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Os desafios da descentralização da produção de vacinas para África

Um grupo de pessoas no palco
(da esquerda para a direita) A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o presidente do Senegal, Macky Sall, o presidente de Ruanda, Paul Kagame, o presidente de Gana, Nana Akufo-Addo, a primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley, o presidente da União Africana, Moussa Faki, e a ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, cortam uma fita durante uma cerimônia no novo centro de produção da BioNTech em Kigali, em 18 de dezembro de 2023. KEYSTONE/AFP or licensors

Um novo fundo lançado pela aliança de vacinas Gavi visa trazer mais justiça e promover a produção de vacinas na África. É um bom começo, mas é preciso fazer mais, dizem os observadores.

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Durante a pandemia, a farmacêutica norte-americana Johnson & Johnson produziu a vacina contra a Covid-19 na África do Sul. Elas foram então exportadas para a Europa, deixando a população local sem produção para uso próprio.

Uma mulher
Aurelia Nguyen, diretora de programas da Gavi, fotografada durante uma entrevista à AFP em Genebra, em 18 de janeiro de 2024. AFP/AFP or licensors

Na esteira da pandemia de Covid-19, a aliança de vacinação GaviLink externo, com sede em Genebra, que visa melhorar o fornecimento de vacinas aos países mais pobres, está pressionando para que um melhor acesso às vacinas se torne uma prioridade para a comunidade internacional, uma abordagem que é amplamente apoiada pelos países do G7 e do G20.

“Hoje, a África importa 99% das vacinas necessárias no continente”, diz David Kinder, diretor de financiamento de desenvolvimento da Gavi. Isso inclui vacinas contra malária e cólera, que matam centenas de milhares de crianças todos os anos. A aliança de vacinas Gavi inclui organizações da ONU, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Unicef e o Banco Mundial, além de países em desenvolvimento e doadores, a indústria de vacinas, instituições de pesquisa, a Fundação Gates e organizações não governamentais (ONGs).

Sua solução para evitar outro acúmulo de vacinas pelos países ricos, como foi o caso durante a pandemia de Covid-19, vem na forma de descentralizar a produção de vacinas e promover a produção nos países que mais precisam, ou seja, os países do continente africano.

Mudança histórica

Para isso, a Gavi lançou um novo instrumento de financiamento: o African Vaccine Manufacturing Accelerator (AVMALink externo, Acelerador de Produção de Vacinas na África). Isso ajudará a União Africana, que compreende 55 países do continente, a produzir um total de 60% das vacinas necessárias até 2040. O lançamento oficial do AVMA está previsto para 20 de junho em Paris.

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O AVMA é um fundo dotado de um bilhão de dólares ao longo de dez anos. O dinheiro provém de fundos pendentes da iniciativa Covax. Esta colaboração multilateral, lançada em 2020 para fornecer aos países mais pobres vacinas contra o vírus Sars-Cov-2, foi encerrada em dezembro de 2023. “O objetivo da Gavi com a AVMA é criar um mercado para baixar os preços das vacinas”, explica Kinder.

A AVMA pretende ajudar os fabricantes africanos a manterem-se competitivos face a empresas bem estabelecidas, como a Johnson Johnson ou a Roche, que são capazes de baixar os seus preços devido a economias de escala.

Pessoa sendo vacinada
Um profissional de saúde do Quênia recebe uma dose da vacina Oxford/AstraZeneca, parte do mecanismo COVAX da GAVI (The Vaccine Alliance), para combater a COVID-19. AFP/AFP or licensors

Esta é uma mudança histórica em relação aos esforços anteriores, nos quais a Aliança Gavi concentrou seu orçamento na compra principalmente de vacinas dos maiores fabricantes farmacêuticos do mundo. Durante muito tempo, essa abordagem foi considerada eficiente em relação aos custos. No entanto, ela também aumentou a concentração da produção de vacinas entre alguns fabricantes e deixou pouco espaço para novos fornecedores.

Como um dos maiores compradores de vacinas em todo o mundo, a Gavi está enviando um forte sinal aos mercados globais de que a aliança apoia a produção de vacinas africanas, diz Kinder. Isso ajudará os fabricantes a planejar a produção com base na demanda esperada.

Vacinas e tecnologias prioritárias

Como funcionará o AVMA? O fundo apoiará os fabricantes africanos com dois pagamentos de incentivo para ajudá-los a criar condições de concorrência equitativa com outros produtores em todo o mundo.

Como ponto de partida, a Gavi definiu vacinas que o fundo deve priorizar. Além das vacinas contra a cólera e a malária, estas também incluem as vacinas contra o sarampo-rubéola, a febre amarela e o ebola. A Gavi também quer concentrar partes da AVMA em novas tecnologias que permitirão aos fabricantes africanos adaptar rapidamente sua produção no caso de uma próxima pandemia. Estes incluem mRNA sintético baseado em genes e vacinas de vetor viral. Ao contrário das vacinas anteriores, ambas não contêm patógenos inativados, mas introduzem o esquema genético para antígenos patogênicos em células humanas. As células então usam essas instruções para produzir antígenos próprios, que desencadeiam uma resposta imunológica.

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Até agora, o mRNA só foi autorizado para a vacina contra a Covid-19, mas é uma tecnologia impulsionada pela OMS que está apoiando os governos no estabelecimento de capacidades de produção. “Montamos um centro de transferência de tecnologia para mRNA na África do Sul, que repassará a tecnologia para nossos parceiros em 15 países”, diz Martin Friede, co-chefe do programa de transferência de tecnologia de mRNA da OMS.

Os fabricantes africanos primeiro têm que solicitar uma pré-qualificação, que é autofinanciada, de sua vacina na OMS. Aqueles que se qualificarem receberão um pagamento inicial entre US$ 10 e 25 milhões da AVMA. As quantidades máximas são destinadas a vacinas de mRNA e de vetor. O segundo pagamento destina-se a ajudar os fabricantes africanos a apresentarem a sua proposta aos concursos da Gavi.

“Eles receberão entre 0,3 e 0,5 centavos de dólar por dose para que possam competir em igualdade de condições com nossos fabricantes estabelecidos”, diz Kinder. Com isso, pretende-se também enviar um sinal aos investidores, como o Banco Mundial ou o Banco Europeu de Desenvolvimento (BEI), de que a produção está garantida para ser vendida.

Um homem com touca e máscara ao lado de uma máquina
Um técnico dea Sogafam verificando uma máquina que produz comprimidos em 4 de março de 2005, na fábrica em Owendo, ao sul de Libreville. AFP/2005 AFP

Embora a AVMA seja a iniciativa internacional que fornece mais financiamento para promover a produção local de vacinas, os observadores dizem que muitas questões permanecem sem resposta para que os países africanos se tornem produtores.

Sem dinheiro para pipeline de produtos

O programa AMVA deixa os produtores à procura de fundos próprios para grande parte da linha futura de produtos: desde pesquisa e desenvolvimento até testes clínicos, produção e distribuição. Segundo o bioengenheiro e pesquisador independente da University College London, Els Torreele, o Banco Mundial e o BEI financiam voluntariamente o desenvolvimento de infraestruturas, muitas vezes com empréstimos ou investimentos que precisam gerar retorno. Mas as instituições financeiras de desenvolvimento estão quase ausentes quando se trata de financiar o desenvolvimento de produtos ou fornecer subsídios. Como exemplo, a empresa sul-africana AfrigenLink externo, está atualmente lutando para obter financiamento para o desenvolvimento de uma linha de produtos de mRNA, que incluiu o desenvolvimento de uma vacina contra a Covid-19. A empresa está no centro da iniciativa coordenada pela OMS para descentralizar a produção de mRNA.

Para garantir a igualdade de oportunidades, Torreele também acredita que a produção não deve ser apenas local, mas também inserida nas políticas nacionais e regionais de saúde.

Atualmente, a AVMA define a produção local como estando geograficamente localizada na África, diz Torreele. Isto significa que uma empresa internacional que produz vacinas na África através de uma subsidiária é elegível para financiamento. O fato de que essa produção “localizada” não leva a resultados justos foi ilustrado, por exemplo, pela produção das vacinas contra a Covid-19 pela Johnson & Johnson na África do Sul, mencionada no início deste artigo.

Financiamento da transferência de tecnologia

Além disso, a AMVA não prevê dinheiro para a de transferência de tecnologia. Isso deve acontecer indiretamente, por exemplo, por um concorrente externo que investe nas instalações de produção, como um fabricante indiano. Isso deixa o fabricante local em uma posição fraca para negociar.

Se você quer apoiar a transferência de tecnologia (TT), você tem que financiá-la diretamente, diz Torreele. “Os contratos da TT devem ser justos e propícios ao desenvolvimento das capacidades de produção local. No entanto, as condições muitas vezes são restritivas porque uma empresa não quer fortalecer seus concorrentes”. Friede, da OMS, também saudaria o aumento do financiamento do TT.

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A Federação Internacional de Fabricantes e Comerciantes Farmacêuticos (FIFCF), que é um grupo de lobby, diz que um ecossistema de vacinas sustentável e acesso equitativo a vacinas inovadoras na África requer a cooperação de todas as partes interessadas.

Torreele, enfatiza que, para um fornecimento equitativo de vacinas, os países em desenvolvimento e os fabricantes locais devem ter o poder de decidir sobre a tecnologia e as instalações para a produção de vacinas, o que produzem e para quem as produzem. “O setor de biotecnologia na África ainda é jovem, diz Kinder, da Gavi. Levará algum tempo para que novos fabricantes atinjam o tamanho necessário para uma produção sustentável”.

Edição: Virginie Mangin/ts

Adaptação: DvSperling

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