro de 1941, por Luigi Carrel, Alfredo Perino e Giacomo Chiara.
O pioneiro caminho da Crista de Hörlin, Crista Suíça, possui 29 passagens desde Einstieg até Oberes Dach e dalia ao cume-, e que são reveladas através de fotografias do livro, uma mais detalhada do que outra.
Ulirich Inderbinen, histórico guia de Zermatt, aos 90 anos de idade escalou a montanha.
A forma de pirâmide da montanha Cervino é devida à erosão provocada por quatro ciclos glaciares.
Existem seis abrigos na montanha que podem ser usados como pontos de apoio pelos alpinistas.
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